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4.1. Apresentação do material analisado

4.1.1. Folha de São Paulo: breve histórico

“Informação é liberdade, quando disseminada sem restrições” (Editorial da Folha de São Paulo em 31/03/1964)

O jornal Folha de São Paulo foi criado em 1960 com a união do projeto jornalístico das chamadas “Folhas”: a Folha da Manhã, a Folha da Tarde e a Folha da Noite. Historicamente, a primeira das “Folhas” foi a Folha da Noite, criada em 1921, que preencheu a lacuna deixada pelo “Estadinho”, um produto vespertino do grupo O Estado de São Paulo que parou de circular no mesmo ano. O objetivo não era concorrer com os grandes jornais da época, como O Estado de São Paulo e o Correio Paulistano, ambos de circulação matutina, mas sim oferecer um jornal com linguagem mais leve e acessível ao trabalhador urbano no meio da tarde ou no fim do seu expediente, com temas mais palatáveis e sem grandes debates, apresentando preocupações cotidianas que interessariam a esse público, ao qual “o acidente do bonde tinha o mesmo peso da intriga palaciana, e o preço do cafezinho importava mais que a cotação da saca do produto” (PILAGALLO, 2012: 62). O otimismo do alcance da Folha da Noite foi tão grande que gerou uma nova perspectiva em seus donos, a possibilidade de incomodar os grandes jornais, em especial O Estado, e para tanto criaram a Folha da Manhã, em 1925, com linguagem mais formal, seguindo os moldes dos grandes matutinos de São Paulo. Mas esses anos 1920 foram marcados por grande cerceamento da imprensa pelo Estado, em especial durante o governo de Arthur Bernardes (1922 – 1926) que, além de fechar os espaços de tipografia do Estado, também foi responsável pela proibição da circulação da Folha da Noite, devido a suas duras críticas ao Governo Federal. O jornal retomaria os trabalhos tempos depois, mas para preencher a lacuna de seu fechamento surge, em 1924, a Folha da Tarde (PINTO, 2012).

A unificação das “Folhas” se deu na gestão de José Nabantino Ramos que, entre 1945 e 1962, foi o grande responsável pela formação de um corpo jornalístico que alçaria, inicialmente as “Folhas” e a posteriori a Folha de São Paulo, à posição de grande periódico diário nacional, produzindo o que Nabantino chamava de “classe

média para a classe média”, principalmente aos grupos urbanos de São Paulo, em especial pela concepção burguesa e liberal do seu proprietário, pois

“a formação protestante do jornalista deixara-lhe entranhada a ideia de ‘missão’, de lisura e de trabalho que transmitiu à empresa ao longo do tempo (...) Embora rompido com o protestantismo do pai, Nabantino não se libertou de um conceito de salvação pelo trabalho que, aliás, se coadunava admiravelmente bem com o desenvolvimento do capitalismo no Brasil após-guerra. (...) Daí seu estilo ‘sério’, estudadamente sério. Nabantino estava em missão permanente” (MOTA & CAPELATO, 1980: 104-5)

Sob seu comando, a Folha de São Paulo foi pioneira na divulgação científica para o grande público através do Caderno de Ciência e Arte que, sob o aspecto científico, tinha José Reis (ou J. Reis como assinava), um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), como jornalista responsável das publicações que tratavam de apresentar temas científicos para os leitores. A ciência, sob a égide de Nabantino, representava um valor inestimável e um reflexo da modernidade do jornal.

A organização racional e a modernização que Nabantino cobrava do Estado em seus editoriais, tornando-o ferrenho crítico dos mais variados modelos próximos ao populismo (como Getúlio Vargas e Jânio Quadros), também aplicava em sua redação. Pregava o pensamento da classe média como expressão da opinião pública e valorizava temas urbanos como reflexo da modernidade, além de estimular a participação das “elites intelectuais” na promoção dos que deveriam ser os caminhos da nação. Nabantino via nas “Folhas” um molde da racionalidade weberiana aplicada a serviço da comunicação (MOTA & CAPELATO, 1980).

A formação da Folha de São Paulo, em 1960, vem como reflexo de inúmeros problemas econômicos enfrentados por Nabantino, como a grande alta no preço do papel, em 1958, e o contexto de inflação galopante do governo Kubitscheck (1956 – 1961), prejudicando severamente os negócios. Somada às questões econômicas temos ainda a greve dos jornalistas de 1961 que, estimulados pela greve dos bancários que ampliaram em 40% seus rendimentos, exigiam também o aumento nos salários. Aparentemente, o movimento fez Nabantino se desiludir com muitos dos trabalhadores que julgava “leais” em sua redação, que imaginava ser um espaço “racional” o suficiente para não compreender “que a sociedade de classes estava presente, dentro inclusive da empresa que considerava ‘pura’” (MOTA & CAPELATO, 1980: 107).

