• Nenhum resultado encontrado

Em Mostardas, destaca-se a construção do Porto do Barquinho, em 1976, a partir de um canal que ligava o arroio do Barquinho à laguna dos Patos. Desde o final do século XIX, o governo estadual tinha intenções de começar as obras do porto para viabilizar a carga e a descarga de produtos da região, principalmente para Porto Alegre e Rio Grande69. Tal iniciativa não foi considerada como suficiente para o escoamento da produção, principalmente no caso da cebola, pois não haveria como transportar o produto no porão das embarcações, por ser uma mercadoria perecível.

68 http://historiasvalecai.blogspot.com.br/2013/09/2681-outra-grande-obra-do-engenheiro.html

69 Casa de Cultura de Mostardas. Relatório de Atividades, nº 23, Pesquisa sobre o Porto do Barquinho. Recorte

95

Mapa 3. Portos e ferrovia do litoral do Rio Grande do Sul70

Pelo mapa 3, nota-se que a navegação pela laguna dos Patos, tanto pelo porto de Palmares, quanto pelo porto do Barquinho, em Mostardas, possibilitava contatos com outras localidades, como Porto Alegre, Tapes, Camaquã, São Lourenço, Pelotas e Rio Grande. A ferrovia, saindo de Palmares do Sul, ia até Osório e a navegação seguia até Torres. Os portos e o trem possibilitaram novas experiências para o litoral, porém esta estrutura foi desativada, nas décadas de 1960 e 1970, paralelamente ao debate sobre o asfaltamento da “Estrada do Inferno”.

Antes das obras de construção da BR 101, o trajeto poderia ser realizado de jipe. Segundo a memória do quilombola do Limoeiro, S. José Carlos, aquele meio de transporte era o “táxi da localidade”. Esta problemática de deslocamento dificultava o dia a dia das famílias. A quilombola Dona Osvaldina da Costa Carneiro, moradora de Teixeiras, comenta que, quando estava grávida de sua filha Marisa, teve que ir até o hospital de Mostardas com um trator devido às más condições da estrada. Embora existissem parteiras na localidade, entre elas Dona Miguelina, hoje falecida, algumas mulheres iam até o hospital. No caso de Dona

70 As indicações no mapa foram realizadas por mim a partir do mapa disponível no site:

96 Osvaldina, quilombola de Teixeiras, ocorreu a preferência em ir para Mostardas 30 dias antes do parto, prevendo as dificuldades de deslocamento. E o trajeto também dificultava as atividades de lazer, embora não as impedisse, pois as narrativas quilombolas apontam que em dias de bailes eram necessários longas caminhadas de até duas horas para chegar ao destino.

A primeira empresa de ônibus que realizou o trajeto de Mostardas a Porto Alegre foi a Expresso LB, fundada em 1966. Em decorrência das grandes dificuldades no transporte terrestre, a empresa inventou um novo ônibus a partir de um caminhão de guerra norte- americano adquirido de um ferro velho de Porto Alegre. Com esta adaptação, o novo ônibus não atolava e tinha uma maior mobilidade.

A busca pelo fim do isolamento geográfico em que viviam as localidades do litoral era justificada nos jornais do período pela necessidade de escoar a produção por uma via asfaltada e com isso movimentar a economia local. Entre os produtos cultivados no litoral destacam-se a cebola, o milho, o feijão, a soja e, na década de 1930, foi introduzido o arroz. Este produto trouxe novas relações sociais e de trabalho para os camponeses negros, pois os arrozeiros passaram a disputar os terrenos alagadiços que anteriormente tinham baixo valor econômico e estavam na posse, principalmente, do campesinato negro. Além disso, muitos camponeses negros foram trabalhar nas lavouras de arroz. Um trabalho árduo, com manipulação de veneno usado nas lavouras e com refeições precárias.

O aumento da produção do arroz, no Rio Grande do Sul, estimulou a fundação do IRGA (Instituto Rio Grandense do Arroz), com o objetivo de incentivar, coordenar e superintender a defesa da produção, da indústria e do comércio de arroz produzido no Rio Grande do Sul. O IRGA adquiriu, na década de 1940, a Granja Vargas, situada na localidade de Palmares do Sul, para auxiliar na recuperação de pequenos agricultores vítimas das enchentes de 1941. As tabelas abaixo permitem uma reflexão sobre a produção agrícola.

