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140 Entrevista com Primo Neves, Limoeiro, em 2008.

141 Relatório sócio-histórico e antropológico da Comunidade Remanescente Quilombola do Limoeiro, 2008.

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Capítulo 3

CAPÍTULO 4 -

CAPÍTULO 5 -

UMA

REDE

DE

FÉ:

“QUANDO

TUDO

ESTÁ

PERDIDO,

RECORREMOS

A

NOSSA

SENHORA

DO

ROSÁRIO”

CAPÍTULO 6 -

No litoral negro do Rio Grande do Sul, há vários camponeses negros fiéis de Nossa Senhora do Rosário. Essa fé é expressa, como pôde observar esta pesquisadora, nas imagens que possuem da Santa em suas residências, nas orações para proteção da casa, da família e da agricultura e nos rituais religiosos. Importante mencionar que há outras religiosidades no litoral gaúcho e outras devoções a santos, mas se destaca a devoção a Nossa Senhora do Rosário devido à longevidade desta prática religiosa pelos camponeses negros litorâneos. Neste capítulo, analisaremos, portanto, uma rede de fé em Nossa Senhora do Rosário formada pelos camponeses negros do litoral do Rio Grande do Sul. Uma devoção que remonta ao período da escravidão e tem em Nossa Senhora do Rosário a Santa protetora dos negros.

Abordaremos a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Mostardas, fundada no século XVIII, e que se mantém até a atualidade a partir do Ensaio de Pagamento de Promessas ou Ensaio de Quicumbi, que é um ritual religioso afro-católico em que homens negros dançam e cantam por aproximadamente 12 horas, do pôr do sol ao raiar do dia, em agradecimento por um pedido atendido pela Santa. A origem de tal ritual remonta ao período da escravidão, época em que a Santa apareceu na beira do mar, deu as mãos a um negro e a ele ensinou todas as danças e cânticos, que foram transmitidos pela oralidade e pela observação dos atuais dançantes da Irmandade. Também acionaremos a Festa do Rosário, que ocorre anualmente nas terras da comunidade remanescente quilombola de Teixeiras. Tanto o Ensaio quanto a Festa são espaços de fé que reúnem diversos parentescos negros do litoral. A

170 fé na Santa e os percursos que os camponeses negros realizam, especialmente com o Ensaio, estendem simbolicamente o território negro pelo litoral. Weimer (2013), já em seus apontamentos finais da tese sobre a gente de Felisberta sugere:

Não terá passado batido aos atentos e decepcionados leitores o fato de eu ter apresentado, como epígrafes, um canto do Maçambique, dança ritual em louvor a Nossa Senhora do Rosário, e um letra de música que fala da memória que passa de geração em geração através do toque do tambor. (...) Finalizo retornando ao princípio deste texto, apontando perspectivas de novas pesquisas. Se o passado é revisitado através de uma memória que remete à escravidão, expressando assim uma “consciência histórica” uma boa proposta para análises vindouras é verificar como tal se deu em sua devoção à santa católica e no rufar dos instrumentos de percussão. (WEIMER, 2013, p. 428)

Desse modo, neste capítulo, visamos contribuir com estudos referentes à fé em Nossa Senhora do Rosário, conforme aponta Weimer, mas, no caso do Litoral Negro, analisaremos a partir do Ensaio e da festa anual da Santa. A primeira vez que se conheceu a fé em Nossa Senhora do Rosário foi numa saída de campo no Limoeiro, no ano de 2008, quando há poucos dias havia sido realizada a Festa da Santa na localidade de Bacupari, Palmares do Sul. O interesse pela devoção dos camponeses negros provinha, principalmente, do antropólogo da equipe de elaboração do Relatório sócio-histórico e antropológico, Iosvaldyr, que sempre indagava os entrevistados sobre as memórias do Quicumbi, pois em sua tese de doutorado abordou o Maçambique de Osório, um ritual afro-católico de devoção a Nossa Senhora do Rosário, que também envolve danças e cânticos. Além disso, durante a pesquisa no Limoeiro, conhecemos Preta, quilombola de Morro Alto, atual Rainha Ginga do Maçambique. Naquela oportunidade, ganhamos um livro de Morro Alto e ensinamentos do Maçambique. Alguns anos depois, o Quicumbi e a consequente fé em Nossa Senhora do Rosário ressurgiu para esta historiadora ao ter contato com a Festa e principalmente com o Ensaio de Pagamento de Quicumbi.

Podemos compreender a fé em Nossa Senhora do Rosário a partir da perspectiva do catolicismo negro. Azevedo (2003) ao investigar as experiências culturais dos africanos e de seus descendentes, no Brasil, no século XIX argumenta que:

A força do mundo cultural africano no Brasil do século XIX pode ser visualizado através do catolicismo muito peculiar engendrado pelas pessoas negras, contrariando o controle do clero. Como sugere Roger Bastide, o catolicismo negro foi o santuário precioso que a Igreja branca, sem querer ofereceu aos africanos levados para o Brasil. Neste santuário, os africanos e seus descendentes, espalhados pelas fazendas e casas urbanas brasileiras, guardavam

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os valores mais importantes das suas religiões nativas. Eles guardavam estes valores religiosos, não como relíquias, mas sim como 'realidades vivas'. (AZEVEDO,2003, p. 121)

De acordo com a autora percebe-se que a igreja católica, ao permitir a existência do catolicismo negro, involuntariamente garantiu que africanos e seus descendentes pudessem vivenciar seus valores religiosos. Entretanto, o convívio com o catolicismo negro nem sempre foi tolerado. No caso das experiências dos fiéis do litoral negro há relatos de perseguição de membros da igreja católico para tentar coibir e regrar as manifestações religiosas. Além disso, o Estado, no período da ditadura civil-militar, a partir do uso da força policial coibiu as manifestações do Ensaio de Pagamento de Promessas a Nossa Senhora do Rosário.

Azevedo destaca que a igreja católica manteve a unidade do seu dogma, porém a "pesada" influência das culturas africanas propiciou um novo catolicismo engendrado a partir de uma perspectiva cultural diferente. Diante desta nova realidade a igreja católica passou a conviver com o catolicismo negro composto por irmandades religiosas negras e suas distinções étnicas africanas; pelos santos negros e suas festas específicas; pelos anjinhos negros abrindo as procissões sagradas dos fiéis negros, e particularmente pelas Congadas, momentos que inclusive as igrejas locais patrocinavam a coroação de casais negros, reis e rainhas. O catolicismo negro foi paulatinamente "acomodado" pela igreja branca que impediu assim a separação dos dois catolicismos.

Foto 12. Folder da Festa de Nossa Senhora do Rosário em