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3.2.1. Análise de fitólitos

Os fitólitos (silicofitólitos ou opala fitobiogênica) são partículas de sílica amorfa que se acumulam no entorno ou dentro das células dos tecidos vegetais, geralmente com dimensões variando da fração areia muito fina, de 0,05 a 0,10 mm, e silte, entre 0,002 e 0,05 mm (ROVNER, 1971; THORN, 2004). Resultam de um processo de biomineralização com controle biológico, ou seja, por mediação da matriz orgânica. As plantas constroem uma estrutura ou molde onde se introduzem os íons e ali são precipitados e cristalizados (PIPERNO, 2006).

A sílica é absorvida do solo através do sistema radicular das plantas, primeiro na forma de ácido monosilícico (H4SiO4), polimerizando-se seguidamente no vegetal para gel e finalmente em fitólitos (ESPTEIN, 1994). Dois mecanismos são conhecidos no processo de absorção do ácido monosilícico pelas plantas: o transporte ativo, no qual o H4SiO4 é absorvido por processos metabólicos controlados pela planta, com a raiz tendo o papel de bomba ativa de reconhecimento de sílica, e o transporte passivo, no qual a raiz absorve não somente o H4SiO4 juntamente com a água, mas como outros elementos presentes em solução (PIPERNO, 2006).

Uma vez que o ácido monosilícico entra nos tecidos das plantas, ocorre o processo de polimerização e formação de depósitos de dióxido de sílica (SiO2), sendo comum três focos de deposição da sílica nos tecidos vegetais: (1) na parede celular das células vegetais com a silicificação da membrana, (2) através de preenchimentos do lúmen das células, e (3) nos espaços intracelulares do córtex (PIPERNO, 1988).

O grau de desenvolvimento dos fitólitos nas plantas depende de vários fatores. Variáveis como o clima, o meio ambiente onde a planta cresce e se desenvolve, a natureza e a disponibilidade de água no solo, bem como características específicas das plantas como idade e afinidade taxonômica devem ser levadas em consideração (PIPERNO, 2006). Dessa forma, a produção de fitólitos nos tecidos das plantas é influenciada principalmente por fatores genéticos e ambientais.

A produção dos fitólitos foi desenvolvida pelas plantas como estratégia evolutiva, assumindo função estrutural, fisiológica e de proteção. As funções estruturais estão relacionadas ao aumento da rigidez dos tecidos vegetais, maximizando a interceptação da energia solar e a produção de energia. Já as funções fisiológicas referem-se à interação da sílica em processos envolvidos no crescimento da planta, como a capacidade do SiO2 em neutralizar cátions e ânions nocivos, como o alumínio. E por fim, as funções de proteção envolvem o aumento da resistência das plantas a herbívoros e fungos patogênicos, sendo considerada a principal função dos fitólitos (PIPERNO, 2006).

Em geral, os fitólitos ocorrem em todos os tipos de plantas e seus diferentes órgãos e estruturas, desde raízes a troncos e inflorescências (PIPERNO, 2006). A produção de fitólitos, no entanto, é múltipla e redundante. Uma mesma planta pode produzir diferentes morfotipos (multiplicidade), e o mesmo morfotipo pode ser produzido em diferentes tecidos da planta e por diferentes plantas (redundância), que podem ou não ter afinidade taxonômica (COE, 2009).

As principais plantas produtoras de fitólitos são as Poaceae (TWISS et al., 1969). No entanto, outras famílias de monocotiledôneas (e.g. Arecaceae, Bromeliaceae, Cyperaceae, Musaceae), dicotiledôneas (e.g. Acanthaceae, Bignoniaceae, Euphorbiaceae, Cucurbitaceae, Moraceae) e pteridófitas, como Cyatheaceae e Selaginellaceae, são produtoras e acumuladoras de sílica (RUNGE, 1999; PIPERNO, 2006). Espécies vegetais de interesse arqueológico como arroz (Oryza sp.), milho (Zea mays), banana (Musa sp.) abóbora (Cucurbita sp.), feijão (Phaseolus vulgaris) e cabaça (Lagenaria sp.) também são produtoras de fitólitos, sendo de extrema importância em estudos pré-históricos (PIPERNO, 1985; BOZARTH, 1987; PIPERNO, 1991; BALL, 2006).

Uma vez que alguns morfotipos fitolíticos são específicos de determinadas famílias, quando preservados em solos e/ou sedimentos, podem ser identificadas as plantas que os produziram (CALEGARI, 2008). Dessa forma, o conjunto de fitólitos, ou assembléia fitolítica, permite caracterizar uma formação vegetal, representando um importante conjunto de dados para estudos que visam à reconstrução paleoambiental.

