• Nenhum resultado encontrado

Capitulo III – Enurese Noturna nos Jovens: Caracterização Patológica e Abordagem

1.5 Fisiopatologia/Etiologia

adotando uma bexiga hiperativa e resultando numa redução de 50% da capacidade vesical, o que origina micções mais frequentes. Contundo, esta situação não é tão visível nos doentes com EN Monossintomática. Constatou-se, também, que 1/3 dos doentes com hiperatividade vesical não apresenta EN. Tal revela que a maior contratilidade vesical, com consequente redução da capacidade da bexiga, não é, necessariamente, a única causa da EN [18, 19].

Alguns autores defendem ainda que as crianças e jovens não acordam com o estímulo de bexiga cheia, devido a um atraso na maturação dos centros subcorticais, que recebem os estímulos nervosos produzidos pela repleção vesical. Este atraso na maturação impossibilita a inibição das contrações, o que origina uma perda involuntária de urina [17]. Esta possibilidade baseia-se, também, no facto de um número importante de enuréticos apresentar, concomitantemente, transtornos neurológicos como atraso na marcha ou linguagem, déficit de atenção e hiperatividade [18].

Um grupo significativo de crianças e jovens enuréticos apresenta poliúria noturna, em graus variáveis. Estudos de débito urinário em enuréticos revelaram existir um volume urinário noturno aumentado. Este facto tem sido explicado com base numa alteração no ritmo circadiano de secreção da hormona antidiurética (ADH) [17]. A ADH, também denominada por vasopressina, é uma hormona peptídica de 9 a.a. (aminoácidos) secretada pela neuro- hipófise, que intervém na regulação da concentração e volume de urina [20]. É responsável pela reabsorção renal da água nos túbulos renais e, consequentemente, pela diminuição da produção de urina. Sendo secretada num ritmo circadiano, com picos noturnos, origina uma consequente redução do volume urinário. Um déficit na produção de ADH, ou a resistência à sua ação a nível renal, origina uma elevação do débito urinário noturno, o que representa uma maior sobrecarga vesical, podendo, deste modo, estar na origem da EN [21-23]. No entanto, tal não explica o motivo pelo qual o jovem não acorda com a sensação de bexiga cheia.

Apesar de muitos pais de crianças e jovens com EN atribuírem aos filhos um “sono pesado” e agitado, os resultados das pesquisas realizadas nesta área são controversos. Embora alguns estudos refiram diferenças ao nível do sono dos enuréticos [24, 25], em muitos casos, a associação não é confirmada. Foram, igualmente, realizados estudos em enuréticos com polissonografia e não foi documentada nenhuma diferença [26].

Em Portugal, Gomes e colaboradores [5] realizaram, recentemente, um estudo com o intuito de verificar se existe ou não uma associação entre EN e hábitos de sono e ocorrência de pesadelos. Os resultados da investigação evidenciaram uma associação entre a EN e os pesadelos. Contudo, quanto à relação da EN com os hábitos de sono os resultados vêm apoiar a hipótese de serem condições diferentes [5].

Por outro lado, sabe-se, atualmente, que a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) pode estar associada à EN. Apesar de esta associação não ser frequente, está documentada uma taxa de cura da EN de 50%, após a resolução da SAOS [27].

Os investigadores acreditam que a existência de problemas psicológicos ou psicossociais, só muito raramente, esteja na origem da EN, estando, mais vezes, implicados na EN

secundária. Atualmente, debate-se que a EN Secundária possa surgir após um evento traumático, como a morte de um familiar ou um divórcio. Os estudos apontam para que as alterações comportamentais ou psicológicas sejam mais uma consequência da situação que uma causa [10].

Em traços gerais, a abordagem terapêutica da EN compreende uma vertente não farmacológica ou comportamental, o uso de alarme e uma vertente farmacológica.

A terapia comportamental tem como objetivo alterar os padrões de comportamento desadequados, que contribuam para a persistência da EN. Deve ser considerada o tratamento de primeira linha, já que os tratamentos alternativos podem ser mais exigentes e/ou acarretar mais efeitos adversos [28].

O tratamento deve iniciar-se com o estabelecimento de medidas de motivação, de reeducação vesical, de controlo da ingestão de líquidos e de alteração dos hábitos alimentares. Os pais devem encorajar e recompensar as “noites secas” do filho, ao invés de o punir pelos episódios de EN. Deve ser proposto o uso de um calendário de registo das “noites secas” e “noites molhadas”. É também importante incentivar o aumento da ingestão hídrica durante o dia e a redução dos líquidos nas 3 horas antes do deitar (40% dos líquidos ingeridos até às 12 horas, 40% até às 17 horas e 20% a partir daí). As medidas de reeducação vesical, como adiar a micção durante o dia, a micção a dois tempos, a micção antes de deitar e o esvaziamento vesical completo são também úteis. As bebidas como a cafeína, chá e Coca- Cola devem ser desaconselhadas. Por vezes, a resolução da obstipação e/ou encoprese, quando coexistentes, pode ser suficiente para solucionar a EN [10, 17].

O alarme consiste num dispositivo que se fixa ao pijama e que emite um alarme sonoro aquando da micção. O objetivo é alertar e sensibilizar o utilizador a responder, prontamente, à sensação de bexiga cheia durante o sono. Desta forma é possível transformar o reflexo da micção em reflexo de inibição da micção, ao mesmo tempo que o doente é estimulado a acordar para urinar no local apropriado [29]. A duração do tratamento deve ser, no mínimo, de 3 meses e deve manter-se até, pelo menos, 3 semanas de noites completamente secas [17]. De acordo com a literatura, as taxas de sucesso, com este método, variam de cerca dos 30% aos 90% e são influenciadas pelo tipo de EN, idade, duração do tratamento e critérios de sucesso adotados. As taxas de recaída variam entre cerca de 5% e 45%. De entre um subconjunto homogéneo de 20 estudos em crianças encontrou-se uma taxa de sucesso de 65% e 42% de taxa de recaída [30]. Este método parece ser particularmente útil quando o volume urinário noturno não é muito elevado e a capacidade vesical é baixa, permitindo manter ou aumentar a capacidade vesical funcional [10]. Alguns estudos sugerem que o alarme oferece melhores resultados que o tratamento farmacológico usando a Desmopressina e os Antidepressivos Tricíclicos, tanto no final do tratamento como depois da sua retirada [31].

Documentos relacionados