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4.2 O financiamento do turismo no Brasil

4.2.2 Financiamento das empresas turísticas

A segunda seção do primeiro capítulo tratou de abordar sucintamente a organização dos negócios turísticos no Brasil; assim, foi dada ênfase apenas aos subsetores de acomodação, transporte (aviação), operadoras de turismo e agências de viagens. Contudo, o setor de turismo abrange várias atividades, como alimentação e entretenimento, dentre outras que complementam aquelas citadas acima. Neste sentido, convém considerar nesta seção alguns indicadores financeiros e observar sua evolução no período recente para extrair informações que sirvam: i) para ilustrar aspectos importantes do desempenho do setor; ii) para oferecer uma base para avaliar a participação do financiamento público para o setor.

A fonte utilizada para levantar estes indicadores sobre o setor de turismo no Brasil foi a publicação "Balanço Anual da Gazeta Mercantil", sendo utilizados os anos de 1994 a 2000. Como forma de reduzir as distorções decorrentes da variação do número de empresas publicadas em cada ano no setor turismo, foram montadas três amostras. Ressalta-se que as empresas que apresentavam tais informações individualizadas atuavam em várias áreas do setor33.

A primeira amostra (Amostra I) envolve o maior número de empresas pesquisadas, e sua composição é variável ao longo do período observado34; a segunda amostra (Amostra II) é fixa, de apenas sete empresas que estão presentes em todos os anos considerados; a terceira amostra (Amostra III) também possui um número fixo de vinte e uma empresas, mas as empresas específicas que compõem a amostra variam ano a ano.

Em que pese todas as restrições que este tipo de amostra comporta, com base nos dados dos indicadores médios,35 foi possível chegar as seguintes considerações:

• O Grau de Endividamento Total revela uma tendência de crescimento ao longo dos anos, em maior proporção nos anos de 1998/2000; ao fim do período, este indicador mostra-se quase duas vezes maior em relação ao ano inicial da série;

• O Grau de Endividamento Financeiro, que considera o passivo financeiro em proporção ao passivo total, aponta para um rápido crescimento até 1998, passando a partir de então a flutuar sem nenhuma tendência marcante;

• O indicador que mostra a rentabilidade dos negócios turísticos, Lucro Líquido sobre Patrimônio Líquido, revela apenas no ano de 1998 um valor positivo. Nos demais anos, observa-se a ocorrência

33 Tais como hotéis, agências de viagens, convenções e eventos, restaurantes e promoções de turismo. O

transporte aéreo, todavia, foi incluído pela Gazeta Mercantil no setor de Transporte e Logística. Diante disso, optou-se por não considerar seus indicadores, uma vez que seu enquadramento provocaria, entre outros inconvenientes, profundas distorções nos indicadores típicos do setor.

34 Na primeira amostra não há uniformidade na quantidade de empresas examinadas, de modo que no ano de

1996, por exemplo, constam informações de 250 empresas, enquanto em 1998, este número cai para 162 empresas. Como forma de minimizar os efeitos de variação anual no número das empresas considerou-se a evolução do valor médio desses indicadores. O ano de 1997 foi retirado da amostra em função dos dados da publicação mostrarem-se inconsistentes: os somatórios dos subsetores apresentavam valores inferiores àqueles alcançados por algumas de suas empresas componentes.

de prejuízos significativos, especialmente em 1995 e 1996.

A tabela 20 abaixo apresenta os dados organizados da amostra variável (Amostra I).

Tabela 20: Evolução dos indicadores financeiros selecionados da Amostra I (número variável de empresas), 1994-2000, em %. 1994 1995 1996 1998* 1999 2000 Empresas na amostra 200 206 250 162 186 232 Endivida/to total (%) 23,67% 32,66% 33,69% 36,41% 39,22% 44,74% Endivida/to finan. (%) 7,27% 8,46% 16,22% 19,55% 16,09% 17,85% Retorno s/ patr.líq. (%) -2,47% -8,46% -8,59% 1,92% -5,71% -5,04%

Fonte: Gazeta Mercantil, Balanço Anual (1994-2001).

