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Os corpos humanos desse exército se apresentavam nessas fotografias para ilustrar e vivificar a

sua imagem de disciplina,

organização e robustez. As crianças no lado direito do pelotão central da foto figuram-se espantadas e surpresas. Percebemos também que ao seu lado têm-se soldados que não estavam engajados na realização desse ritual militar, mas procuravam manter a ordem da multidão presente. Esses espaços urbanos estavam sendo limpos e ordenados através de uma imposição e reforço imagético-discursivo que reforçava um grupo e a sua permanência no governo do país. O terror assolou a formação educacional dos jovens dessa região, o silêncio e a

submissão a uma estrutura

hierárquica de organização se colocou como o principal modelo

valorativo na formação dos

caririenses e brasileiros. Os oficiais que participaram dessa investida no Cariri cearense, a saber, foram estes: o Coronel Sotero Rocha (comandante), Ten. Cel. Pedro Teófilo, o Coronel Carlindo Simão e Coronel Torres de Melo, General Dilermando Monteiro, Coronel Hermani Moreira de Castro e o Capitão Virgílio Ney Gomes de Borba (UNITÁRIO, 14/11/1967, p.08).

Esse jornal também

empreendeu a (re) invenção de imagens pejorativas construídas em um imaginário discursivo e visual que se propagava nos jornais da imprensa escrita e radiofônica, como também nos púlpitos das igrejas sobre a figura dos guerrilheiros no Cariri. Segundo Queiroz (2010), a Igreja Católica no Cariri cearense apoiou o golpe de 1964 e cultivou meios de defender os interesses da classe dominante na região. Por

75 exemplo, os padres responsáveis

pela paróquia de Nossa Senhora das Dores em Juazeiro do Norte fizeram caminhadas em consonância com a Marcha feita em São Paulo em prol da Família, de Deus e Pátria em 1964.

Esse exemplo colocado por Queiroz (2010) é ilustrativo, pois essa cidade era a maior no sul do cearense nos anos de 1960, como

também a importância dessa

paróquia como um centro de peregrinação em honra ao Padre Cícero Romão Batista e a Nossa Senhora das Dores (padroeira de Juazeiro do Norte). Para esse historiador e sociólogo, ao assumir como seu pároco administrador o Padre Murilo de Sá Barreto em 1967 indiciava o caráter conservador e a vinculação da diocese e dessa igreja local ao regime7. Pois esse sacerdote enquanto auxiliar do Monsenhor José Alves de Lima, pároco dessa paróquia até 1967, realizou “em Juazeiro do

Norte, quatro grandes

manifestações” e “utilizou a força moral da igreja para trazer um exército de marchadeiras às ruas” (QUEIROZ, 2010: p.123).

No dia 14 de novembro de 1967 outras fotos foram publicadas

por essa imprensa, essas

demonstraram ao leitor o final do embate, as operações realizadas pelo “Exército de Guararapes” e as reações dos guerrilheiros a essa investida. Na mescla de imagens e discursos, fotos e legendas, enfatizava a atividade salvadora desses soldados e figuraram imageticamente os guerrilheiros como inimigos. Por exemplo, no slogan de duas fotos estão escritas as seguintes enunciações: 1-

“Soldados preparam um comboio para novas batalhas no Crato. Poucos instantes depois eles entraram em luta, que hoje chegará a seu clímax, com a derrota da maior parte do contingente inimigo” (UNITÁRIO, 14/11/1967, p.08); 2- “Veículos das tropas legais se movimentam pela zona do Cariri, levando homens para

combater os guerrilheiros”

(UNITÁRIO, 14/11/1967, p.08). Juntamente a figuração fotográfica dessa guerrilha, levamos em consideração a sua construção e os seus usos por essa imprensa. Então, a seguinte questão é pertinente: Como relacionamos, neste trabalho, história e fotografia?