Os fitólitos encontram-se frequentemente dispersos nos sedimentos, aos quais são liberados das plantas após sua decomposição. Estas partículas apresentam alta durabilidade ao longo do tempo, e desta forma, podem fornecer dados paleoambientais, tais como a densidade da cobertura arbórea que ocupava determinada região, possível distinção entre gramíneas C3 e C4, além de verificar ações humanas pretéritas, como práticas agrícolas e domesticação de vegetais (PIPERNO; PEARSALL, 1998; LU; LIU, 2003).

3.2.2. Análise de fitólitos no Quaternário do Brasil

Nas últimas décadas, diversos estudos referentes às mudanças da vegetação e clima pretéritos vêm sendo desenvolvidos com base nas assembléias fitolíticas recuperadas a partir de solos e sedimentos. No entanto, se restringem em sua maioria ao Hemisfério Norte (FREDLUND; TIESZEN, 1994, 1997a; 1997b; KELLY, 1998; CARTER; LIAN, 2000; HORROCKS et al., 2000; BLINNIKOV et al., 2002; STRÖMBERG et al., 2007) e ao continente Africano (ALEXANDRE et al., 1997; BARBONI et al., 1999; 2007; SCOTT, 2002).

Na América Central e no continente sul-americano, as análises fitolíticas referem-se principalmente no que tange a estudos sobre a origem da agricultura e a domesticação de espécies vegetais (PIPERNO et al., 1985; PIPERNO, 1985; PIPERNO, 1990; PIPERNO, 1991; PEARSALL et al., 2003; PIPERNO; JONES, 2003; PIPERNO; STOTHERT, 2003; TAPIA et al., 2003; LANE et al., 2004; TROMBOLD; ISRADE-ALCANTARA, 2005).

No Brasil, os primeiros trabalhos relacionados aos fitólitos foram de caráter morfológico referente às espécies de gramíneas do bioma Cerrado (SENDULSKY; LABOURIAU, 1966; CAMPOS; LABOURIAU, 1969; SILVA; LABOURIAU, 1970; SÖNDAHL; LABOURIAU, 1970). No entanto, somente nas últimas duas décadas foram registrados estudos de reconstituição paleoambiental durante o Quaternário do Brasil que utilizam os fitólitos como bioindicadores (ALEXANDRE et al., 1999; BORBA-ROSCHEL et al., 2006; CALEGARI, 2008; COE, 2009; CALEGARI et al., 2013; COE et al., 2013;

COE et al., 2014). Embora os fitólitos sejam importantes indicadores paleoambientais, as publicações sobre esse bioindicador no Brasil são ainda escassas e com dados incipientes, fazendo-se necessários novos estudos.

Mudanças na vegetação e no clima durante o Holoceno Tardio foram registradas por Alexandre et al. (1999), com base na análise de fitólitos e isótopos de carbono em latossolos de Salitre (MG). Entre 6.630 ± 60 anos AP e 5.840 ± 50 anos AP, foi verificado uma vegetação dominada por gramíneas C4, com baixa densidade de elementos arbóreos e arbustivos, provavelmente devido ao clima quente e seco, já descrito para a região em trabalhos prévios. As condições de maior umidade, com o desenvolvimento de árvores e arbustos, sugerindo a mudança de campo para Cerrado, foram observadas no intervalo entre 3.360 ± 90 anos AP e 600 ± 40 anos AP. Segundo os autores, um episódio de seca ocorreu entre este período, semelhante e/ou comparável ao “Período Quente Medieval” descrito para Patagônia e Califórnia. Após cerca de 600 anos AP, houve o retorno de condições favoráveis ao crescimento da vegetação, com aumento de elementos arbóreos e arbustivos, e menos plantas C4, indicando uma vegetação de floresta e Cerrado.

A assembléia fitolítica de um testemunho sedimentar de turfeira, datado na base em 27.500 ± 900 anos AP, foi estudado por Borba-Roschel et al. (2006) em Uberaba (MG). Os autores verificaram o predomínio dos morfotipos fitolíticos Bulliform e Elongate, que são característicos de gramíneas, mas que não permitem à identificação de subfamílias e consequentemente a distinção entre plantas C3 e C4. Os fitólitos apresentaram-se corroídos na base do testemunho, enquanto que em direção ao topo, foram registradas pequenas quantidades dos morfotipos Globular echinate, cuja origem se refere às plantas da família Arecaceae, e Globular granulate, típicos de dicotiledôneas, corroborando com a presença das palmeiras Mauritia flexuosa (Arecaceae) e de espécies da vegetação atual de Cerrado na área de estudo. No entanto, não foram apresentados dados paleoclimáticos e da paleovegetação.

