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POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE CONTRABANDO NA HIPÓTESE DE IMPORTAÇÃO DE BEM DE USO PESSOAL

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

GABRIEL SANTANA RODRIGUES

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE CONTRABANDO NA HIPÓTESE DE IMPORTAÇÃO DE BEM DE USO PESSOAL

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GABRIEL SANTANA RODRIGUES

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE CONTRABANDO NA HIPÓTESE DE IMPORTAÇÃO DE BEM DE USO PESSOAL

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Orientador: Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral

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GABRIEL SANTANA RODRIGUES

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE CONTRABANDO NA HIPÓTESE DE IMPORTAÇÃO DE BEM DE USO PESSOAL

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Orientador: Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral

Aprovada em: ___/___/_____.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________ Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________ Prof. Dr. Daniel Maia

Universidade Federal do Ceará (UFC)

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AGRADECIMENTOS

Ao Senhor, por me fazer trilhar bons caminhos e me servir de suporte nos momentos mais difíceis e turbulentos de minha vida.

Aos meus pais, Adriana e Jaime, e minha irmã Sofia, por todo o carinho e confiança depositada no meu potencial. Aos meus demais familiares, em nome da minha querida avó Maura, pela contribuição de todos para o desenvolvimento do meu caráter. De nada adiantaria todo o esforço sem vocês.

À minha namorada, Dara, pela paciência e companheirismo.

Ao querido professor Gustavo Machado, pela primorosa orientação, e aos membros da banca examinadora, professor Daniel Maia e Victor Alves Magalhães, todos que prontamente atenderam ao meu convite e tiveram de usar do seu precioso tempo para se debruçarem sobre minhas exposições.

Aos amigos de Icó, Bruno, Lucas, Paulo Victor, Raul e ao povo icoense. Nessa cidade fiz bons e eternos amigos, bem como aprendi a enxergar os valores do povo sofrido e batalhador do sertão. Uma nova visão de vida foi capaz de me transformar em um novo homem.

Aos amigos de Iguatu, Lucas Nogueira, Luis José e Dudu Vieira, às boas histórias durante os recessos universitários e outras muitas conversas sobre política e nossas trajetórias profissionais futuras.

Aos colegas de turma, sobretudo aos meus irmãos da Diretoria, Francisco, Daniel, Matheus, Newton, Abraão e Carlos. Os debates acalorados sobre questões do Direito, análises de provas e momentos de reunião etílica certamente nos fizeram crescer. Ficarão guardados em minha memória e meu coração.

Aos meus chefes do Ministério Público do Estado do Ceará, promotores Alice Iracema Aragão, Oscar Fioravanti e Rafael de Paula Pessoa, por todas as lições durante o tempo em que ali estagiei, e por fazerem despertar em mim o fascínio pelo Direito Penal e pela carreira. Aos senhores, meu respeito e consideração.

Aos nobres amigos Rebeca, André, Levy, Yuri, Tadeu, Raul, Rosa e Alessandra. Os laços criados durante os tempos de Ministério Público fizeram do ambiente de trabalho uma segunda casa.

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RESUMO

A finalidade deste trabalho consiste em analisar a aplicação do princípio da insignificância ao contrabando, especialmente na conduta de importação de bens proibidos para uso próprio, feita excepcionalmente pelo Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais. O principal objetivo é estudar a possibilidade da incidência desse princípio quanto à supracitada ação. A metodologia consistiu na análise bibliográfica, legislativa e jurisprudencial acerca do contrabando e sua relação ao crime de bagatela. Para tanto, busca-se estudar, em primeiro, o crime de contrabando e sua contextualização histórica, como mecanismo aceito em parte pela Coroa portuguesa, as principais e atuais problemáticas enfrentadas pela União para reprimir o delito e suas modernas repercussões a partir de diferentes perfis inseridos neste crime, com a diferenciação entre os contrabandistas habituais e o mero importador. Em diante, examina-se o princípio da Insignificância, sua origem, sua localização na teoria do crime, sua correlação aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal e aos princípios da legalidade, intervenção mínima, fragmentariedade e proporcionalidade. Após, busca-se demonstrar o cabimento do crime de bagatela na importação de produto irregular para fins pessoais, tendo em vista os requisitos reclamados pelo Supremo Tribunal Federal para tanto e precedentes do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais, e ao fim são sugeridos novos parâmetros com a finalidade de não haver criminalização injusta de adquirentes de bem proibido no exterior com o intuito de introduzi-los no Brasil.

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ABSTRACT

The purpose of this work is to analyze the application of insignificance principle to smuggling, especially in the conduct of importation of prohibited goods for own use, exceptionally made by the Superior Court of Justice and Federal Regional Courts. The main objective is to study that the incidence of this principle could become the rule regarding the mentioned action. The methodology consisted in the bibliographical, legislative and jurisprudential analysis on smuggling and its relation to trifle crime. To do so, it seeks to study, at first, the smuggling crime and its historical contextualization, as a mechanism accepted in part by the Portuguese Crown, also the main and current problems faced by the Federal Government to repress the crime and finally its modern repercussions from different profiles inserted on this crime, exposing the distinctions between the usual smugglers and the mere importer. Later, the insignificance principle, its origins, location in crime theory, correlation with legal rights protected by criminal law, and the principles of legality, minimal intervention, fragmentation and proportionality are examined. Afterwards, it is tried to demonstrate the fit of trifle crime on the conduct of importation of irregular products for personal aim, considering the requirements demanded by the Federal Supreme Court for that purpose. In the end, it is suggested new parameters in order to avoid unfair criminalization of purchasers of well-prohibited abroad.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AgRg no HC Agravo Regimental no Habeas Corpus AREsp Agravo em Recurso Especial

AgRg no AREsp Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial AgRg no REsp Agravo Regimental no Recurso Especial

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

CP Código Penal

HC Habeas Corpus

MPF Ministério Público Federal REsp Recurso Especial

RFB Receita Federal do Brasil

STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 O CRIME DE CONTRABANDO ... 13

2.1CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ... 13

2.2AS VÁRIAS FACES DO CONTRABANDO ... 16

3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ... 22

3.1APRIMORDIAL FUNÇÃO DO DIREITO PENAL ... 23

3.2O BEM JURÍDICO PENAL ... 24

3.3A INSIGNIFICÂNCIA E A TIPICIDADE... 26

3.4PRINCÍPIOS CORRELATOS À INSIGNIFICÂNCIA ... 28

3.4.1 Intervenção Mínima ... 28

3.4.2 Lesividade ou Ofensividade ... 30

3.4.3 Legalidade... 30

3.4.4 Proporcionalidade ... 31

4 POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CONTRABANDO ... 33

4.1APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA QUANTO AOS BENS DE USO PESSOAL ... 33

4.2SUGESTÃO DE ALTERNATIVAS PARA APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA AO BEM DE USO PESSOAL ORIUNDO DO CONTRABANDO ... 40

4.2.1 Sanção administrativa de perdimento do bem ... 40

3.2.2 Fixação de valor monetário ... 43

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 46

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo consistirá em três partes, traduzidas sob a perspectiva do contrabando e seus atuais contornos, o Princípio da Insignificância e sua aplicação àquele crime, traçando como paralelo as condutas merecedoras de sanção penal e as que dispensam tratamento mais severo, afastando a responsabilização criminal.

A infração de contrabando está disposta no artigo 334-A do Código Penal, tipificando penalmente os atos de importar ou exportar mercadoria proibida, bem como praticar fato assimilado a contrabando em lei especial, importar ou exportar clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização do órgão público competente, reinserir em território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação, e vender, expor a venda, manter em depósito, adquirir, receber ou ocultar, ou utilizar de qualquer forma, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.