Para Kossoy, a fotografia emana da ação do homem, de suas escolhas, dos meios aplicados para realizá-la, da volição, dos procedimentos e artifícios manejados à realização dos registros visuais. Nesse quadro se arrolam uma dada representação plástica às tecnologias responsáveis pela sua objetivação, que após 1945 com a aceleração dessas técnicas e as transformações

consolidadas em seu campo

enquanto arte se popularizou e tornou-se objeto de reflexão. Conforme ele, carecemos ao pensar a fotografia situá-la nestes três estágios: 1- intenção; 2- “O ato do

registro que deu origem à

materialização da fotografia”; 3- “os caminhos percorridos por esta fotografia” (KOSSOY, 2001: p.40)

Esse objeto como fonte histórica, consoante Kossoy (2001), não pode ser só apreendido em seu aspecto de realidade, de factualidade e no momento particular congelado pelo clique da câmera fotográfica. Entretanto, mormente, envolto de

7 Consoante Queiroz,

“quando Murilo de Sá Barreto assumiu a função de vigário da matriz de Nossa Senhora das Dores, em 1967, já consolidara o seu nome, não apenas o do religioso, mas o do intelectual tradicional, um representante ideológico das classes dominantes, e acima de tudo, um conciliador entre as frações da política oficial do município” (QUEIROZ, 2010: p.123).

76 uma “imaginação criadora” e de

“incursões puramente estéticas” (Id., p.49). Para ele, duas vias podem nortear o estudo das visualidades fotográficas, a saber, a história da fotografia e a história por meio da fotografia.

Ponderamos, neste trabalho, que havia uma inter-relação significante entre a estrutura do texto e das imagens, ou seja, a manipulação da leitura do outro, do leitor e do receptor da visão desse jornal sobre o golpe. Enquanto fotografias contidas dentro da imprensa elas não possuíam a

exposição do nome de seus

fotógrafos, contudo, entendemos, por sua vez, que essas imagens urbanas foram mediadas por fios culturais e sociais. Portanto, a construção imagética sobre a guerrilha urbana do Cariri se constituiu de uma relação entre o presente e o passado, pelas tramas dos diferentes produtores e interventores, que as selecionaram e atribuiu sentido em 1967. Conforme Barthes,

A fotografia de imprensa é uma mensagem. A totalidade dessa mensagem constituída por uma fonte emissora, um canal de transmissão e um meio receptor. A fonte emissora é a redação do jornal, o grupo de técnicos, dentre os quais uns batem a foto, outros a escolhem, a compõe, a tratam, e outros enfim a intitulam, preparam uma legenda para ela e a comentam (BARTHES, 1982: p.13).

Essas ações militares no Cariri cearense se minutaram nas imagens-discursos como exemplo e sinônimo de eficácia desse exército em alusão a resistência8 alojada nessa espacialidade. As fotografias encontradas sobre esse combate se

compunham de legendas e

resguardavam a identidade dos fotógrafos que as fizeram. Dessa forma, ficamos impossibilitados em pensar sobre as influências das técnicas fotográficas de seus autores. Contudo, verificamos que elas eram utilizadas prioritariamente pelo jornal como elemento de prova, símbolo de verdade e sinal que ficaria no tempo para demonstrar essa façanha de uma dada libertação caririense dos guerrilheiros. Essa pretensão fotográfica subjaz em outras, a saber, em um resquício do outro negado, da denúncia de malfeitores, nos traços de sua existência, de sua reação no interior cearense e a construção de um sentimento de aversão por alguns habitantes do Estado a essa campanha.

A partir disso,

circunscrevemos este artigo na segunda via, ou seja, pensamos através das imagens fotográficas e discursivas as ações militares contra a guerrilha urbana no Cariri cearense

(1967). Dessa maneira,

compreendemos que elas foram abrolhadas com o fito de ratificar ao leitor dado acontecimento. Para isso, optaram pelo modelo do registro nos moldes de documentário, colocaram em segundo plano o recurso da pose e esquadrinharam flagrar os momentos de ações e de prélio. Portanto, a ideia de dar a perceber o movimento nas imagens corroborava o uso do corpo dos oficiais e policiais para fomentar a sua imagem de heroísmo e do arsenal bélico que possuíam9 para os caririenses e cearenses.

Conforme Barthes (1982), a fotografia é um artefato híbrido, ou seja, é um produto criado por um

8 Conforme Gaskell

(1992), a fotografia é um instrumento visual pelo qual fatos e acontecimento de um passado e de um presente-passado atualmente estão sendo colocado em circulação no campo visual das pessoas, seja em seus ambientes de trabalho, lazer, convívio privado ou público. Essa acessibilidade está relacionada com o caráter emocional que envolve a ação de fotografar e ser fotografado, ou seja, “a fotografia traz em si uma relação material e causal com seu sujeito” (GASKELL, 1992: p.263). Dessa forma, consideramos sugestiva e pertinente esta chamada de atenção em relação ao papel do fotógrafo nessa rede de interações sociais pensada por Gaskell: “Pode-se argumentar que a ideia do “olho inocente” não é mais defensável e que a câmera é sempre uma presença intrusa” (Id. p.266).

