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1 INTRODUÇÃO

3.4 Financiamento do Serviço Público

Fixadas as premissas acerca do conceito, natureza jurídica, titularidade e prestação dos serviços públicos no Brasil, necessário se faz referir às múltiplas modalidades de financiamento do serviço público. A adoção de um modelo jurídico de prestação do serviço pela Administração Pública corresponderá a um tipo de fonte de financiamento dessa prestação. Assim, do ponto de vista da origem dos recursos financeiros necessários ao custeio da prestação do serviço público, há os modelos da prestação direta, da concessão comum e o da concessão patrocinada.

No da prestação direta, o serviço público é prestado diretamente ao usuário pela própria Administração Pública sem qualquer custo. Em verdade, as despesas relativas ao serviço são custeadas pelas receitas gerais oriundas da arrecadação dos tributos ou demais fontes de receita pública. Pode-se inferir, então, que o custeio dessa modalidade de prestação de serviço público é arcado por toda a coletividade (usuários e não usuários). Exemplo de serviço público, no Brasil, prestado diretamente ao usuário

pela própria Administração Pública é a saúde pública, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.

Interessante ilação, sob o enfoque econômico, faz Fernando Vernalha Guimarães sobre o custeio do serviço público na modalidade de prestação direta:

Sob um prisma econômico, a hipótese pelo custeio do serviço público por receitas gerais advindas (também e principalmente) de impostos retrata a transferência de riqueza dos não-usuários para os usuários, uma vez que só esses contribuem para o consumo do serviço público. Desse modo, os não- usuários passam a financiar o custeio do serviço público sem usufruir de seu consumo. Sendo o uso da infra-estrutura um fato econômico, presuntivo de riqueza, é certo que seu custeio exclusivamente por receitas gerais importa na transferência de riqueza dos não-usuários aos usuários.257

Além do enfoque econômico, infere-se também o ponto de vista social da redistribuição de riquezas na adoção do sistema de prestação direta dos serviços públicos, haja vista a transferência de riquezas dos mais ricos para os mais pobres, demonstrativa do princípio da capacidade contributiva do contribuinte. Neste sentido é a observação de Marçal Justen Filho: “o serviço público gratuito é suportado por meio de valores extraídos compulsoriamente dos segmentos da população titulares de maior riqueza”.258

Por fim, caracteriza-se o custeio do modelo da prestação direta de serviço público pela técnica da progressividade, na medida em que a maior parcela dos recursos financiadores do serviço público advém do segmento da população de maior riqueza. O aprimoramento da técnica da progressividade no custeio do serviço público prestigia o princípio da solidariedade.

No modelo concessório comum, o financiamento da prestação do serviço público é arcado pelos usuários desses serviços, restando, portanto, desonerados os não usuários. Destarte, em vez dos custos dos serviços público serem arcados pela receita geral dos impostos, por toda a coletividade (como no modelo de prestação direta), no modelo de concessão, a prestação do serviço público é financiada por aquele que efetivamente consome o serviço e na proporção que o faz, revelando aí o princípio do benefício ou da retribuição.

257 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. O custeio do serviço público: a concessão patrocinada como via à implementação de tarifas sociais. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano

7, n. 25, p. 121, jan./mar. 2009.

258 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 70.

Aludindo ao princípio do benefício no modelo concessório, Fernando Guimarães explica que a remuneração dos serviços públicos pode ser feita mediante taxas ou tarifas, sendo exceção o regime da gratuidade. Ante a insuficiência de recursos para o custeio de todas as prestações de serviço público,

[...] o oferecimento generalizado de prestações de utilidade pública (divisíveis, inclusive) sem custo aos usuários esbarraria na sua impraticabilidade ante a inexistência de receitas públicas suficientes ao seu custeio. Alude-se então à reserva do possível, como o reconhecimento de que os recursos públicos são escassos e insuficientes a garantir todos os direitos e a custear todas as prestações estatais em benefício da comunidade.259

Com o advento da concessão patrocinada, pela Lei nº 11.079/2004 (Lei das PPPs), estipulou-se um sistema misto de financiamento do serviço público, ou seja, a estrutura remuneratória da concessão compreende recursos públicos oriundos de receitas estatais (portanto, financiada por toda a sociedade – usuários e não usuários) como receitas tarifárias (como prestação pecuniária paga pelos usuários).

Para Fernando Magalhães, a concessão patrocinada pode servir como instrumento de financiamento da socialização do serviço público, suprindo deficiências em projetos economicamente inviáveis. Quando o Poder Público opta por alguma isenção ou redução tarifária (v.g., tarifas sociais), a estrutura tarifária da concessão pode se tornar deficitária, cabendo neste caso a concessão patrocinada para equilibrar o financiamento da prestação do serviço público e garantir a socialização desse serviço.260 Sobre a tarifa

social, o mesmo autor explica:

A chamada tarifa social consiste num preço político oferecido a determinadas classes de usuários cuja situação sócio-econômica seja impeditiva ou restritiva do acesso ao serviço público. É um preço artificialmente fixado (na acepção de traduzir-se numa diferenciação tarifária não amparada em critérios exclusivamente econômico-financeiros ou nos custos de produção do serviço) no objetivo de proporcionar o acesso ao serviço público a populações mais carentes. Essa espécie de tarifação justifica-se no objetivo da socialização do serviço público, franqueando o acesso a utilidades essenciais a determinados grupos com menor poder aquisitivo. A hipótese é usual em serviços de uso generalizado por toda a coletividade, cuja prestação se mostre socialmente relevante e mantenha estreita relação com a dignidade da pessoa humana, como no abastecimento de água, energia elétrica etc. – e é incomum em setores em que o conjunto de usuário é mais restrito, como nas atividades de manutenção de rodovias.261

259 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Op. cit., p. 123. 260 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Op. cit., p. 123-124. 261 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Op. cit., p. 124.

Para subsidiar as tarifas sociais nos serviços públicos, a receita financeira pode advir tanto da estrutura tarifária e remuneratória da concessão (portanto o subsídio é internalizado no sistema concessório) como de fontes externas (pela complementação de recursos públicos). O subsídio interno à tarifa social pode ser oriundo das receitas geradas por tarifas regulatórias (receita adicional utilizada na regulação de serviço público como instrumento de extrafiscalidade – v.g., a instituição de tarifas de energia elétrica mais caras nos horários de pico, de modo a custear as tarifas reduzidas nos outros horários a certas camadas da população) ou pela oneração tarifária a determinados grupos de usuários (a estratificação tarifária obedece ao princípio da capacidade contributiva dos usuários – v.g., tarifa especial imposta ao consumo de energia elétrica acima das metas estabelecidas no Programa Emergencial de Redução de Consumo de Energia Elétrica, implementado pela Medida Provisória nº 2.152/2001).

O défice no custeio da prestação do serviço público também pode ser financiado por fontes externas à operação. Fernando Magalhães aponta três hipóteses de fontes externas para o mencionado financiamento: a) vinculação econômica da concessão a receitas alternativas e de projetos associados (v.g., receitas alternativas, complementares e acessórias previstas no art. 11 da Lei nº 8.987/95 – Lei Geral das Concessões); b) fundos de financiamento do serviço público (constituídos por recursos dos concessionários de serviços públicos, “destinados a cobrir os déficits na prestação do serviço público ocasionados pela implementação de políticas de socialização e universalização”262, v.g.,

o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST, criado pela Lei nº 9.998/2000); c) subsídios providos pelo Poder Público.