As análises dos resultados isotópicos e fitolíticos de um perfil de solo em Guarapuava (PR) sugeriram mudanças na vegetação associadas às variações climáticas durante o Holoceno. A assembléia fitolítica, composta principalmente por morfotipos de Panicoideae e Cloridoideae, e os valores empobrecidos de δ13C, caracterizaram uma vegetação composta por plantas C3, associada a um clima mais quente e úmido que o atual. No Holoceno Médio, a vegetação apresentou maior contribuição de plantas C4 (Poaceae), com redução de fitólitos de dicotiledôneas e de Araucariaceae, caracterizando uma vegetação aberta e condições climáticas de menor umidade. O empobrecimento isotópico e o predomínio de plantas C3 marcou a expansão da Floresta Tropical com elementos de Floresta Subtropical Mista

(Araucária) durante o Holoceno Superior, com clima úmido semelhante ao atual (CALEGARI, 2008).

Em Salinas (MG), Calegari (2008) verificou que durante o Holoceno Inferior e Médio a vegetação na região era composta por plantas C3 e C4, com vegetação semelhante ao Cerrado associada ao clima mais seco que o atual. Os valores empobrecidos de δ13C e o predomínio de fitólitos de dicotiledôneas indicaram o aumento da densidade arbórea na região a partir do Holoceno Superior. A vegetação tornou-se semelhante ao Cerrado Sensu stricto em condições de maior umidade.

Em um perfil de Latossolo húmico na região de Machado (MG), Calegari et al. (2013) estudaram a dinâmica da vegetação e as mudanças climáticas durante o Holoceno com base na análise de fitólitos e δ13C da matéria orgânica. Os autores inferiram que durante o intervalo de tempo entre 12.131 ± 428 anos AP e 6.103 ± 113 anos AP, a vegetação da região era composta por uma savana aberta com a ocorrência também de algumas plantas C3, o que sugere um clima mais seco que o atual. Por volta de 6.000 anos AP a umidade aumentou na região, o que constata a presença de morfotipos de fitólitos de araucárias (Crater-shaped) e palmeiras (Globular echinate) juntamente com fitólitos de gramíneas. No horizonte do solo referente à vegetação moderna foi observado um ecótono entre a Floresta Tropical Subperenifólia e o Cerrado, com a presença de fragmentos de carvão (180 ± 36 anos AP), além de fitólitos carbonizados, indicando incêndios na região.

Na região de Búzio (RJ) e Cabo Frio (RJ), a análise de fitólitos de três perfis de solos mostrou pequenas mudanças na densidade da cobertura arbórea desde o final do Pleistoceno. No intervalo entre 13.000 anos cal AP e 6.000 anos cal AP, houve um aumento da cobertura arbórea, fato evidenciado pelo alto índice D/P (razão entre fitólitos de dicotiledôneas e gramíneas) e valores empobrecidos de δ13C. De 6.000 anos cal AP a 1.500 anos cal AP, a tendência registrada foi da diminuição da densidade arbórea, com baixos valores de D/P e enriquecimento do δ13C, o que caracteriza a abertura da vegetação existente na região. A partir de 1.500 anos cal AP o sinal fitolítico não registrou variações ambientais. A vegetação da área de estudo desde o final do Pleistoceno foi semelhante e/ou comparável a Floresta Xeromórfica existente atualmente na região (COE, 2009; COE et al., 2013).

Coe et al. (2014) analisaram as assembléias fitolíticas em perfis de solos da bacia do rio São João (RJ), e verificaram o aumento na representatividade de fitólitos de dicotiledôneas e uma diminuição nos fitólitos do tipo Bulliform até pelo menos 6.000 anos cal AP, o que reflete uma vegetação densa e condições climáticas de maior umidade.

A partir de 3.000 anos cal AP a vegetação era aberta, com poucas árvores e aumento de gramíneas C4, sugerindo que as condições climáticas eram mais secas na região do que no Holoceno Inferior e Médio.

Neste estudo, os fitólitos foram utilizados com o intuito de ajudar na reconstrução da história das paisagens no litoral norte do estado do Espírito Santo (ES), e também relacionar os dados obtidos a partir das assembléias fitolíticas com os resultados descritos em trabalhos prévios na região, nos quais dados isotópicos, polínicos e de demais bioindicadores foram utilizados para inferir mudanças climáticas e no nível relativo marinho.