77 aparelho técnico, mas também

manuseado pelo homem nesse fazer. O mover desse instrumento pelo fotógrafo lhe agrega o caráter cultural, histórico e social, pois é ele que o elege, baliza e produz a partir de suas expectativas, desejos sociais e profissionais. Por exemplo, é ele que escolhe o seu status como arte

ou produto do mercado,

submetendo-o ou não ao seu campo do conhecimento. A fotografia, para ele, é produto e objeto, por isso, requer uma metodologia e carece de uma análise singular, isso não denota que essas duas características não estejam relacionadas. Mas, para viabilizar o estudo e torná-lo exequível é necessário decorrer dessa maneira, contudo não se esquecendo de sua existência relacional. Outra questão assentada por ele é que a estrutura fotográfica não está apartada de outras estruturas, como o texto. Elas possuem lugares diferentes, mas se complementam, produzem sentidos juntas e separadas. Essa bricolagem de linguagens também fora erigida pelo Jornal Unitário para expor as informações das intervenções militares no Cariri cearense.

Essa indução da linguagem escrita, em sua ordenação e estruturação discursiva, agenciou um detalhamento da imagem, uma

exposição de elementos que

associava ao visual os sentidos por ela cogitados. Essa imagem e organização do exército, naquele momento, representava a eficácia da SSG, do acometimento direto ao movimento de guerrilheiros que se disseminavam no Cariri cearense. Marcou-se pelo movimento, pela penumbra dos corpos urbanos em

uma ação efetivamente prática dessa missão contra a guerrilha urbana nessa espacialidade e reverberou a sua versão desse fato como sendo a verdadeira.

O fito dessa incumbência por esses militares se embasava a partir do sentimento de que estavam desempenhando o seu papel de

protetores da pátria e de

mantenedores da harmonia nacional.

Essas imagens-discursivas

perpassaram a feitura das matérias e fotografias sobre a guerrilha no Cariri. Elas reforçavam igualmente a ideia da realização de uma dada cruzada contra os ditos comunistas e agregaram-na aos ideais católicos, políticos e econômicos. Segundo Motta (2000), estes dois momentos foram fortes para energizar algumas imagens pejorativas ao comunismo: 1- sua propagação e perseguição nos anos de 1930; 2- década de 1960. Esses, por sua vez, instituíram-se no âmago de dois regimes ditatoriais na história do Brasil, ou seja, o Estado Novo e a Ditadura Civil-Militar.

Essa documentação

fotográfica visibilizou certo clímax na batalha e confronto direto entre os guerrilheiros e o exército no sul do Ceará. Tendo abatido uma parte dos guerrilheiros do Crato, essa força oficial de intervenção dispersou aqueles que fugiam de Missão Velha e Juazeiro do Norte, adentrando-se nos brejos cratenses. Procuravam então passar a fronteira do Ceará em direção a Pernambuco para procurar apoio dos guerrilheiros desse estado. Contudo, a estratégia de impugnação se perpetrou para deixá-los sem subterfúgio, para isso a formação do exército para o ataque às guerrilhas

e seus armamentos foram

9 Consoante Monteiro, “a

fotografia é uma convenção do olhar e uma linguagem de representação e expressão de um olhar sobre o mundo. Nesse sentido, as imagens são ambíguas (por sua natureza técnica) e possíveis de múltiplas interpretações (em relação ao meio através do qual elas circulam e do olhar que as contempla). Por isso, para a sua interpretação, são necessárias à compreensão e a desconstrução desse olhar fotográfica, através de uma discussão teórico-metodológica, que permita formular problemas históricos e visuais, no sentido de que a dimensão propriamente visual do real possa ser integrada à pesquisa histórica”. (2012: p.13).

78 financiados pelos Estados Unidos da

América. Em relação a essa ajuda estadunidense, segundo Jornal Unitário, os aviões que seriam utilizados para combater as guerrilhas chegaram a Pernambuco no dia 15 de setembro de 1965 e que esse arsenal bélico vinha da ajuda estadunidense, ou seja, eram “cinco aviões norte-americanos equipados com metralhadoras e outras armas especializadas na guerra guerrilha”. (UNITÁRIO, 15/09/1965, p. 06).