Diversos tipos de produto são censurados por normas técnicas, pelo desacordo ao padrão exigido pelas agências reguladoras e órgãos fiscalizadores, como o cigarro, medicamentos, armas de pressão (armamento de chumbo), gasolina, entre outros. Nos termos do referido artigo, a importação desses bens é considerada ilegal, por tratar-se de bem de proibição relativa. Em outros casos, como o de armas e drogas, a vedação é total.

A conceituação de um fato como crime considera estilos de vida aos quais se deseja punir, fixando, precisamente, o fato típico, porém se mostra uma tarefa defeituosa quando demonstra-se difícil declinar o espectro de atos humanos em modelos fixos.

Frise-se, nem toda importação irregular equivalerá ao choque contra o Direito Penal, ensejando sua intercessão. A ação de importar um bem proibido para consumo próprio, sem afetar terceiros, deveria estar excluída da apreciação criminal, pelo motivo de ausência de danos aos bens jurídicos tutelados pela seara penal.

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Assim, primeiro capítulo será dedicado ao crime de contrabando e sua contextualização histórica, além dos principais reveses enfrentados pela União para reprimir o delito, e suas modernas repercussões a partir de diferentes perfis insertos.

No segundo capítulo, examina-se o princípio da Insignificância, sua origem, sua localização na teoria do crime, sua correlação aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal e aos demais princípios norteadores de sua incidência.

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2 O CRIME DE CONTRABANDO

2.1 Contextualização histórica

No período do Brasil Colonial, por volta do século XVIII, a partir da descoberta de jazidas minerais e pedras preciosas na capitania de Minas Gerais, a colônia experimentou um crescimento econômico ímpar, devido à larga produção de ouro e diamante. No entanto, uma prática corriqueira prejudicava o enriquecimento dos cofres portugueses: o contrabando.

Com a chancela, representativa do aval oficial para comercialização e circulação sobre essas especiarias, exigia-se determinado valor, na época denominado “Quinto”. Amplas fraudes ocorriam sobre o tributo, possibilitando um contrabando de proporções consideráveis, na qual boa parte da produção do ouro escapava da inspeção oficial.

Para fugir da voracidade do fisco português, ouro e diamante foram escondidos e contrabandeados em larga escala, apesar vigilância do poder colonial nas vilas, lavras e estradas. Evitar o contrabando das pedras e metais preciosos e sua exploração clandestina, chamada de garimpo, era uma tarefa difícil de realizar.

Por meio edição do Alvará de 14 de Novembro de 1757, firmou-se formalmente a categoria dos contrabandistas como rival da Coroa Portuguesa. O contrabando agora considerava-se descrito um crime horrendo, de atrozes consequências, cujas vítimas eram o tesouro real, a sociedade e o andamento do comércio honesto.

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No dizer de Daniela Levy (2011, p. 03), apesar da prática do contrabando estar arraigada no sistema econômico português colonial, a condenação moral do contrabandista era rara, apesar da legislação portuguesa classificá-lo como pernicioso, pois roubava as riquezas do rei, fraudava os bens do povo e prejudicava o andamento do comércio em conformidade à lei.

Ao mesmo tempo em que o contrabandista era um inimigo da Pátria, seu comportamento era parcialmente tolerado, com vistas a vantagens econômicas e políticas advindas, notadamente, do comércio ilegal com os territórios fronteiriços – a América espanhola.

A Administração Pública, consciente da prática corriqueira, selecionava as pessoas mais poderosas e bem relacionadas para que não fossem alcançados por sanções penais, desde que atendessem os seus interesses econômicos e políticos.

Portanto, o contrabando, àquele tempo, associava-se a ilícito contra a ordem tributária, tratando apenas da ilegalidade pelo não pagamento do imposto.

Em seguida, os Códigos Criminal de 1830 e Penal de 1890 tipificaram o contrabando e o elencaram nos títulos “dos crimes contra o tesouro público” e “crimes contra a Fazenda Pública”, respectivamente:

Art. 177. Importar, ou exportar generos, ou mercadorias prohibidas; ou não pagar os direitos dos que são permittidos, na sua importação, ou exportação. Penas - perda das mercadorias ou generos, e de multa igual á metade do valor deles

Art. 265. Importar ou exportar, generos ou mercadorias prohibidas; evitar no todo ou em parte o pagamento dos direitos e impostos estabelecidos sobre a entrada, sahida e consumo de mercadorias e por qualquer modo illudir ou defraudar esse pagamento:

Pena - de prisão cellular por um a quatro annos, além das fiscaes.

Representava, pelo menos quanto ao seu aspecto formal, como uma afronta ao erário.

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As relações socioeconômicas e jurídicas, com a fácil circulação de dinheiro, ascendem a um estágio jamais visto. Com a adoção de novas tecnologias - telecomunicações, sistemas modernos de transporte, facilitação nas transações bancárias e comerciais, avanços e descobertas nas diferentes searas do conhecimento -, aproximam-se as pessoas, inferindo em maior miscigenação cultural e ideológica.

Ao mesmo tempo, cria-se um arcabouço de possibilidades para a superveniência de novas práticas criminosas. Em contrapartida, não há alternativas ao Estado senão criminalizar muitos comportamentos face à proteção de seu povo, território, interesses e patrimônio, legislando demasiadamente no âmbito penal para fortalecer os ideais da nação. Nasce, no contexto abordado, o crime de contrabando.

Não obstante, por muitas vezes cuidam os órgãos legiferantes pátrios em elevar bastante a carga tributário, tornando todo o sistema complexo, injusto e oneroso, tanto para o Estado, como para as pessoas físicas e jurídicas, que precisam estar atentas para as complicações existentes no emaranhado de impostos, taxas e contribuições.

O excessivo encargo tributário aplicado no país torna dúbio o argumento de haver uma maior arrecadação para o Estado, pois acarreta não só ausência de recolhimento fiscal, bem como prejudica o setor industrial, impactado por verdadeira concorrência desleal, e a sociedade com a fraude ao Tesouro, diminuindo desta forma a qualidade de vida das pessoas e freando o crescimento econômico do país.

Somam-se às questões fiscais os fatores de consumo. Por encontrar produtos mais baratos e mesmo com qualidade inferior ou similar aos produtos produzidos no Brasil, os consumidores acabam por adquirir bens em desacordo com os normativos aduaneiros, fazendo despontar a figura do contrabandista.

Como outra principais problemáticas enfrentadas no cotidiano pelo Brasil quanto à essa atividade, merecedoras de ênfase as questões das fronteiras e pouco aparelhamento para apoio e controle aduaneiro nas zonas alfandegárias.

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policiamento destes longínquos rincões, são desbaratados e rapidamente substituídos por outros.

Em segundo, a carência dos órgãos responsáveis em levar adiante a fiscalização de mercadorias importadas ou exportadas se traduz na míngua de recursos tanto humanos quanto materiais para o exercício cotidiano desta tarefa sobremaneira complexa e exigente. Assim, o pífio aparato fiscalizador dá azo à entrada de entorpecentes, armamentos, imigrantes e objetos materiais de contrabando em território nacional:

Gráfico 1 – Comparativo do número de funcionários atuantes em Zonas de Aduana

Fonte: Sindicato dos Analistas Tributários da Receita Federal

Por tais razões, situam-se as atividades ilícitas relacionadas ao contrabando concentradas nas fronteiras com Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia, onde é comum o contrabando de armas juntamente com mercadorias ilegais e produtos falsificados.

2.2 As várias faces do contrabando

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Entretanto, o primeiro fragmento do artigo traçava o crime de contrabando, consistente em importar ou exportar mercadorias ou gêneros cuja entrada no ou saída do país é proibida, enquanto na segunda parte do mencionado artigo a delimitação criminosa traduzia o descaminho, consistente em fraudar o Erário evitando total ou parcialmente o recolhimento de tributos previstos pela entrada, saída ou consumo de mercadorias, pagáveis na alfândega.

