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172 Pelo Litoral Negro, a devoção à Santa é bem recorrente. Na sequência do texto, analisaremos a Festa do Rosário, mas é necessário inicialmente mapearmos as manifestações de devoção à Nossa Senhora do Rosário, conforme quadro a seguir, para que possamos investigar como a fé na Santa une o campesinato negro e estende o território simbólico ao circular a fé e a devoção pela Santa.

Quadro 15. Manifestações de devoção a Nossa Senhora do Rosário Localidade Comunidade quilombola Festa do Rosário Ensaio de Quicumbi Bandeira do Rosário Mostardas (Rincão Cristóvão Pereira) - - X - Mostardas (Teixeiras) Teixeiras X X -

Mostardas (Casca) Casca - X -

Tavares Capororocas X X -

Palmares do Sul Limoeiro X X X

Pelos dados do quadro, percebe-se que a devoção à Santa se estende de São José do Norte a Palmares do Sul. Embora espalhada pelos camponeses negros, algumas manifestações não são mais realizadas, mas a fé na Santa persiste.

3.1 A Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Mostardas

A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em Mostardas, parece ter sido criada por volta de 1773144, sendo uma das primeiras a serem construídas no Rio Grande do Sul; posteriormente, apenas Viamão, estabelecida em 1754. Alguns anos mais tarde, no dia 12 de julho de 1804, os irmãos solicitaram a confirmação de compromisso a D. João VI, então príncipe regente, conforme documento:

144 Não encontramos nenhuma documentação da Irmandade desta data, mas ela é mencionada por alguns sítios

eletrônicos, como aquele da pesquisadora Marisa Guedes, que informa que a Irmandade já existia em 1773. Disponível em: http://marisaguedeshistoriadora.blogspot.com/2009/05/ensaio-de-promessa.html. Acesso em 10 de maio de 2018.

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Dizem os irmãos da Irmandade da Senhora do Rosário da Freguesia de São Luís de Mostardas, do Continente do Rio Grande, que eles (?) da Irmandade (?)

compromisso junto o qual (?) confirmação de Vossa Alteza (?)145

O documento possui poucas palavras, bem menos do que esta historiadora esperava; além disso, não foi possível fazer a leitura completa, mas sabemos que em 1804 os irmãos pediram a confirmação do compromisso, um indicativo de que já estavam em atividade antes da data da emissão do pedido. Infelizmente, há uma lacuna de documentos escritos sobre a Irmandade do Rosário de Mostardas, mas felizmente ela ainda está em atividade, especialmente para realizar o Ensaio de Pagamento de Promessas que logo será apresentado ao leitor.

Grigio (2016) investiga a trajetória da Irmandade Nossa Senhora do Rosário e de alguns integrantes, no período compreendido entre o final do século XIX e começo do XX, na localidade de Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul. Segundo o autor, as irmandades eram associações religiosas que tinham como uma das principais finalidades a devoção a um santo. Sobre o Compromisso das irmandades, o autor informa que era um estatuto que continha as obrigações e os benefícios de cada um dos membros. No caso da Irmandade do Rosário de Mostardas, não é possível identificar quais obrigações e direitos, nem seus membros, pois o Compromisso apenas é citado, porém a existência/resistência na atualidade da irmandade possibilita compreender como ela é acionada, na contemporaneidade, por seus devotos.

Em Teixeiras, a devoção a Nossa Senhora do Rosário remonta ao tempo do cativeiro; escravizados e senhores eram devotos da Santa. Analisando os documentos dos Campos da Caieira, onde atualmente residem os remanescentes quilombolas de Teixeiras, encontrou-se que tanto Manoel Teixeira como Roza Tereza de Jesus mencionaram Nossa Senhora do Rosário e a Irmandade em seus testamentos. Conforme discorrido anteriormente, Roza, Manoel e a irmã Ana Tereza de Jesus (ver capítulo1), eram proprietários das terras conquistadas pelos escravizados. No testamento, Manoel menciona “por me salvar e remir Nossa Senhora do Rosário”146. Em seu testamento, Roza informa que era católica e devota de Nossa Senhora do Rosário. Na hora de registrar suas últimas palavras, a fiel deixou algumas

145 Arquivo Histórico Ultramarino. Conselho Ultramarino. Brasil - Rio Grande do Sul. Caixa 7, n° 521.

Requerimento dos Irmãos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário da freguesia de São Luiz de Mostardas. Disponível em: http://resgate.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=019_RS&PagFis=4965&Pesq=. Acesso em 30 de maio de 2018.