97 Tabela 3. Produção de arroz no município de Mostardas (1950 a 1979)71

Ano Arroz

Área (hectares) Produção (toneladas)

1950 3.542 7.935 1960 7.108 15.637 1970 6.682 19.744 1975 12.816 48.331 1976 9.550 35.812 1977 9.600 36.480 1978 9.000 34.200 1979 12.968 42.817

A partir da tabela 3, nota-se que a produção de arroz duplicou em 1960, quando comparada com o ano de 1950. No decorrer da década de 1970, percebe-se que ocorreu um aumento significativo, chegando a mais de 40 mil toneladas. No ano de 1977, segundo a Folha da Tarde72, Mostardas havia produzido 900 mil sacas de arroz, mais ou menos 35 mil toneladas de cebola e possuía um rebanho de aproximadamente 100 mil cabeças de bovinos e 110 mil ovinos, além de suínos e equinos. Para o escoamento desta produção era necessário que as poucas máquinas da prefeitura fossem utilizadas para desencalhar os caminhões que transportavam aqueles produtos pela “Estrada do Inferno”. A quantidade de arroz teve um grande aumento, pois se, em 1977, a produção era de 900 mil sacas, em 1987, era de dois milhões de sacas de arroz73.

A partir da leitura em periódicos locais, é possível perceber que, pelo menos, desde a década de 1960, havia notícias sobre a precariedade da “Estrada do Inferno” e a consequente necessidade da construção de uma rodovia que escoasse a produção da região, principalmente de arroz e de cebola. Nas diversas reportagens estão presentes várias incertezas, desde aquelas relacionadas aos impasses do começo das obras, até aquelas que anunciavam possíveis paralisações nos serviços. Nos jornais, as diferentes manchetes destacavam a urgência das

71 A tabela foi realizada a partir dos censos agrícolas do IBGE dos anos de 1950, 1960, 1970, 1975 e 1980; já os

anos de 1976 a 1979 a partir de: Casa de Cultura de Mostardas. Relatório de atividades, nº 14, página 4. Recortes sobre Mostardas (1980). Recorte do Jornal do Comércio, 22 de setembro de 1980. No campo “área”, a unidade de medida é tonelada e no campo “produção” a unidade de medida é hectare.

72 Casa de Cultura de Mostardas. Relatório de atividades, nº 12. Recortes sobre Mostardas (1977/1979), página

3. Recorte Folha da Tarde, 26 de abril de 1977.

98 obras: “Até quando Estrada do Inferno?74”; “Uma prisão chamada Estrada do Inferno75”;

“Pânico: obras da estrada vão parar? DAER garante que não76.”; “Isolamento marca a vida da

população”.

Segundo uma reportagem do Jornal do Comércio, de 24 de março de 1977, São José do Norte e Mostardas eram os únicos municípios do estado do Rio Grande do Sul que não possuíam uma rodovia para escoar sua produção, pois o trajeto deveria ser realizado pela “Estrada do Inferno”.

(...) Vimos grandes plantações de arroz, assim como fazendas de porte médio, bem organizadas, criando animais de raça fina. Extensas áreas de cultura de cebola, dentre outras, de pequeno porte, destacam-se o milho, o feijão, a batatinha, a batata

doce, o aipim, o amendoim, além de vários negócios de horta. (...)77

Em 22 de agosto de 1977, o periódico Folha da Manhã78 publicou uma reportagem

sobre a precariedade do trajeto de Mostardas a Porto Alegre, bem como sobre as inúmeras promessas da construção da BR 101 que ligaria Rio Grande, passando por São José do Norte e Mostardas, à capital do estado gaúcho. Tal descaso com a “Estrada do Inferno” é justificado pela reportagem a partir de três possíveis explicações: a localização desfavorável do município, que estava “espremido” entre a laguna dos Patos e o Oceano Atlântico, além da existência de inúmeras lagoas pequenas e de banhados; o município não estava em nenhuma rota direta de uma grande cidade e, por último, não tinha verba suficiente para aquisição de materiais apropriados para calçamento e aterros. Com tantas dificuldades acentuadas com as chuvas de inverno, a comercialização dos produtos ficava comprometida. Conforme informa o Jornal do Comércio, em 19 de agosto de 1983, as más condições da estrada acarretavam na perda de milhares de toneladas de cebola, alho, arroz, entre outros produtos que não foram listados pela reportagem.

74 Casa de Cultura de Mostardas. Relatório de Atividades, nº 11. Recortes sobre Estrada do Inferno (1980).

Página 4. Freguesia das Águas, Mostardas, 6 de julho de 1989.

75 Casa de Cultura de Mostardas. Relatório de Atividades, nº 11. Recortes sobre Estrada do Inferno (1980)

Página 5. Freguesia das Águas, Mostardas, 2 de agosto de 1989.

76 Casa de Cultura de Mostardas. Relatório de Atividades, nº 11. Recortes sobre Estrada do Inferno (1980)

Página 7. Freguesia das Águas, 25 de outubro de 1990.

77 Casa de Cultura de Mostardas. Avulsos. Recorte do Jornal do Comércio. 24 de março de 1977.

99