Coube à Lei nº 13.008/2014 cindir o aludido artigo 334, mantendo nele a conduta típica do descaminho, enquanto abordou-se o contrabando no artigo 334-A do Código Penal, à custa dos distintos interesses da atividade estatal, por isso procurou coibir tais atos com penalidades menos brandas, com reclusão de 02 a 05 anos, enquanto naquele o preceito secundário conservou a pena de reclusão de 01 a 04 anos.

No descaminho, cuida-se de rechaçar conduta atentatória ao erário pela evasão do pagamento dos tributos devidos quando da entrada de mercadoria estrangeira lícita. Já no contrabando, evidente o zelo tanto com o pecuniário, mas também de outros interesses estatais, a par da preservação da indústria nacional, saúde pública, segurança, etc.

Eis a redação do recente artigo 334-A

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem:

I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;

II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;

III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;

IV- vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;

V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. § 2º- Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3oA pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

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A figura do contrabandista conduz a múltiplas significações: do agente subversivo cujos atos causam prejuízo ao Estado e aos bons trabalhadores, ao grande criminoso mantenedor de paralelas e ilegais redes de comércio, e por isso alçado ao patamar de autoridade clandestina, até o simples comprador que traz bens para consumo próprio.

Parafraseia Cesare Beccaria

O contrabando é um delito gerado pelas próprias leis, porque quanto mais se aumentam os direitos, tanto maior é a vantagem do contrabando; a tentação de exercê-lo é também tão forte quanto mais fácil é cometer essa espécie de delito, sobretudo se os objetos proibidos são de pequeno volume e se são interditos numa tão grande circunferência de território que a extensão deste torne difícil guardá-lo. O confisco das mercadorias proibidas, e mesmo de tudo o que se acha apreendido como objeto de contrabando, é uma pena justíssima. Para torná-lo mais eficaz, seria preciso que os direitos fossem pouco consideráveis; pois os homens só se arriscam na proporção do lucro que o êxito possa proporcionar-lhes (BECCARIA, 2011, p. 94)

Destarte, há três principais perfis subsumidos no tipo penal do contrabando. Tratam-se do contrabandista de vulto, o “sacoleiro” e o importador de produto de uso pessoal. Os dois primeiros situam-se no limiar entre crime, assim compreendido pelo Estado, e uma forma paralela de comércio integrado à organização social e econômica, merecendo por isso significativo combate, enquanto o terceiro recebe alguma tolerância social.

No contrabando de vulto reside a máxima preocupação do Estado: íntimo elo com outros delitos, sendo os principais o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, além de outros abalos face à soberania brasileira, a exemplo do enfraquecimento da indústria nacional e sonegação fiscal e declínio do trabalho formal.

O consumidor, uma vez em estado de dificuldades financeiras, supre sua carência com o ilícito. Não se faz diminuir o consumo deste bem, e sim a redução da produção nacional, a queda no percentual arrecadatório do Governo e o aumento do consumo do produto contrabandeado.

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Ademais, aliciam e recrutam crianças e adolescentes para trabalhar no transporte, armazenamento, segurança e venda das mercadorias contrabandeadas em seu destino final, fazendo-as chegar nas mãos de uma infinidade de consumidores. Em estudo apresentado pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras – IDESF (2015), a análise “O Custo do Contrabando” relatou o contrabando de vulto como negócio extremamente rentável, com divisão hierárquica, onde agentes detêm funções a serem exercidas.

Dentre as mais diversas funções, vai-se do patrão (o mais alto escalão da cadeia) aos donos de portos clandestinos, passadores, barqueiros, carregadores, olheiros, motoristas, batedores, donos de depósitos e agentes encarregados do pagamento de toda a cadeia. Os produtos são deslocados até os destinos de distribuição nos centros urbanos brasileiros, os quais contam com especialistas de mercado, grandes e pequenos distribuidores, que, por fim, levam os produtos até os comerciantes, fazendo-os chegar ao consumidor final.

Gráfico 2 – Rentabilidade na comercialização dos bens contrabandeados e do descaminho

Fonte: IDESF (O custo do contrabando)

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autores de crimes desse jaez vêm assumindo a roupagem de atuação típica de uma verdadeira criminalidade organizada.

Perceba-se, não é esta a categoria que estamos a defender, justamente pelos efeitos indigestos propiciados pela sua conduta, praticada reiteradamente.

Em segundo, temos o “sacoleiro”, pequeno contrabandista encontrado em larga escala nas cidades compartilhadas. Utilizam apenas transporte rodoviário, com possibilidade de realizar várias viagens durante o dia. Atua como um fornecedor paralelo, à margem da lei, de pequenos estabelecimentos comerciais.

Na prática, entram em território nacional sem maiores dificuldades. A materialidade do delito somente é apurada se e quando a polícia os intercepta antes que esses cheguem a seu destino. Falho o registro oficial de saída e entrada de pessoas no território nacional, mais arrastadas as investigações dos delitos perpetrados, paralisando a configuração da habitualidade, a qual de fato existe. Também não objetivamos excluir da apreciação legal este comportamento.

Por outro lado, temos o mero importador de bem proibido, que se dirige a outros países, seja por turismo ou trabalho, e acaba por se deparar com artefatos de natureza distinta aos quais está habituado e os adquire.

Para exemplificar, podemos citar o atleta que conhece novos artigos qualificados para expandir seu potencial físico, porém ainda inéditos ou estranhos às autoridades de saúde brasileiras e os traz ao país para consumo pessoal. Também cabe relacionar entusiastas de armas de pressão com circulação e uso permitido pelas autoridades, que trazem apenas um protótipo para uso pessoal.

Finalmente, pela inteligência do artigo 334-A do Código Penal, no qual em seus parágrafos 1º a 3º pormenoriza o rigor da entrada de produtos proibidos no desempenho de operações mercantis, conclui-se que a intenção estatal é conter a comercialização desenfreada ou ingresso permanente de produtos proibidos1 em solo pátrio.

Frise-se, ao nosso sentir, o adquirente de bem para uso próprio jamais pode ser penalizado com pena privativa de liberdade por simplesmente ingressar em

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território nacional com objeto desautorizado pelo Estado, exceto se o fizer com contumácia.

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3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

A lei penal tem como encargo precípuo a definição de sanções como consequência às condutas mais ofensivas aos bens jurídicos relevantes para a sociedade, entretanto, a partir do caráter genérico e abstrato oriundo da própria dimensão das normas penais, incluem-se atos de pouca ou nenhuma severidade e importância, desprovidos de gravidade razoável para estimular sua inserção em um tipo penal, sendo caracterizadas como crime por enquadramento meramente formal.

Segundo Vico Mãnas (1994), os defeitos no processo de tipificação fazem com que sejam levados à apreciação do Poder Judiciário casos que, por sua irrelevância ou reduzida reprovação social, não requerem a atuação da máquina estatal. Nesses casos, há uma desproporção entre o dano causado pelo ato ao bem jurídico tutelado pela lei penal e a reação estatal.

De forma a reprimir a disparidade de uma eventual imposição de pena para condutas sem expressividade no plano fático-real, portanto sem lesão ampla, surge o Princípio da Insignificância.

Esse princípio remonta os idos do Império Romano, em que predominava o brocardo minima non curat praetor (o pretor não cuida de coisas pequenas), expressando a desnecessidade de atuação do julgador em causas exíguas.

Em uma versão moderna, devido aos desastres resultantes da Segunda Guerra Mundial, com o consequente aumento no número de subtrações de pequeno valor, houve sedenta vontade de transformação social, perpassando por um Direito Penal mais justo, mais equânime. A bagatela, então, ganhou contornos mais densos a partir de novas construções doutrinárias, com a primazia de Claus Roxin.