146 AHRS. Arquivo Particular "Campo dos Teixeiras". Documento n° 14. Certidão solicitada do testamento de

174 doações àqueles escravizados que a acompanharam em vida; alguns, senão todos, possivelmente fossem devotos da mesma Santa. Uma fé que sobrevive até os dias de hoje, tanto por quilombolas, camponeses negros e outros membros da região, inclusive brancos. De acordo com as últimas vontades de Roza:

Declaro que chegando a hora do meu fim que espero todos os instantes e do meu falecimento, o meu corpo será hábito de São Francisco acompanhado do meu Reverendo Vigário e mais sacerdotes que se acharem e das Irmandades Almas,

Sacramento e Nossa Senhora do Rosário e a todos se dará esmolas ao estilo e

os Reverendos Sacerdotes celebrarão missas de corpo presente e continuarão até o sétimo dia e o meu Reverendo Pároco cantará a missa de óbito e sétimo dia, a

todos se dará a esmola costumeira147.

Dos três irmãos, Manoel e Roza citam a Santa e a Irmandade Nossa Senhora do Rosário, entre suas últimas palavras. Na pesquisa realizada no arquivo de São José do Norte, para vasculhar vestígios sobre a referida Irmandade, nos poucos documentos ainda restantes do século XIX, apareceram entre os ofícios apenas as Irmandades Almas e Sacramento. Os testamentos de Manoel e principalmente de Roza apontam para a permanência da Irmandade do Rosário no começo do XIX. No ano de 1859148,existiriam duas irmandades em Mostardas, Santíssimo Sacramento e São Luiz, ambas com compromissos regulares e aprovados. E a Irmandade do Rosário? Teria deixado de executar suas atividades por algum período? Talvez, por isso, seja difícil encontrar documentos; talvez ela tenha deixado de existir oficialmente. Roza lista a Irmandade em seu testamento, mas alguns anos mais tarde há um silenciamento dos irmãos.

Em virtude das esparsas documentações da Irmandade, no século XVIII e XIX, é necessário acionarmos pesquisas de outras localidades para compreendermos este espaço. Reginaldo (2005), ao analisar as devoções e irmandades na Bahia setecentista, destaca que a devoção a Nossa Senhora do Rosário, entre pretos cativos e forros, remonta ao século XVII. A autora refere que, na matriz da Conceição da Praia, o compromisso aponta angolas e crioulos como construtores e patrocinadores da capela do Rosário erigida no final do século XVII. Além disso, eram estes dois grupos que deveriam ocupar os cargos de juiz e juízas e as demais funções diretivas mais importantes da Irmandade. Situação recorrente em Salvador, onde angolas e crioulos tinham, nas palavras da autora, o "privilégio étnico". A situação

147 AHRS. Arquivo Particular "Campo dos Teixeiras". Documento Grifo nosso.

148 Relatórios dos Presidentes das Províncias Brasileiras. Império (RS)1830 a 1889.Ano 1859, nº 2. Disponível

em

http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=252263&pagfis=1707&url=http://memoria.bn.b r/docreader#

175 prossegue no século seguinte: das 17 irmandades identificadas pela autora, no século XVIII, dedicadas ao culto de Nossa Senhora do Rosário, no arcebispado da Bahia, nove delas privilegiavam angolas e crioulos nos cargos de direção.

Segundo Grigio (2016), a devoção a Nossa Senhora do Rosário foi sendo construída por centenas de anos até sua consolidação como principal padroeira da população negra da América portuguesa e do Brasil Imperial. Para o historiador:

A construção da devoção a Nossa Senhora do Rosário foi produzida durante vários séculos e é permeada por narrativas fantásticas da intervenção divina na história. Quando o cristianismo estava em perigo, a arma principal contra os pagãos era o rosário. Na expansão marítima europeia, com as caravelas, as irmandades se espalharam pelo mundo, principalmente na África e na América. Milhões foram transportados de um continente ao outro e uma realidade completamente adversa e desumana estava posta. Para os negros, elas surgiram como um mecanismo de solidariedade, de ajuda mútua, de manutenção ou constituição de novas identidades e de novas releituras diante da desagregação social e cultural provocadas pela escravidão. (GRIGIO, 2016, p. 51)