Como reflexo destes problemas, Nabantino vende a Folha de São Paulo para Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, em 1962. De herança, Nabantino deixa um conjunto de normas e manuais que ainda se manteriam dominantes na Folha, a proposta da constante modernização e a lógica empresarial de um grupo racionalmente estruturado numa rígida organização que seria usada pelos novos proprietários para ampliarem os negócios e consolidarem a Folha dentro daquilo que se transformaria num dos maiores conglomerados de mídia do Brasil.

Octávio Frias, embora tivesse trabalhado na divisão comercial das “Folhas” nos anos 40, era ligado ao capital financeiro, sendo do Banco Nacional Imobiliário (BIN), enquanto Carlos Caldeira era um empresário da construção civil. Passou a predominar uma visão empresarial muito mais do que o enfoque do passado jornalístico de Nabantino e a “jovem” Folha de São Paulo se beneficiaria muito dessa mentalidade dos seus novos donos e do contexto favorável dos anos 60.

Taschner (1992) nos apresenta o cenário de formação da Folha conjugando-o com dois fatores centrais da década de 1960. Primeiramente, temos a significativa produção da indústria cultural no Brasil, favorecida pela entrada do país no contexto do capitalismo monopolista em que diversas ações do Estado se propunham a favorecer o grande capital internacional, sob as alianças da burguesia nacional e militar pós-1964. A entrada das grandes empresas transnacionais promove a expansão do mercado publicitário, em que a apresentação das novas mercadorias vai ter nos meios de comunicação sua peça chave para se aproximar dos consumidores, melhorando decisivamente as receitas de empresas como a Folha, pois

“o aumento da publicidade é vital para o desenvolvimento da indústria cultural, pois ela financia, em parte ou no todo, a maioria dos meios de comunicação (sem falar no merchandising, que também se desenvolveu muito no país nesse período).

Os jornais, que nos interessam mais de perto, tiveram uma fatia razoável desses investimentos” (TASCHNER, 1992: 108)

Além desse fator, a chegada deste grande capital apresenta um novo desafio no que tange à formação do trabalhador para atender suas demandas. Aproveitar as oportunidades de emprego nas indústrias exigia o mínimo de formação escolástica da mão de obra e, principalmente os setores da classe média urbana, pressionam o Estado

por escolas e universidades (ROMANELLI, 2001). Maior qualificação também significava a possibilidade de maiores oportunidades na indústria e, em geral, maior renda para aproveitar a entrada dos investimentos diretos na produção de bens de consumo, que teve seu boom no final dos anos 1960 com o início do Milagre Econômico (1968-1973). Além do incômodo da classe média, existia a nítida pressão do grande capital, que dependia desse crescimento nas vagas escolares para a formação da mão de obra barata necessária para a exploração do trabalho. A consequência direta desse movimento é a expansão do letramento, principalmente dos trabalhadores da classe média urbana, grande público da Folha de São Paulo, aumentando significativamente seu número de leitores.

Assim, o nascimento da Folha de São Paulo é marcado pela crise do fim do período Nabantino seguido pelo crescimento nas mãos dos empresários Frias e Caldeira, num contexto econômico extremamente favorável.

Nos dias de hoje, trata-se do maior jornal do Brasil, com uma tiragem média de 371,1 mil edições diárias, porém se insere num contexto mais amplo no espaço da comunicação por ser o principal produto de um grande grupo iniciado por Frias e Caldeira e que hoje representa o maior conglomerado de mídia do país, chamado de Grupo Folha. Verifica-se assim que a tendência à concentração monetária do capitalismo financeiro contemporâneo também se manifesta no setor de comunicação, como reflexo da expansão das economias pós-industrial e do fortalecimento das atividades de capital no setor de serviços (BELL, 1974; TOURAINE, 1970).

Além da Folha de São Paulo, o Grupo Folha também controla outros jornais, como o Agora e Valor Econômico, este último em associação com outro grande conglomerado midiático, o Grupo Globo. Apresenta também revistas (Serafina, por exemplo) e guias, além de editoras, serviços logísticos de produção de recursos de mídia, como transportadoras e gráficas e, em parceria com outros grupos, inúmeros serviços de internet e tecnologias de informação.

Portanto, mesmo não sendo foco direto desta tese, vale ter em mente que a Folha de São Paulo é uma mercadoria de um conglomerado muito maior e que, como qualquer grande empresa, trabalha seu produto sob a ótica do lucro e da maximização dos rendimentos. O fato inequívoco é que a Folha de São Paulo se apresenta como principal mercadoria do Grupo Folha e, na área de ação do produto, é o de maior abrangência no Brasil ampliando a importância de tornar válido nos debruçarmos sobre seus textos e análises.