No dizer de Luís Regis Prado

De acordo com o princípio da insignificância, formulado por Claus Roxin e relacionado com a máxima mínima non cura praeter, enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico penal. (PRADO, 2013, p. 182)

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3.1 A Primordial função do Direito Penal

A princípio, através da limitação da liberdade do ser humano, o Direito Penal trata-se de um mecanismo de regulação interpessoal, ou seja, procura viabilizar a convivência pacífica entre pessoas, visto que há comportamentos capazes de atingir a esfera de direitos do outro, seja de locomoção, patrimonial, à vida, honra, saúde, liberdade sexual e mais.

Nesse ínterim, lecionam sublimemente Zaffaroni e Pierangeli

O asseguramento das existências simultâneas (coexistência) se cumpre com a introdução de uma ordem coativa que impeça a guerra de todos contra todos (guerra civil), tornando mais ou menos previsível a conduta alheia, no sentido de que cada um saiba que seu próximo se absterá de condutas que afetem entes que se consideram necessários para que o homem se realize em coexistência, que é a única forma em que pode autorrealizar-se. Estes entes são os bens jurídicos ou direitos. (ZAFARONI;PIERANGELI, 2004, p.90).

Posiciona-se Francisco de Assis Toledo

Dentro desse quadro, se considerarmos que cada indivíduo leva consigo um sistema de preferências e desdéns, armado e pronto a disparar, contra ou a favor de cada coisa, uma bateria de simpatias e de respulsões, não será difícil compreender que, sem um conjunto de medidas aptas a proteger certos bens, indispensáveis à vida comunitária, seria impossível a manutenção da paz social. (TOLEDO, 1994, p.15).

Destarte, a ordem coativa estabelecida seria o Direito Penal, responsável, portanto, por garantir a não violação da individualidade do próximo, no sentido de que traça fins a serem alcançados e valores a serem resguardados com suas previsões.

Entende Meirelles (2016, p. 14) pela inviabilidade de sustentar-se que o Direito Penal seria um fim em si mesmo, com o mero desiderato de punição às condutas previstas na lei, atingindo seu desígnio com a positivação de regras proibitórias, ou seja, superado o ideal de que apenas pelo seu aspecto formal, pela trivial disposição em um código, deve ser reproduzida no dia a dia a norma almejando penalizar agentes criminosos.

Deveras, a lei penal - além de revestida de coercibilidade, por haver cominação de pena, reprimindo atos reprováveis perante a sociedade -, expressa valores e finalidades, a partir da guarda e prevenção dos bens jurídicos.

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Assevera Noronha (2004, p. 05) que destina-se o Direito Penal a atuar onde há rompimento de valores tidos como essenciais para a comunidade. Segundo García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes (2012, p. 195), há quatro missões submetidas ao Direito Penal, quais sejam (a) a proteção de bens jurídicos; (b) a contenção ou redução da violência estatal; (c) a prevenção da vingança privada; (d) proteção do infrator da norma (conjunto de garantias aos envolvidos no processo penal), sendo a primeira fundamental.

Nas lições de Greco (2014, p. 02), como se objetiva a tutela de bens que por serem de enorme valia do ponto de vista político, não podem ser suficientemente protegidos pelos demais ramos do Direito. Finalmente, Damásio de Jesus (2012, p.46) explica que o Direito Penal, efetivando normas jurídicas protetoras dos bens jurídicos, fortalecem seu valor e os robustecem na consciência social.

A tarefa imediata da Lei Substantiva, portanto, é, indubitavelmente, servir de anteparo aos bens jurídicos consideráveis para o mundo fenomênico. Assim, as reprimendas penais ganham contornos de juridicidade em ocasiões de evidente ou potencial ofensa àqueles.

Não obstante a principal função do princípio em análise, salutar a lição de Diomar Ackel Filho sobre seu viés interpretativo, na qual a insignificância se ajusta à equidade e correta interpretação do Direito, por aquela fazer calhar um sentimento de justiça inspirado nos valores vigentes em sociedade, e esta exigir uma hermenêutica acurada do Direito, sem apego a critérios inflexíveis de exegese.

Noutras palavras, sendo o Direito uma ciência voltada a lidar com valores subjetivos, não há como interpretá-lo de forma inflexível a tal ponto de usar-se medidas extremamente sancionadoras em crimes de pequeno valor objetivo.

3.2 O bem jurídico penal

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Nos dias atuais, aviva-se um fenômeno de “constitucionalização” do Direito Penal, servindo a Constituição de sustentáculo valorativo. O legislador ordinário trata de extrair bens jurídicos alçados à categoria de penalmente relevantes, e de limite à inflação legislativa desse ramo, garantindo a proteção dos direitos fundamentais.

Vale dizer, não cabe ao legislador, quando da criação de uma regra criminal, optar arbitrariamente por um ou outro valor, e sim abranger os valores mais apreciados pela coletividade. Surge então a árdua tarefa de mensurar o interesse social do bem benemérito de garantia penal constitucional.

A opção dos bens jurídicos a serem agasalhados pelo manto do Direito Penal é de competência do Congresso Nacional, em acordo com o disposto no art. 22, I, da Constituição Federal. O legislador, por conveniência política, aponta condutas positivas ou negativas merecedoras de reprimendas mais duras, quando verifica insuficiente a atuação de outros ramos do Direito.

Em um significado inteligível, bem jurídico penalmente protegido representa um valor extraído prontamente do preceito primário de um tipo penal, isto é, implementa um anseio social mediante a positivação de uma norma.

Ao lhes conferir salvaguarda, vital notar que nem tudo carece de intervenção penal, devem ser protegidas as virtudes e atributos essenciais das sociedades em que estão inseridos.

Por outro lado, serve como supedâneo axiológico dos bens jurídicos a Constituição Federal, que por sua vez consagra direitos fundamentais e os estabelece como parâmetros à salvaguarda pela lei penal. Assim, os valores acobertados pela guarida penal são aqueles dispostos pela Carta Magna, sob a égide dos princípios e diretrizes por ela expressos.

Nessa senda, assinala Roxin (2009, p. 18) que bens jurídicos tratam-se de “circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre, que garanta todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nestes objetivos”. Novamente, as mencionadas circunstâncias ou finalidades são aquelas descritas na Constituição, a par de que confiram ao Estado a oportunidade de propiciar condições mínimas para o desenvolvimento da sociedade como um todo.

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no Código Penal, a pena diferencia-se das demais sanções em virtude do seu caráter preventivo geral, com a finalidade de prevenir perigo efetivo aos bens mais significativos, e, segundamente, da sua índole preventiva especial, pois uma vez perpetrada a violação grave ao bem jurídico tutelado, o agente é castigado para impedir a reiteração do comportamento lesivo no marco da sua responsabilidade individual.

Cabe então ao princípio da insignificância prestar-se o instrumento de maior força do Direito Penal contemporâneo, pois é autêntico meio auxiliar na tarefa de reduzir o campo de atuação das normas jurídico-penais, fazendo-as incidir apenas quando há ameaça a um valor traduzido em bem jurídico.

Em síntese, no dizer de Roger Brutti (2006), nos casos de desprezível abalo ao bem jurídico, a substância do injusto é demasiado pequena que não subsiste nenhum motivo para a aplicação de pena, de modo que a mínima sanção penal seria imoderada à real significância do episódio.

3.3 A insignificância e a tipicidade

Conforme construção doutrinária e jurisprudencial, o Brasil adotou a Teoria Tripartida como conceito analítico de crime, na qual reputa-se delituosa a conduta quando o fato fenomênico for típico, ilícito ou antijurídico e culpável. Os referidos critérios são cumulativos e devem ser analisados em ordem consecutiva, sendo um momento de análise dependente do seu anterior.