Para o autor, as irmandades eram importantes mecanismos de solidariedade, ajuda mútua, manutenção ou constituição de identidades e ainda de novas releituras diante da escravidão para a população negra. Voltemos nosso olhar para o Litoral Negro do Rio Grande do Sul. Já discutimos o quanto aquela localidade enfrentou problemas relacionados à dificuldade de circulação de pessoas e de meios de locomoção e o quanto parece ter sido esquecida pelas autoridades. Tudo isso gerou uma necessidade para que homens e mulheres escravizados pudessem se unir diante da fé em Nossa Senhora do Rosário para que enfrentassem todas as agruras da escravidão e todas as dificuldades após a entrada pela estreita porta da liberdade. A Irmandade do Rosário, portanto, foi uma importante rede da população escravizada e liberta.

João José Reis (1991), ao analisar a Bahia, destaca que existiam irmandades poderosíssimas cujos membros pertenciam à nata da elite branca colonial. No topo destas irmandades estavam as Santas Casas de Misericórdia. No compromisso da Misericórdia de Lisboa, de 1618, o mesmo que regia na Bahia, constava que os membros deveriam ser alfabetizados e “abastados de fazenda” e proibia a presença de trabalhadores manuais. Além das Santas Casas, as irmandades da Ordem Terceira, destacando a de São Francisco e do Carmo, também eram frequentadas por aristocratas. O autor usa o termo “irmãos de raça” para relatar as divisões das irmandades: de pretos, de pardos e de brancos. Porém, as mais numerosas eram formadas pelos “homens de cor” (crioulos, mulatos e africanos). No caso das

176 irmandades africanas, elas dividiam-se de acordo com a etnia de origem dos seus membros. Segundo Reis:

As irmandades tinham dessa maneira a função implícita de representar socialmente, se não politicamente, os diversos grupos sociais e ocupacionais da Bahia. Na ausência de associações propriamente de classe, elas ajudavam a tecer solidariedades fundamentadas na estrutura econômica, e algumas não faziam segredo disso em seus compromissos quando exigiam, por exemplo, que seus membros possuíssem, além da adequada devoção religiosa, bastantes bens materiais. Mas o critério que mais frequentemente regulava a entrada de membros nas confrarias não era o ocupacional ou econômico, mas o étnico- racial. (REIS, 1991, p. 53)

Para Reis (1991), portanto, as irmandades possibilitavam a tessitura de solidariedades entre seus membros. No caso da Irmandade de Rosário de Mostardas, nota-se que esta solidariedade resiste até a atualidade, como no caso do Ensaio de Pagamento de Quicumbi, que será abordado na sequência, cujos membros, muitos deles ligados por laços de parentescos, unem-se com outros irmãos para juntos realizarem o ritual religioso que remonta ao período da escravidão e/ou para prestigiar a festa anual de Nossa Senhora do Rosário.

Outro trabalho importante para pensarmos a Irmandade Nossa Senhora do Rosário é de Muller (2008, p. 267) que destaca que a Irmandade de Porto Alegre foi fundada em 1786, quando cerca de 220 pessoas, a maioria negra, assinou a ata de fundação. A Irmandade preocupava-se com a questão educacional e com a ideia de formação de pecúlio, que foi estimulada, visando que os escravizados pudessem comprar a carta de alforria; além disso, foram construídos, ao redor da Igreja, casas para moradia e para pequenos estabelecimentos comerciais. Diante do apoio e da rede de solidariedade formada pelos membros da irmandade, a autora notou que havia uma quantidade significativa de bens nos testamentos pesquisados. No caso de Mostardas, conforme foi demonstrado anteriormente, houve vários grupos de negros libertos que conquistaram terras e bens de seus antigos senhores e senhoras. Estes geralmente ou eram solteiros e sem filhos ou casais sem herdeiros diretos, mas é provável que outros libertos tenham conquistado sua liberdade mediante ajuda da Irmandade do Rosário.

