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4.2 S UGESTÃO DE ALTERNATIVAS PARA APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA AO BEM DE USO

3.2.2 Fixação de valor monetário

Valorosa a sugestão de José Baltazar Junior para eventual mensuração de valores para se estabelecer um quantum de forma a limitar a incidência do crime de bagatela especificamente ao contrabando

Embora a mercadoria não seja efetivamente tributável, por ser proibida, é determinado o valor do tributo que seria devido caso a mercadoria fosse lícita e tivessem sido seguidas as formalidades legais, apenas para fins de determinar a possibilidade de reconhecimento do princípio da insignificância. (BALTAZAR JUNIOR, 2017, p. 386)

Todavia, como os regulamentos aduaneiros abrangem bens de distintas naturezas e preços, o valor do tributo seria inegavelmente diferente para cada item, com prejuízo ao princípio da isonomia diante das distorções sobre fato idêntico.

A função primeira do Direito Tributário é eminentemente fiscal, ou seja, arrecadar pecúnia através da criação de tributos para custear a Administração Pública, seus serviços e investimentos. Dessa forma, são instituídos impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios com a finalidade de fazer valer a atuação estatal.

Com efeito, a conduta do crime de contrabando, de importar produto proibido oriundo do exterior, em tese, provocaria a incidência do imposto de importação.

Conforme o art. 19 do Código Tributário Nacional, “O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional.”

Entretanto, o Decreto-Lei nº 37, de 1996, regulamentador das hipóteses de incidência do supracitado imposto, em seu artigo 1º, §4º, inciso III, faz uma ressalva quanto aos bens submetidos a perdimento. Uma vez subordinado ao perdimento, veda-se a cobrança do tributo sobre o bem importado.

Noutro giro, sobre a base de cálculo (unidade de medida adotada pela lei) e alíquota, percentual aplicável sobre o bem, esclarece Hugo de Brito Machado

Existem duas espécies de alíquota no imposto de importação. Uma é a chamada alíquota específica, que é expressa por uma quantia determinada, em função da unidade de quantificação dos bens importados. Assim diz-se que o imposto corresponderá a tantos reais por cada metro, ou quilo, ou outra unidade de medida do produto. A outra é a ad valorem, indicada em porcentagem a ser calculada sobre o valor do bem. (MACHADO, 2016, p. 311)

Geralmente considera-se como base de cálculo o valor estipulado na fatura comercial, à guisa de não se estabelecer um numerário fixo para aplicação do princípio da insignificância no contrabando de bem de uso próprio, sem um

critério seguro, deixando o julgador à mercê de arbitrariedades e apto a gerar injustiças.

Apesar de árdua a tarefa de se quantificar um montante justo, se faz razoável a justificativa de um critério monetário, seja sob o ponto de vista prático – extenso volume de ações criminais envolvendo o delito de contrabando –, ou da segurança jurídica, conferindo tratamento assemelhado a réus sob mesmas condições objetivas e subjetivas, além do mesmo patamar de afetação ao bem jurídico (desvalor do resultado).

Destarte, a Portaria nº 440 de 2010 do Ministério da Fazenda estabelece o seguinte valor em forma de isenção de tributos para bens adquiridos no exterior e incluídos em bagagem particular

Art. 7º O viajante procedente do exterior poderá trazer em sua bagagem acompanhada, com a isenção dos tributos a que se refere o art. 6º:

[...]

III - outros bens, observado o disposto nos §§ 1º a 5º, e os limites de valor global de:

a) US$ 500,00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, quando o viajante ingressar no País por via aérea ou marítima; e

b) US$ 300,00 (trezentos dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, quando o viajante ingressar no País por via terrestre, fluvial ou lacustre.

Portanto, o montante descrito, inexpressivo ao Fisco, é alternativa viável e a opção de quantificação que melhor atende ao postulado constitucional da isonomia formal previsto no art. 5º, caput, da CRFB/1988.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desde trabalho consistiu na análise da viabilidade de aplicação do crime de bagatela ou princípio da insignificância no contrabando de produto para uso pessoal, sejam cigarros, medicamentos, pneus ou outros.

Esse cenário se mostra favorável justamente pela própria leitura do artigo 334-a do CP em concomitância aos princípios da intervenção mínima, proporcionalidade, legalidade e fragmentariedade, bem como pelo entendimento dos tribunais empregando a insignificância sobre a conduta de importar artigos em pequena quantidade para uso próprio exatamente pela falta de lesão aos bens jurídicos tutelados.

Em decorrência do volume dilatado de transações comerciais que têm como objeto material bens contrabandeados, o legislador, por sua opção, desfavorece, nos termos do tipo penal do contrabando, a atividade comercial desses bens nos setores industrial, nos grandes centros de consumo e inclusive se praticada em residências, o que comprova a vontade estatal de coibir sua mercancia vertiginosa.

Destarte, uma vez inscritas as condutas na lei como contrabando, deve haver sua correspondente repressão. No entanto, como o ato de introduzir itens proibidos no brasil para uso exclusivo não atinge os bens jurídicos tutelados pelo direito penal, não compete a este interceder pela proteção dos interesses estatais.

Tampouco seria razoável aplicar pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos para essas pessoas, em evidente desacato ao princípio da proporcionalidade, já que a lei penal só deve recair sobre ações potencial ou efetivamente lesivas às predileções da sociedade e seus valores, defendidos pelo estado.

Na prática, apreensões, processos e prisões dos compradores de artefatos proibidos no estrangeiro para gozo único não irão afetar sobremaneira a rede de contrabando, pois não implicam em contenção do contrabando de massa, capaz de suscitar exponenciais lesões aos bens jurídicos.

Outrossim, apesar de não propagarem a utilização desses produtos, sua persecução não dificulta a facilidade de cooptação de novos membros, notadamente em tempos de crise econômica, tornando inevitável a busca por fontes de rendas alternativas informais ou ilegais, criando elos de organizações criminosas atuantes nesse âmbito, outro formato de crime rejeitado e combatido pela lei penal.

Faz-se necessária e bastante, para o comportamento de importar item vetado pelas normas técnicas, como reivindica a lei penal, a pena de perdimento do bem, desarrazoada qualquer pretensão punitiva causadora de mais restrições aos direitos individuais.

Nesse sentido, como tal conduta revela-se tão somente uma afronta ao tesouro público, vislumbrou-se a conveniência de um valor a ser fixado, de forma que a própria administração pública lhe confere isenção, a partir de produtos trazidos em bagagem particular.

Portanto, considera-se possível, desde que respeitados os requisitos do STF, a sanção alternativa de perdimento dos bens e a quantia monetária discutida, a aplicação do princípio da insignificância ao contrabando de bem para consumo exclusivo.

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