Considera-se como fato típico a soma de quatro elementos, a saber: (a) conduta, resultado, nexo causal (relação entre a conduta e o resultado) e a tipicidade penal (correspondente às tipicidades formal e conglobante).

Nessa senda, a tipicidade formal nada mais é do que a conformação entre o fato praticado e a conduta punível prevista, com o preenchimento de todos os elementos essenciais descritivos de um preceito do Código Penal. De outro modo, seria a subsunção da conduta à norma erigida.

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Para sua configuração, se distingue em duas modalidades de desaprovação, da conduta e do resultado. Indelével a relação de causa-efeito entre a conduta e o resultado, mas deve haver, necessariamente o desvalor da conduta e do resultado, ou seja, a sequência de ações gravosas (conduta) perante a sociedade obrigatoriamente deve atingir bem jurídico relevante de forma desarrazoada e inaceitável (resultado).

Oportuno trazer à baila a lição de Ivan Luiz da Silva, que sustenta como indicador da insignificância o grau de lesividade da conduta e a repercussão sobre o resultado:

A insignificância será absoluta em razão de o desvalor da ação ser tão ínfimo que se quer pode se considerar que houve concreção do tipo penal que o agente pretendia realizar. Portanto, há a exclusão da tipicidade penal por estar a insignificância do desvalor da ação indicando que a conduta é absolutamente insignificante. Em contrapartida, se a conduta mostra uma gravidade de pequena monta, mas o desvalor do evento demonstra que não há resultado juridicamente relevante para o Direito Penal, então, a insignificância é considerada relativa, devendo a conduta ser excluída do âmbito penal em razão de sua escassa antijuridicidade. (SILVA, 2008, p. 157)

Ora, se a norma penal opera como protetora de um bem jurídico, inócuo seria o mero enquadramento de um fato àquilo descrito no conteúdo de uma regra para restar atribuído um crime. Necessária, então, a adequação (tipicidade) material ao tipo penal. Então, para configurar-se um crime, insuficiente apenas o comportamento insculpido no tipo, afastando seu teor literal, mas também uma lesão grave a esses bens resguardados.

Nas palavras de Boschi (2013, p. 64), não basta a mera constatação de que a conduta encontrou encaixe na figura típica para que a punibilidade se perfectibilize como consequência. À ilicitude formal doutrina e jurisprudência agregam, como pressuposto para sua configuração, a ilicitude material. No exemplo da conduta bagatelar, “entra” dentro da figura típica mas “não constitui crime” por ausência de lesão ao bem.

Vale destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal, em emblemático julgado, reconheceu que o princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização material da tipicidade penal. Nesse ínterim:

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Nessa esteira, o STF, no julgamento do Habeas Corpus n.º 84.412/SP, definiu que a aferição do relevo material da tipicidade penal, para o reconhecimento do Princípio da Insignificância, exige a presença de quatro balizas: mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Como comparativo, a ofensividade da conduta equivale ao grau de nocividade, ou seja, a proporção de agressividade acrescida à ação do agente, relacionada à situação específica da pessoa atingida.

O segundo vetor pode ser definido como o grau de risco para a sociedade de determinada conduta, o clamor social que sua prática ensejará no meio social. A conduta do agente não pode trazer risco para a coletividade.

O terceiro pressuposto, o grau de reprovabilidade do comportamento, se aproxima muito da mínima ofensividade da conduta. Se há uma conduta pouco ofensiva, logicamente será pouco reprovável, podendo ser especificado por valores éticos e jurídicos à luz do Direito Penal, mas ainda assim recobertos de certa subjetividade.

Por fim, a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Esta se refere ao dano real causado ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, o quanto a danosidade foi capaz de desfalcar o bem jurídico. Correlaciona-se com o resultado naturalístico da conduta. O que se espera, em verdade, é uma ofensa tão pequena que esteja próxima à inexistência, mas que não seja nula.

3.4 Princípios correlatos à insignificância

3.4.1 Intervenção Mínima

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 8º, prevê que a lei invoque tão somente penas, tanto privativas de liberdade como restritivas de direitos, estritamente necessárias.

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criminalidade, e sucede de forma subsidiária e fragmentária. Para o jurista Luiz Flávio Gomes, caracteriza-se aí o princípio da intervenção mínima, ou seja:

O princípio da intervenção mínima (de natureza marcadamente político-criminal) possui dois aspectos relevantes: a) fragmentariedade; e b) subsidiariedade. A fragmentariedade do Direito penal significa, por sua vez, duas coisas: a) somente os bens jurídicos mais relevantes devem merecer a tutela penal; e b) exclusivamente os ataques mais intoleráveis é que devem ser punidos penalmente. [...] O Direito penal, de outro lado, é subsidiário, isto é, só tem lugar quando outros ramos do Direito não solucionam satisfatoriamente o conflito. O Direito penal é Direito de ultima ratio. (GOMES, 2007, p. 443)

Por André Estefam e Victor Gonçalves (2014, p. 136), o Direito Penal deve ser a última fronteira no controle social, uma vez que seus métodos são os que atingem de maneira mais intensa a liberdade individual.

Assevera Nelson Hungria (1958, p. 178) “Somente quando a sanção civil se apresenta ineficaz para a reintegração da ordem jurídica é que surge a necessidade da enérgica sanção penal. Se um fato ilícito, hostil a um interesse individual ou coletivo, pode ser reprimido com as sanções civis, não há motivo para reação penal.”

Já Luiz Regis Prado (2013, p. 171) leciona “O princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade [...] só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa.” Isso porque a punição cobre-se de severa gravidade, implicando em dramáticas restrições aos direitos fundamentais.

Em razão da maior gravidade da sanção penal em relação às outras, por tolher a liberdade do transgressor da norma, por determinado período de tempo, permanecendo em um lugar de escassas condições, longe dos familiares, afastado do exercício de sua profissão, além de obedecer a um escalão de regras que impactam sua liberdade, desarrazoada a ingerência do Direito Penal sobre condutas que não ofendam os valores e interesses sociais.

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3.4.2 Lesividade ou Ofensividade

Na infração bagatelar, pela ausência de lesão ou de grau diminuto, não se justifica o jus puniendi, então, a aplicação do princípio equivale a um freio ao poder punitivo estatal, excluindo a situação ao alcance do Direito Penal.

Classifica Nilo Batista as quatro principais funções desse princípio, a saber:

A primeira é proibir a incriminação de uma atitude interna; a segunda, é proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor; a terceira, é proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais; e quarta, é proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetam qualquer bem jurídico. (BATISTA, 2007, p. 91)

Nessa senda, diz Rogério Greco (2014, p. 55), a primeira das vertentes veda a punição ao agente por suas ideias e sentimentos pessoais, exceto se exteriorizados e aptos a lesionar bens de terceiros. Tampouco cabe ao Direito Penal coibir condutas referentes à autolesão. Também não se pode punir o agente pelo que ele é, e sim pelo seu agir. Finalmente, ainda que a conduta seja desviada do padrão, da postura média, não há punição se inexiste afetação a bem jurídico de terceiros.

Na lição de Mariano Silvestroni (2004, p. 155), as pessoas têm direito de pensar, ser, expressar-se livremente sem submissão a restrições e sanções fundadas no mero fato, exceto se, ao fazer ou se expressar, alcance o direito de outro.

Outrossim, não se considera crime propriamente dito se não houver lesão efetiva ou ameaça concreta ao bem jurídico, logo, se exige resultado jurídico ou normativo, afastando-se, ao mesmo tempo, o perigo meramente abstrato.