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Cantiga Chora Makamba

Mas este mundo não é nosso, meus irmãos Ô Chora Makamba, chora nauê (bis) Mas este mundo é um engano, meus irmãos Ô Chora Makamba, chora nauê (bis) Mas, a Santinha está chamando meus irmãos

Ô Chora Makamba, chora nauê (bis)

Sobre o significado do termo Makamba que aparece na cantiga entoada no começo do Ensaio de Pagamento de Promessa, Lopes (2005) elucida:

Termo com que os escravos bantos denominavam seus pares e pelo qual, no Rio antigo, as quitandeiras chamavam os seus fregueses. Na antiga seita cabula, o termo era utilizado para designar adeptos do sexo feminino. Do quibumdo makamba, plural aumentativo de kamba, "amigo", "camarada". (LOPES, 2005, p. 402)

Makamba, desse modo, é um termo que representa os “pares”, aquelas e aquelas que estão passando pelas experiências da escravidão. Acima de tudo, destaco que Makamba poderia designar os amigos, camaradas. Desse modo, no Ensaio, os Makambas são aqueles irmãos unidos da fé em Nossa Senhora do Rosário.

Eu havia lido os excelentes trabalhos de Lobo (2010) e Witt (2015), sobre o Ensaio de Pagamento de Promessas, assistido a uma apresentação da Irmandade de Teixeiras na Festa de Nossa Senhora do Rosário, em 2016, e escutado alguns relatos dos devotos da Santa sobre o ritual. Porém, o que vi e senti nas mais de 13 horas do Ensaio realizado nos dias cinco e seis de maio de 2018, levou-me a um outro espaço-tempo. As cantigas, os tambores, os pandeiros, as caninhas, a ginga dos dançantes, os relatos de fé, a entrega dos dançantes, muitos deles idosos, dançando e cantando por horas, possibilitaram perceber o quanto o litoral negro do Rio Grande do Sul possui redes formadas ainda no século XVIII e XIX e que se fortalecem na atualidade.

Assim, como a Irmandade do Rosário existe desde o século XVIII, o Ensaio pode ter surgido durante a escravidão. As narrativas apontam que a Santa ensinou as danças e os cantos para um negro e assim, através da oralidade e da observação, ele existe até a atualidade. Moreira (2016), ao analisar a apropriação negra do espaço católico, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, traz um requerimento realizado por João Francisco Bernardo, um africano, liberto, ao Chefe da polícia, em 25 de outubro de 1850. João pedia autorização

178 para realizar seu ensaio "para a dança que costuma sair pelo Natal com o nome de quicumbi". Acrescentou que se comprometia a não fazer "bulha" ou "algazarra". Quanto à localização, informou que o ensaio seria no terreno de sua casa situada no Beco do Rosário. Sobre a data e o horário, apontou que seriam realizados somente no domingo e nos dias santos, das 16 às 18 horas. Declarou ainda que "seus ensaios são decentes para poder dançar em casa de famílias particulares pelo Natal".

Pelos apontamentos de Moreira, percebe-se que o ensaio de quicumbi, que João Francisco Bernardo solicitou, era realizado no Natal, à tarde, durante duas horas. No ensaio observado em Mostardas, temos a realização sempre que um promesseiro paga sua promessa. Portanto, sem data fixa; e não são duas horas, são mais de 12 horas de cantos e danças para Nossa Senhora do Rosário. Silva (2015) investiga os cacumbis que ocorriam juntamente à Festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, na cidade de Tijucas, no estado de Santa Catarina. Seu recorte temporal dá-se a partir do final do século XIX até a primeira metade do século XX. Neste período, o cacumbi foi realizado pelos egressos do cativeiro e seus descendentes nas regiões rurais do litoral catarinense. O autor aponta oito localidades que dançavam o cacumbi, mas atualmente apenas uma localidade ainda possui o cacumbi. Aqui temos um dado importante a ser observado, a Santa apareceu no litoral, em áreas rurais.

Pelo litoral, a existência da devoção a Nossa Senhora do Rosário, as festas e os rituais religiosos, envolvendo a devoção, chamaram a atenção de pesquisadores. Antônio Stenzel Filho (1980) publicou, em 1924, o primeiro livro da cidade de Osório, município localizado no litoral norte do Rio Grande do Sul. Nele, o escritor fez seus apontamentos sobre a Festa do Rosário, realizada na localidade, ao que tudo indica, no século XIX, já que a obra aborda os costumes locais até o ano de 1872. Segundo o escritor, “a parte característica da Festa do Rosário era a dança dos negros”. Nesta ocasião, presenciou o encontro dos Quicumbis com os Moçambiqueiros e fez algumas considerações quanto às semelhanças e diferenças dos dois grupos devotos de Nossa Senhora do Rosário, conforme quadro a seguir. Porém, cabe pontuar que Stenzel visualiza os grupos com seu olhar do momento, impregnado de estranhamento e de preconceito e, portanto, o texto possui algumas palavras pejorativas.