Estas foram as conclusões extraídas a partir da amostra maior (Amostra I). Todavia, é importante verificar a plausibilidade destes dados através da consideração de uma amostra que contenha informações referentes as mesmas empresas, pois o procedimento de levantar os indicadores médios não foi suficiente para anular os efeitos que a entrada e/ou saída de empresas de porte variado teria sobre a evolução destes indicadores nos períodos pesquisados. Com esta técnica de amostragem, pretende-se eliminar as distorções dos dados provocadas por variações no tamanho e composição da amostra. Infelizmente, ela ficou bastante pequena, e composta apenas por negócios do segmento hoteleiro, pois apenas sete empresas privadas, todas classificadas neste setor, tiveram suas informações publicadas de forma individualizada em todos os anos.36

A tabela 21 revela os indicadores destas empresas para o período 1994/2000.

Tabela 21: Evolução dos indicadores financeiros selecionados da Amostra II (7 empresas), 1994-2000, em %.

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Endivida/to total (%) 34,64% 33,10% 41,34% 43,59% 54,32% 44,10% 45,92% Endivida/to fin. (%) 8,44% 6,34% 16,80% 10,30% 22,18% 13,11% 12,73% Retorno s/ Patr. Líq. (%) -7,95% -13,45% -15,77% 1,72% -10,16% -3,74% 3,26%

Fonte: Gazeta Mercantil, Balanço Anual (1994-2001).

Os indicadores nesta amostra permitem a seguinte constatação:

• Observa-se um crescimento sistemático do endividamento total, todavia menor do que no caso da amostra variável, uma vez que seu indicador aumenta de 35% para cerca de 46% do Passivo Total ao longo do período;

• Com relação ao Grau de Endividamento Financeiro, percebe-se que seu comportamento é bastante volátil, alternando períodos de crescimento com de retração, embora em torno de uma tendência de expansão;

• Com relação aos indicadores de rentabilidade, apenas os anos de 1997 e 2000 apresentam dados positivos, e mesmo assim com índices relativamente baixos, 1,72% e 3,26%, respectivamente. Os

dados referentes aos demais anos revelam prejuízos que atingem proporções significativas do Patrimônio Líquido.

Contudo, ainda que esta amostra seja fixa, seu tamanho reduzido, de apenas sete empresas, acarreta o risco de baixa representatividade da amostra, tanto mais porque envolve apenas o segmento hoteleiro. Assim, pode- se recorrer a uma amostragem maior, formada por um conjunto de vinte e uma unidades, que mantenha o número de empresas fixo, mas permitindo que as empresas que a compõem sejam variáveis, em conseqüência das restrições já explicadas37.

A tabela 22 oferece um quadro da evolução dos indicadores na amostra considerada.

Tabela 22: Evolução dos indicadores financeiros selecionados da Amostra III (21 empresas), 1994-2000, em %.

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Endivida/to total (%) 34,04% 35,98% 33,64% 35,88% 44,43% 42,43% 56,48% Endivida/to fin. (%) 7,46% 10,01% 16,62% 10,36% 23,43% 15,75% 16,74% Retorno s/Patr. Líq. (%) -8,48% -12,21% -9,50% 2,55% -5,95% -1,30% 5,60%

Fonte: Gazeta Mercantil, Balanço Anual (1994-2001). Com base nesta tabela, é possível perceber que:

• Os indicadores de Endividamento Total denotam um mudança em relação ao comportamento das outras amostras; até 1997, o Grau de Endividamento Total se mantém relativamente estável em cerca de 34%; o ano de 1998 constitui-se em um ponto de inflexão brusco deste processo, que após uma ligeira queda em 1999, move-se em direção a um ciclo ascendente, fechando a série em 2000 com números da ordem de 56%;

• O Grau de Endividamento Financeiro apresenta comportamento similar ao da amostra de sete empresas, com altíssimo grau de volatilidade em torno de uma tendência ascendente de longo prazo; • O indicador de rentabilidade revela a existência de prejuízos na maior parte dos anos, com exceção

dos anos de 1997 e 2000; sua evolução mostra também uma tendência de redução ao longo do tempo. Após esta sistematização, convém fazer uma leitura dos resultados que podem ser extraídos da observação conjunta das três amostras. Inicialmente, elas demonstram que há um notável crescimento na utilização de recursos de terceiros no financiamento das atividades turísticas ao longo do período 1994-2000. Em se tratando do indicador de rentabilidade considerado, as amostras revelam que de início os prejuízos tendem a