3.4.3 Legalidade

O princípio da legalidade é referenciado mediante o brocardo nullum crime nulla poena sine lege. Trata-se de verdadeira limitação à pretensão punitiva estatal, prevista, em nossa Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XXXIX, como direito individual fundamental, e em vários tratados internacionais celebrados, como na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. XI, 2) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 9º).

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passadas, agora consideradas como reprováveis e ilícitas, objetivando puni-las, pois quando ocorridos os atos, sequer havia regra definindo-os como crime.

Encontra a legalidade três desdobramentos:

a) Nullum crimen nulla poena sine lege scripta: apenas a lei pode definir condutas delituosas, aplicando-lhes uma punição. Por sua vez, os costumes não têm o condão de elaborar crimes e penas.

b) Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia. Consoante este postulado, a lei e a pena devem ser anteriores ao crime, não podendo, de modo algum, serem utilizadas para prejudicar o agente que realizou uma conduta em momento anterior a sua existência.

c) Nullum crimen nulla poena sine lege stricta – Não se pode utilizar analogias para incriminar um agente, portanto a lei deve discriminar clara e precisamente a conduta delituosa, fazendo-a estritamente. De toda sorte, vedada a utilização da interpretação extensiva, método pelo qual o intérprete atribui um escopo de alcance maior que o definido pelo texto da norma.

Intolerável descuidar que o tipo penal, como norma positivada, ao descrever o crime e fixar sua sanção, emite, em seu bojo, um juízo de valor, entrando na tipicidade, onde cabe incidir o princípio bagatelar.

3.4.4 Proporcionalidade

Não trata o Direito de uma ciência exata, logo não se aplica como uma simples fórmula matemática. A bem da verdade, é uma ciência humana designada para lidar com a realidade humana, sendo a proporcionalidade uma ferramenta para aproximar a aplicação da norma jurídico-penal do ideal de Justiça perseguido pela sociedade.

No tocante à insignificância, a interpretação deve respeitar critérios de razoabilidade. Reputa-se um determinado fato, como insignificante, apesar do seu cunho criminoso, e uma vez destituído de reprovabilidade, obsta a mera subsunção da conduta à norma, impedindo a aplicação de uma pena.

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Leciona Diomar Ackel Filho (1988, p. 74) não ser razoável e repugnante ao o bom senso que se louvando numa interpretação inflexível, pretenda-se, em casos de tal bagatela, proclamar-se a existência de um fato típico, diante de lesão banal.

O referido princípio preconiza fundamental importância como elemento limitador do poder sancionador do Estado, haja vista a necessidade de proporcionalidade que a pena deve guardar em relação ao grau de lesividade promovido pela ação delituosa. Evita, pois, interferências estatais desnecessárias e excessivas.

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4 POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CONTRABANDO

4.1 Aplicação da Insignificância quanto aos bens de uso pessoal

Na contemporaneidade, a circulação de pessoas, serviços e bens, corriqueira e facilitada, proporciona inúmeras vantagens para quem transita ou compra bens advindos dos mais diversos locais do mundo, mas em contrapartida exige uma atuação sempre mais direcionada e preventiva do Fisco a fim de coibir práticas ilícitas.

No Brasil, surgem problemáticas variadas. A grande ausência de barreiras nas fronteiras terrestres e a diferentes caminhos de deslocamento implicam uma maior circulação de produtos. Por isso, pelo volume de transações comerciais em patamar internacional, principalmente nas áreas de fronteira, mecanismos de reprimenda à entrada de mercadorias estrangeiras tornam-se essenciais no combate à criminalidade, instrumentos faltantes ao país.

Enuncia Carneiro

A fragilização aduaneira provoca também um elevado índice de clandestinidade, a sangria de riquezas minerais, vegetais, animais e históricas. Causa prejuízos à indústria nacional, concorrência de divisas e facilitação da lavagem de dinheiro, através de operações de sub e superfaturamento de importações ou exportações. (CARNEIRO, 2005, p. 27)

Notório o impacto do contrabando de vulto, perpetrado amiúde - comumente associado a outros delitos como tráfico internacional de drogas, organização criminosa, lavagem de dinheiro e outros -, que atormenta a economia nacional com efeitos nefastos sobre a saúde pública, segurança, arrecadação tributária, além de promover concorrência desleal, devendo ser amplamente reprimido.

Neste jaez, diz Bitencourt (2012, p. 234), a despeito das premissas para se criminalizar o contrabando, trata-se, sobretudo, da salvaguarda dos anseios do erário público, diante da evasão de renda resultante das transações clandestinas, e subsidiariamente, a moralidade pública, pela importação de itens vedados pela lei, sob o risco de agressão à saúde pública, economia nacional e outros.

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Impreterível mencionar que as restrições de direitos e imposição de cárcere somente se justificam quando imprescindíveis à proteção da sociedade e bens jurídicos essenciais, evitando sua exposição a potenciais danos, tendo em vista o seu grau de lesividade.

Como já visto o Princípio da Insignificância tem o condão de afastar, eventualmente, a tipicidade penal em seu âmbito material, e deve ocorrer em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.

A partir do entendimento sedimentado do Supremo Tribunal Federal2 acerca da criminalidade de bagatela, elencando quatro critérios a fim de excluir – ou não – a tipicidade penal, quais sejam (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada, seu enquadramento recairá sobre o desvalor da ação e/ou do resultado.

Destarte, afloram divergências doutrinárias sobre a necessidade de estarem presentes todos os parâmetros estabelecidos pela jurisprudência, ou se apenas uma configuração de desvalor, seja da conduta ou da ação, pode caracterizar o fato como insignificante.

Gomes (2009, p. 22) assevera que, uma vez isolados o desvalor da ação ou do resultado, caracteriza-se o fato como insignificante. Tomando por base os parâmetros estabelecidos pela Suprema Corte, a ausência de um deles não afastaria de plano a bagatela do fato.

Sanguiné (1990, p.45), em caminho oposto, aduz que somente em conjunto os desvalores da ação e resultado repercutem sobre o crime acarretando-lhe definição bagatelar. Nesse sentido, seria obrigatória a observância de todos os vetores descritos pelo STF.

Notadamente nos casos de contrabando, com fulcro na posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, ao utilizar como principais fundamentos utilizados para negar a aplicação do princípio da insignificância ao referido crime (a) a observância da tutela estatal para bens jurídicos para além do caráter pecuniário do tributo e (b) o valor da conduta a partir de sua lesividade e/ou reprovabilidade, conclui-se que devem conclui-ser cumulativos os desvalores da ação e do resultado.

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Impende destacar que os tribunais já mantêm entendimento pacificado quanto à aplicação da insignificância ao crime de descaminho, visto que o ilícito afronta tão somente o erário, haja vista a importação de produtos ser regular, em que se fixou como insignificante o valor sonegado inferior ao disposto pelo art. 20 da Lei 10.522/2002, com atualizações realizadas pelas Portarias nº 75 e 130 do Ministério da Fazenda – quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).3

Ressalte-se também que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o AgRg no HC 137749/PR, em 2017, inadmitiu a incidência do princípio da insignificância quando o agente criminoso pratica a conduta descrita no descaminho reiteradamente, fazendo desse delito sua atividade habitual, por tratar-se de uma possível demonstração de impunidade e estímulo para que assim prosseguisse. Assiste ao contrabando idêntica intelecção.

Do momento em que contrabando e descaminho, ora reunidos em um único tipo penal (art.334 do CP), foram elencados em tipos penais distintos, com a alteração trazida pela Lei 13.008/2014, versou-se sobre a possibilidade de se reconhecer o mesmo critério para fins de aplicação da criminalidade de bagatela ao contrabando, quando o valor dos tributos sonegados não alcançaria a quantia de vinte mil reais.

Os tribunais superiores têm se manifestado, geralmente, em sentido contrário à aplicação do referido princípio nos crimes de contrabando, pois diversamente do descaminho, não se restringe apenas ao prejuízo tributário, em que pese a importação de produtos proibidos, em tese, causar danos de maior gravidade.

