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Fundamentos metodológicos no estudo do fenômeno da tributação

1 INTRODUÇÃO

2.3 Fundamentos metodológicos no estudo do fenômeno da tributação

O fenômeno da tributação pode ser estudado por diversos aspectos e pontos de vista. A análise histórica é comumente utilizada, principalmente por iniciantes no exame do Direito Tributário, para se retratar a origem e evolução dos principais institutos jurídico-tributários. Fala-se desde a origem de uma nação, de um poder estatal, até se conceituar o tributo, apontando-se seus limites e espécies tributárias vigentes em um dado ordenamento jurídico.80

Sob o ponto de vista econômico, a análise realizada no tributo é mais de caráter funcional e pragmática, ou seja, examinam-se quais os efeitos de uma determinada tributação (aumento ou diminuição de carga tributária; criação ou extinção de um dado tributo), qual o reflexo de um dado tributo (o aumento ou a diminuição de sua carga tributária) sobre certas atividades econômicas, buscando-se mais eficiência econômica81.

No plano da Ciência Política, leva-se em consideração no exame da tributação todo o contexto político a subsidiar o processo legislativo atinente àquele tributo. Assim

79 Para Hugo de Brito Machado, os dois dispositivos legais que conceituam tributo no ordenamento jurídico brasileiro são perfeitamente compatíveis e se completam, rigorosamente, no plano jurídico. In: O conceito

de tributo no Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 23.

80 Sobre a história da tributação brasileira, é muito interessante o artigo de Alcides Jorge Costa “História da tributação no Brasil: da República à Constituição de 1988”, resultado de sua conferência proferida no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Finanças Públicas. História da tributação no Brasil: da República à Constituição de 1988. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de Direito Tributário e

Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 112-151.

81 Para Schoueri, não existe neutralidade de norma tributária, pois impossível um tributo que não afete o comportamento dos agentes econômicos. Em verdade, deve-se falar de eficiência econômica pelo legislador ao adotar medidas – utilizando normas tributárias – para induzir comportamento de agentes econômicos, visando à própria intervenção no domínio econômico. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 38-39.

sendo, importa a composição político-partidária que propiciou a mudança legislativa, a condução (ou pressão) do Executivo na votação da proposta legislativa, o resultado da votação da matéria na respectiva casa legislativa, dentre outras questões políticas.

Na questão sociológica, esta não deve se restringir apenas ao entendimento da reação à norma jurídica. A Sociologia deve abordar, de acordo com Pedro Scuro Neto82, o “caráter geral do Direito, as mudanças que o alteram, a seus interesses e

princípios básicos, à medida que ele evolui de uma situação histórica para a seguinte.” No campo do Direito Tributário, o objeto de investigação cinge-se aos motivos e efeitos da tributação na sociedade. O fenômeno da tributação é estudado pelo Sociólogo sob o ponto de vista dos grupos sociais, quais os efeitos da carga tributária para determinadas camadas da sociedade e também quais medidas determinadas pessoas ou grupos tomam para reduzir a carga tributária num dado sistema social.

Para o Jurista, resta a análise normativa do ordenamento jurídico tributário. O exame do fenômeno jurídico, no entanto, não se deve restringir tão-somente ao da norma que compõe o ordenamento jurídico. Essa análise puramente normativa é importante, mas não a única, como apregoara Hans Kelsen:

Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é seu princípio metodológico fundamental.83

Em verdade, a análise profunda do Direito deve ser feita com base em três aspectos básicos, de acordo com Miguel Reale (Teoria Tridimensional): normativo, fático e axiológico84. No aspecto normativo, entende-se o Direito Positivo como ordenamento

jurídico – conjunto de normas postas num dado sistema, em um respectivo território e num determinado momento. No aspecto fático, o Direito é visto como fenômeno que ocorre no mundo dos fatos em sua efetividade social e histórica. Noutros termos, o fenômeno jurídico pressupõe um fato econômico, geográfico, social, cultural, político, dentre outros. No aspecto axiológico, o Direito identifica-se com o valor de Justiça, ou

82 SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e jurídica. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 64. 83 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.1.

seja, é por via do elemento axiológico que se confere uma significação ao fato jurídico, imprimindo-lhe certo sentido e objetivo às ações humanas. Em suma, o Jusfilósofo assevera que “tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta”.85

Para Eduardo Bittar, com esteio na Semiótica, o discurso jurídico não pode restringir a abrangência de seu estudo ao campo exclusivo da norma. O universo jurídico possui um terreno mais largo que, ao perpassar a seara normativa, também abrange as manifestações científicas, burocráticas e decisórias:

O discurso jurídico é mais que o discurso da normatividade (discurso prescritivo); dizer o contrário seria compactuar com o raciocínio positivista e legalista, entendido este com um reducionismo que acaba por integralizar a dinâmica jurídica ao universo normativo. O discurso jurídico é mais que o discurso normativo, no sentido de que acolhe também em seu seio outras manifestações textuais, que não apenas aquela normativa; nele se inserem, além do discurso jurídico-normativo, o discurso jurídico-burocrático, o discurso jurídico-científico e o discurso jurídico-decisório.86

Ruy Barbosa Nogueira há muito tempo já defende o estudo das fontes87 do

Direito Tributário atrelado à tridimensionalidade. Ele assevera que a interligação fato- valor-norma na composição jurídica é essencial para a formação do jurista88. Do mesmo

modo deve ser a análise do fenômeno da tributação, não apenas um estudo meramente dogmático, mas também que leve em consideração os aspectos históricos, econômicos, políticos e sociais envolvidos. Neste mesmo sentido, Luís Eduardo Schoueri ensina:

Por outro lado, o jurista não deve isolar seu conhecimento, sob a pretensão de laborar sobre campo infenso a influências externas. Ao contrário, o fenômeno jurídico – e especialmente a tributação – é fruto de uma experiência humana. A lei tributária surge como resultado de um fenômeno político, inspirado por questões econômicas e sociais. Compreender esta relação é fundamental para a boa análise jurídica.89

85 REALE, Miguel. Op. cit., p. 65.

86 BITTAR, Eduardo C. B. Op. cit., p. 180.

87 Em posição diametralmente diversa, Paulo de Barros Carvalho diferencia as fontes do Direito Positivo (“acontecimentos que se dão no plano uno e múltiplo da facticidade social, abrangendo os fatos sociais em senso estrito e os fatos naturais de que participem, direta ou indiretamente, os sujeitos de direito”) e as fontes da Ciência do Direito (“tudo aquilo que venha a servir para a boa compreensão do fenômeno jurídico, tomado como a linguagem prescritiva em que se verte o direito”). Curso de Direito Tributário. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 75.

88 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 43. 89 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 11.

Assim, no âmbito deste relatório investigativo acadêmico, o estudo da tributação, em particular daquela incidente nos serviços públicos regulados, é feito com base nos aspectos jurídicos, não se olvidando dos seus ares históricos, políticos, econômicos e sociais. Entende-se, com efeito, ser mais completa a análise da tributação dos serviços públicos regulados quando se ultrapassa o mero exame do discurso jurídico- normativo, calcado apenas na literalidade dos textos legais e sem uma análise e interpretação sistemática do ordenamento jurídico, levando-se em consideração os outros aspectos envolvidos. Em suma, a tributação é muito mais do que um fenômeno estritamente jurídico, pois é também político, econômico e social.