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Quadro 16. Descrições dos Quicumbis e Maçambiques, segundo Stenzel (1980)

Características Quicumbis Moçambiques

Membros Negros crioulos nascidos no Brasil

Negros africanos Localidade Maioria eram residentes no

distrito da Vila e em Palmares

Residiam em Morro Alto Instrumentos de percussão Reco-reco e tambores Tambores e puíta (cuíca)

Cantos “impregnado de misticismo religioso”

Vamos nos embora Não fica ninguém A Virgem do Rosário

E a Maria também

“nem de leve se referia à religião”

A canoa virou Deixa virar De boca pra baixo

De fundo pra o ar Vestimentas capitão-chefe: boné, banda,

espada e fita a tiracolo. demais dançante: pés no chão,

camisa de manga, calças brancas, avental branco, capacete de papelão ornado de

plumas e fitas, nas pernas usavam um guizo.

Descalços, calças brancas, na cabeça usavam um lenço,

balainhos “machacaz” nas pernas

Para Stenzel, os Quicumbis eram formados por negros nascidos no Brasil, enquanto os Maçambiques eram africanos. Não é possível identificar os dados que o escritor utilizou para chegar a esta conclusão, mas entre os “quicumbis” de Teixeiras, por exemplo, é possível identificar dois africanos que foram dançantes da Irmandade. O avô do atual Rei do Congo da Irmandade de Teixeiras era dançante e capelão. Segundo Seu Madir, Fabrício era africano e foi escravizado em Minas Gerais, chegando em Mostardas fugido. Outro africano dançante de Ensaio foi Antônio Zabela. Desse modo, não eram somente negros nascidos no Brasil que participavam do Quicumbi. Quanto à localidade de origem dos grupos, Stenzel menciona que os Quicumbis eram da Vila e de Palmares do Sul, porém na comunidade quilombola do Limoeiro as memórias do Quicumbi são muito esparsas, visto que a maioria dos entrevistados não se lembra do ritual. Pode-se pensar que Stenzel está mencionando outro grupo de negros, ou pode ter confundido com o grupo de Mostardas, vizinho de Palmares do Sul.

Conforme foi analisado anteriormente, a região litorânea apresentou vários grupos de escravizados que conquistaram terras e liberdade, ainda no período da escravidão, além disso

180 apontamos para a existência de famílias negras pela região. Estas experiências podem ter confundido Stenzel e levaram-no a mencionar que os Quicumbis eram negros nascidos no Brasil.

Segundo Stenzel, nove dias antes da Festa do Rosário, os Quicumbis já batucavam e cantavam. O grupo era formado por duas “varas”, ou seja, duas filas, com seis a oito homens, cada uma. Na frente, ficava posicionado o capitão-geral que começava os cantos e as danças. No meio do grupo estavam os tamboreiros e outros dançantes, que tocavam o reco-reco. Na véspera da festa, os Quicumbis iam ao encontro dos Moçambiqueiros. Este momento, segundo o escritor, era rodeado de formalidades, entre elas a Embaixada, momento em que havia a participação dos reis ou chefes dos Moçambique. As danças e os batuques iam até mais de meia-noite.

No dia da Festa, os dois ternos negros apresentavam-se. Às dez horas, os Quicumbis saíam da casa do Festeiro e iam buscar o Rei Congo e a Rainha Ginga. Juntos, iam até a Igreja para fazerem a coroação dos reis do dia (reis da festa escolhidos em sorteio), e assistir à missa. O cortejo, que ia rumo à Igreja, estava organizado da seguinte forma: na frente dos grupos, estava a Bandeira do Rosário; em seguida, estavam os Quicumbis, dançando e cantando; depois, seguiam os Reis do Congo, a Rainha Ginga e os Reis do dia, todos debaixo de chapéu de sol aberto carregado pelos pajens. Atrás, muitos negros, seguidos dos Moçambiques que iam em silêncio e sem dançar. Quando o cortejo chegava à Igreja, o padre