O principal argumento levantado aponta por ser o contrabando um delito de natureza pluriofensiva, o bem jurídico tutelado vai além do mero valor pecuniário do imposto elidido, alcançando também o interesse estatal de impedir a entrada e comercialização de produtos proibidos em solo pátrio.

Alguns exemplos recaem sobre a importação de cigarros, conforme HC 131.205/MG julgado pelo STF e AREsp 697.456/SC julgado pelo STJ; armas de

3 REsp 1688878/SP, Superior Tribunal de Justiça, Terceira Seção, Ministro Relator Sebastião Reis

Júnior, julgado em 28/02/2018 e publicado em 04/04/2018. No julgamento deste recurso repetitivo,

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pressão, independentemente do calibre (STJ: AgRg no REsp 1.479.836/RS), gasolina (STJ: AgRg no REsp 1.278.732/RR, 5ª Turma, DJe 01/02/2013), entre outros.

Por sua vez, a doutrina, nos registros sobre o assunto, manifesta-se com divergências, mesmo após o desmembramento dos crimes de contrabando e descaminho.

Segundo Masson (2016, p. 796), não se aplica ao delito de contrabando o princípio da insignificância, haja vista a natureza proibida da mercadoria importada ou exportada. Além disso, são tutelados bens jurídicos diversos, de natureza não tributária, portanto infere-se como significante para a lei penal a entrada ou saída ilícita do Brasil de bens assim classificados.

Concorda Cunha (2017, p. 864) ao salientar “os tribunais superiores não têm admitido a excludente de tipicidade”.

Em sentido contrário, aduz Nucci (2017, p. 625) ser o princípio aplicável, mas com cautela, pois para a maior parte das figuras típicas incriminadoras, em situações de pífia ofensa ao bem jurídico tutelado, amoldam-se perfeitamente ao crime de bagatela. No exemplo do contrabando – importar ou exportar bens proibidos -, apenas incide a insignificância quando o valor da mercadoria for irrisório e não houver afetação aos interesses nacionais.

Greco (2017, p. 1733), por sua vez, nos ensina “nossos Tribunais Superiores têm resistência na aplicação do princípio da insignificância ao delito de contrabando. No entanto, somente a hipótese concreta é que poderá ditar essa impossibilidade.”

Segue exemplificando:

[...] por exemplo, imagine-se a hipótese onde alguém traga do exterior uma pistola de pressão (ar comprimido) [...] A importação dessa mercadoria é, efetivamente, proibida, conforme se verifica pelo art. 26 da Lei nº 10.826 [...] No entanto, não vemos impedimento para a aplicação do raciocínio ao princípio da insignificância, mesmo a mercadoria proibida venha a ser apreendida e seu perdimento declarado, em face da sua impossibilidade de ingresso no território nacional. (GRECO, 2017, p. 1733)

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Tendo em vista a preocupação da Administração Pública em evitar o comércio paralelo de mercadorias em desacordo às normas, seja pela vantagem tributária indevida aos contrabandistas ou pelo (des)acordo do produto aos padrões exigidos por normas técnicas e aduaneiras, percebe-se a possibilidade de valorar como insignificante a conduta de introduzir, no país, bens oriundos do exterior para uso próprio.

Quando há escritos sobre o contrabando, quanto ao objeto material do delito, grande parte dos doutrinadores limita-se apenas a afirmar que mercadoria é qualquer bem suscetível à comercialização, tornando a norma bastante restritiva.

Segundo Nucci (2010, p. 1151) “A norma penal é expressa em mencionar “mercadoria proibida”.” Pergunta-se: qual o conceito de mercadoria?

Nesse sentido, sustenta Pólvora

Com efeito, o conceito jurídico de “mercadoria” é diferente de “produto”. Produto é conceitualmente qualquer bem que satisfaça uma necessidade humana. Mercadoria é o bem que se destina ao comércio. O artigo 966 do Código Civil define a atividade empresarial como aquela profissionalmente organizada para a produção ou circulação de produtos e serviços. Quem adquire produtos e serviços sem finalidade empresarial não adquire mercadoria. É por tal razão que o CDC jamais utiliza a expressão “mercadoria”, mas sim, “produto”, pois, mercadoria é conceito que induz à compreensão de que haverá utilização empresarial, o que não é compatível com o conceito jurídico de consumidor. (PÓLVORA, 2013).

Por sua vez, preleciona Roque Carraza

Não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas só aquele que se submete à mercancia. Podemos, pois, dizer que toda mercadoria é bem móvel, mas nem todo bem móvel é mercadoria. Só o bem móvel que se destina à prática de operações mercantis é que assume a qualidade de mercadoria. [...] Portanto, é a destinação do objeto que lhe confere, ou não o caráter de mercadoria. (CARRAZA, 2000, p. 39)

Segundo Carvalho

A natureza mercantil de um bem não deflui de suas propriedades intrínsecas, mas de sua destinação, especificação. Para que um bem móvel seja caracterizado como mercadoria, é necessário evidenciar sua finalidade de venda ou revenda. Deste modo, a qualidade que distingue o bem móvel da mercadoria se consubstancia no propósito da destinação comercial. (CARVALHO, 2018)

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O exercício de compra de bens móveis ocorre por uma infinidade de pessoas, então não se pode criminalizar condutas voltadas à importação de produtos para consumo pessoal – para si ou para terceiro – sem finalidade mercantil, portanto sem existir auferição de lucro. O que almeja o tipo penal é repreender a atividade lucrativa à burla de normativos voltados ao comércio interno e internacional.

Pólvora completa

Reserva-se, portanto, a caracterização do contrabando para aquelas importações expressamente proibidas e que, pelas características de qualidade ou quantidade, revelem a destinação do bem à atividade lucrativa. Quem introduz no país bem cuja importação é proibida mas para uso próprio ou mesmo por encomenda de amigo ou parente, mas sem evidências de finalidade empresarial, não comete contrabando. (PÓLVORA, 2013)

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região4, em 2017, inovou com a tese de que constitui-se como fato insignificante para o Direito Penal a ação de importar irregularmente pequeno volume de cigarros censurados. Na hipótese, cuidou-se da quantidade de 500 maços. Ao nosso ver, correta seria a aplicação da bagatela se o número de maços fosse inferior.

Nessa senda, de maneira exemplar, o Ministério Público Federal, conforme Orientação nº 25/2016, expedida pela sua 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, retrata a aplicação da bagatela ao contrabando de cigarros em razão de seu uso pessoal.

Consoante a Orientação, pela necessidade de se padronizar balizas para a aplicação do princípio da insignificância no contrabando de cigarros, o MPF passou a orientar seus membros no sentido de arquivar investigações criminais cuja quantidade apreendida não supere 153 maços.

O critério utilizado decorre de um estudo realizado pelo INCA (Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva), em que o brasileiro fuma em média 17 (dezessete) cigarros por dia, o fumígeno tem validade de 180 dias, além do que um maço possui 20 cigarros, chegando a seguinte equação: 17 (cigarros consumidos no dia) x 180 (dias) / 20 (rolos de tabaco por maço), equivalendo à quantidade de 153 maços.

(39)

Por outro lado, o documento também ressalta a diminuta reprovabilidade da conduta, em virtude do uso próprio do tabaco, além da necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto.

Por sua vez, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do AgRG no REsp 1.706.471/RS, decidiu, por unanimidade, ser cabível a aplicação do princípio da insignificância ao contrabando de medicamentos em pequena quantidade, desde que para uso pessoal.

Em seu voto, o Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, aduziu que “é de se manter o reconhecimento da atipicidade material da conduta a incidir o princípio da insignificância, considerando a pequena quantidade de medicamentos apreendidos, que se destinavam a uso próprio e que não consta nos autos circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, como reincidência ou maus antecedentes”.