36 Ademais, os dados do ano de 1997 devem ser interpretados com cuidado, pois duas empresas não tiveram

seus Balanços Patrimoniais publicados. A alternativa seria excluir este ano, contudo a amostra ficaria com apenas cinco empresas, um número excessivamente pequeno para compor uma amostra representativa.

crescer como proporção do patrimônio líquido, resultado que parece se inverter no período final das séries. Em linhas gerais, este comportamento é observado também em Pereira (2000) para conjunto das 500 maiores empresas privadas do Brasil, no período 1994 e 1998.38 Constata-se assim que a utilização de

recursos de terceiros por parte deste conjunto de 500 empresas foi maior que a demonstrada para o setor turístico nas três amostras. Com a estabilização da inflação a partir de 1994, o grau de endividamento médio delas revelou uma tendência de aumento, de cerca de 40% para 48% em 1998. O estudo de Pereira também analisou a evolução do indicador de rentabilidade sobre patrimônio líquido para estas 500 maiores empresas, conforme registra a tabela 23. Ela evidencia que, ao contrário do que ocorreu em média com o setor de turismo, os índices de retorno das grandes empresas que atuavam no país foram positivos no período, embora decrescentes39.

Tabela 23: Rentabilidade sobre o Patrimônio Líquido para as 500 maiores empresas privadas - Lucro Líquido ajustado sobre Patrimônio Líquido ajustado - em %.

Ano Lucro Líquido / Patrimônio Líquido

1994 10,7 1995 6,1 1996 5,0 1997 4,8 1998 4,2 Fonte: Exame, 500 Maiores e Melhores apud Pereira (2000).

37 Há vantagens e desvantagens em relação a esta amostra menor e de composição rígida: com relação à

Amostra I, o aumento do tamanho da amostra tende a ampliar a sua capacidade de emular as características do universo amostral sem ao mesmo tempo permitir que variações no tamanho da amostra distorçam os resultados. Por outro lado, e devido ao seu tamanho ainda relativamente reduzido, variações na amostra decorrentes apenas de mudança em sua composição pela entrada e saída de empresas ainda podem causar distorções significativas no âmbito das informações sobre o setor. Contudo, a amostra de no máximo vinte e uma empresas foi o meio encontrado para obedecer as regras de manutenção de empresas que apresentassem informações individualizadas a respeito dos indicadores aqui considerados e que fossem também de capital privado, ainda que de composição variada.

38 As empresas consideradas no trabalho de Pereira (2000) constavam das publicações da revista Exame,

sobre as 500 maiores empresas no país. Para os propósitos desta tese, os indicadores retratados referem-se apenas ao período 1994-2000, que permite uma comparação com os das amostras do setor de turismo. Outra questão a ser ressaltada é que o endividamento analisado no trabalho de Pereira envolve o Exigível sobre Ativo Total, enquanto o indicador considerado aqui inclui, também, o passivo financeiro de curto prazo. A despeito destes fatores, o referido trabalho permite uma comparação aproximada com o comportamento global do endividamento ao longo do tempo, mas não uma comparação relativa entre o nível dos indicadores em cada ano.

No caso dos negócios turísticos, as evidências apontam para a possibilidade de que os baixos índices de endividamento e prejuízos elevados do setor nos anos iniciais da série40 decorram de um excesso de capacidade ociosa durante a recessão 1995/1998. Deste modo, o endividamento poderia ser explicado como um recurso necessário frente à baixa liquidez do setor. A partir de 1999, sua causa possivelmente está associada à retomada dos investimentos, proporcionada pela recuperação da economia brasileira e desvalorização cambial que teve como efeito: i) a internalização do turismo, que a valorização do real tornara fortemente emissivo41; ii) o crescimento do turismo receptivo. Assim, pode-se entender a redução dos

prejuízos que ocorre neste período, especialmente quando cotejado à fase anterior.