Na mesma toada seguem os julgados do STJ (REsp 1.346.413/PR, REsp 1.341.570/RS e REsp 1.428.628/RS) em que a importação de quantidade ínfima de remédios para uso pessoal demonstra todos os requisitos elencados pelo STF para fins de aplicação da insignificância, ressaltado o argumento de que “não se pode olvidar o princípio da proporcionalidade quando se constatar que a importação do produto se destina a uso próprio e não é capaz de causar lesividade aos bens jurídicos tutelados como um todo”.

Expostas as razões e fundamentos para excluir-se a tipicidade material do contrabando para quem introduz produto adquirido para uso próprio, faz-se mister correlacionar a supracitada conduta aos vetores reclamados pela Excelsa Corte para fins de reconhecimento do delito de bagatela.

A um, o ato de trazer produto proibido para gozo pessoal não representa perigo concreto, real e efetivo de dano ao bem jurídico tutelado penalmente, porquanto sem finalidade lucrativa, não há comercialização e exposição do bem a outrem, assegurando terceiros e a coletividade contra danos. Cumpre-se a exigência da mínima ofensividade da conduta.

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por inovações em suas composições, aos regulamentos e normas técnicas, mas de enorme serventia particular.

O terceiro vetor, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, traduzido na atitude pontual, episódica do agente, sem circunstâncias que agravam a reprovação da conduta e pouca ou nenhuma relevância social, também suscita a aplicação da excludente de tipicidade.

Finalmente, submete-se a conduta de inserir bem proibido em solo nacional ao crivo da inexpressividade da lesão jurídica provocada. Aborda-se essencialmente o desvalor do resultado, a partir do dimensionamento do dano causado aos bens jurídicos tutelados.

Efetivamente, quando da introdução de um artigo proibido pela lei, porém para uso, gozo e fruição própria, não há ofensa à economia nacional, saúde pública, segurança ou higiene, mas tão somente à arrecadação tributária, decorrente da supressão do pagamento dos tributos.

Dessa forma, vislumbra-se indispensável a indicação de critério quantitativo razoável e apto a mensurar os exatos limites a fim de se perfectibilizar o enquadramento de uma conduta nos termos do contrabando, bem como a reprimenda administrativa de perdimento do bem.

4.2 Sugestão de alternativas para aplicação da insignificância ao bem de uso pessoal oriundo do contrabando

4.2.1 Sanção administrativa de perdimento do bem

A prática de contrabando comporta três esferas de responsabilidades: administrativa, fiscal e penal, sendo suas jurisdições distintas e autônomas, devido a diferença na natureza das infrações.

Para o Direito Penal, resta configurado o contrabando quando há o elemento subjetivo dolo – vontade de concorrer para o cometimento do ilícito (introduzir artigos proibidos em solo nacional) –, enquanto para a caracterização da infração fiscal, por seu caráter formal, suficiente o resultado de prejuízo ao Fisco.

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responsabilidade administrativa e fiscal, mantendo-se conservadas as sanções de apreensão e perdimento do bem.

O Estado, objetivando satisfazer incessantemente os interesses da coletividade, a partir da proteção à segurança, higiene, saúde, entre outros, estabelece limitações ao exercício de liberdades individuais e ao direito de propriedade dos particulares em detrimento do interesse público.

Assim, conforme Carvalho (2017, p. 132), na busca do bem estar da sociedade, nasce o Poder de Polícia, no qual o Estado define parâmetros ao exercício do direito de propriedade, criando-lhes restrições e adequações.

Marinela (2012), por seu turno, aduz que o Poder de Polícia trata-se de uma atividade estatal que se expressa através de atos normativos, com base na supremacia geral e na lei, regulando a propriedade privada mediante ações fiscalizadoras, preventivas e repressivas.

Finalmente, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 78, in verbis:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Concerne, pois, à Polícia Administrativa lotada em zonas de Aduana zelar, mediante fiscalização sobre a entrada de produtos de origem estrangeira, pelos bens jurídicos tutelados (segurança, saúde pública, indústria nacional, etc.).

Reza o artigo 237 da Constituição Federal que “A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.” Por delegação, incumbe à Receita Federal do Brasil controlar o comércio exterior e a valoração de tributos devidos na importação, garantindo os interesses do Tesouro Nacional.

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As principais normas orientadoras de importação de produtos proibidos são o Regulamento Aduaneiro (Decreto-Lei 6.759/2009) e instruções normativas e técnicas da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Agência Nacional de Vigilância Sanitárias (Anvisa), Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), entre outras.

Já o Decreto-Lei 1455/1976, instrumento que disciplina o procedimento de âmbito administrativo, também alberga as sanções cabíveis sobre bens malquistos pela legislação aduaneira. As mais violentas sanções tratam-se da apreensão e perdimento do bem.

Nessa senda, expõe Mazur

As sanções administrativas são aplicadas por meio do processo fiscal respectivo [...] Tem início com o “Auto de Infração”, acompanhado do “Termo de Apreensão”, cuja finalidade é a pena de perdimento, em favor da União, das mercadorias e dos veículos transportadores. É ele de competência do Ministério da Fazenda, sob a responsabilidade da Secretaria da Receita Federal, a qual detém o papel principal na repressão ao contrabando. (MAZUR, 2005, p. 124)

Harmoniza o Regimento Interno da Receita Federal, ao apontar como um de seus objetivos “planejar, coordenar e realizar as atividades de repressão ao contrabando”. Uma das formas de repressão ao delito em análise, senão a mais cominada em sede administrativa, aduz Ferreira sobre a sanção de apreensão e perdimento do bem

Tendo em mente que a aplicação do perdimento de bens tem como pressuposto o dano ao erário, sua não aplicação àqueles que causem esse tipo de dano implica permitir-lhes locupletarem-se às custas do tesouro público, [...] em evidente prejuízo à sociedade como um todo. (FERREIRA, 2004, p. 173)

Para além, a pena de perdimento oferece resultados positivos, ainda que insatisfatórios, como meio de combate ao comportamento contrabandista indesejado.

A RFB, ao longo de sua atuação durante o ano de 2017, divulgou dados sobre os recordes alcançados ao conseguir realizar o maior número de operações e apreensões voltadas ao combate ao contrabando:

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Fonte: Jornal Folha de São Paulo (matéria com abordagem sobre o contrabando no Brasil)

Assim, uma vez perdido o bem, sua destinação ocorrerá em uma das modalidades elencadas no artigo 29 do Decreto-Lei 1455, quais sejam (a) alienação para pessoas físicas ou jurídicas mediante licitação na modalidade leilão; (b) doação a Organizações da Sociedade Civil; (c) incorporação a órgãos da Administração Pública em âmbito municipal, estadual ou federal; (d) destruição ou (e) inutilização.

Especificamente quanto aos bens relativos ao contrabando, quando possível serão incorporados em benefício do patrimônio público. Armas, munições e explosivos destinam-se ao Exército. Medicamentos e equipamentos hospitalares são repassados a hospitais universitários de instituições públicas de ensino superior, Ministério da Saúde e Secretarias de Saúde.

Vale dizer, a escolha entre as opções conferidas pela lei sobre a destinação dos objetos é avaliada casuisticamente pela autoridade competente, com o objetivo de alcançar benefícios administrativos, econômicos e sociais, respeitados os aspectos da mercadoria disponível e a necessidade de esvaziamento dos depósitos.

3.2.2 Fixação de valor monetário

Imagem

Gráfico 1 – Comparativo do número de funcionários atuantes em Zonas de Aduana
Gráfico 2 – Rentabilidade na comercialização dos bens contrabandeados e do descaminho

Referências

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