Temos também a presença nesse jornal de fotografias que realçavam tal arsenal militar. Essa figuração imagética da força armamentista se utilizou para comover ao leitor pelo impacto visual e simbólico da guerra, outra estratégia também foi à imagem do

soldado abatido, símbolo da doação da vida dos militares pelo bem da pátria. Portanto, essa ação evidenciava o movimento do corpo do soldado e seu engendramento como símbolo desse momento de intervenção das forças armadas. Nesse momento, avigoraram-se, igualmente, as imagens pejorativas divulgadas sobre os guerrilheiros no Cariri e mobilizaram-se as redes de solidariedade em torno do exército e as imagens de soldados abatidos no campo de batalha. Tais imagens, contudo, escolheu-se para dar visibilidade aos sacrifícios e a doação que o Exército de Guararapes fizeram no campo de batalha, principalmente em Crato, Juazeiro do Norte e Missão Velha.

IMAGEM IV

79 Essa imagem nos propiciou

conferir que ouve no Cariri cearense uma resistência armada e essa agiu, em primeiro plano, como defesa já que o exército invadiu essa região para desmobilizar a o processo formativo de seus integrantes. Esse prélio sucedeu em Crato e se efetuou contra, segundo o Unitário, os “guerrilheiros comunistas”. Essa segunda palavra se utilizou tanto no texto escrito, como se figurou em gestos e cenas nas fotografias para objetivar a primeira. Portá-la de sentidos temporais e ligá-la as imagens anticomunistas forjadas no Estado Novo favorecia a sua recomposição, dava-lhe acepção e visibilidade. O discurso oficial, portanto, compenetrou aos cearenses que essa ação das forças armadas se

fizera com o propósito de

salvaguardar os caririenses e cratenses dos comunistas.

Para isso, não pouparam munição e nem contingente militar para desmobilizar essa guerrilha, por exemplo, chegaram ao Cariri cearense nesse período 22 viaturas para fortalecer o Exército de Guararapes. Esse montante militar não amedrontou a resistência desse

grupo, resultando em uma

defrontação entre esses dois grupos que ocasionou a morte de soldados e guerrilheiros. O exército, entretanto, conseguiu restituir o número dos soldados abatidos, por exemplo, segundo o Unitário, “durante a realização dos combates, as “guerrilhas” já fizeram várias baixas às forças regulares” (UNITÁRIO, 14/11/1967: p.08). Porém, os guerrilheiros não desfrutavam dessa possibilidade e isso os enfraqueceu.

Estando, assim, os

guerrilheiros acuados e com uma impactante diminuição de seu grupo, procuraram fugir dessa região e adentrar os brejos pernambucanos. Para isso, os aglutinados em Missão Velha foram em direção ao Juazeiro do Norte para depois partirem para o

Crato, cidade adjacente a

Pernambuco. Mas, as tropas

legalistas se agruparam em algumas cidades dessa fronteira para cercá- los e impedir a fuga, como Salgueiro. Para o Unitário,

Ao final das manobras a 10ª Região Militar realizará concentração cívico- militares nas localidades de Crato, Juazeiro, Picos e Caxias, todas inéditas nestas localidades. Os “guerrilheiros” vencidos e convencidos da fragilidade de seus pontos de vista, reintegrados no clima de patriotismo sadio tomarão parte nestas concentrações, ombreados com as “tropas vencedoras”. A partir das 8 horas do dia 13 de novembro o comando da 10ª Região Militar, para fazer face ao desenvolvimento das operações e maior felicidade de controle estabelecerá em Iguatú o seu posto de comando avançado de onde partirá para o Cariri, permanecendo até o final das hostilidades. Participarão da luta contra as guerrilhas no Nordeste as tropas do segundo Distrito Naval e da terceira zona Aérea, ambos sediados na capital pernambucana (UNITÁRIO, 09/11/1967, p.08).

Nesse confronto que se deu

na cidade do Crato alguns

guerrilheiros morreram, outros fugiram ou foram presos. A suas memórias, então, foram camufladas e olvidadas pelo discurso oficial e pela experiência traumática de algumas famílias caririenses, embaciadas pelas imagens negativas

10 A Diocese do Crato, à

época tinha como Bispo Dom Vicente de Araújo Matos, além das ações pastorais (o apoio de D. Vicente na criação no sul do Ceará dos sindicatos dos trabalhadores rurais), possuía como elemento essencial de divulgação popular das ideias anticomunistas propagadas pela Igreja estes seguintes equipamentos que atingiam todas as classes sociais, desde o mais intelectual ao camponês analfabeto caririense: Rádio Educadora do Cariri, o Jornal A Ação, a Faculdade de Filosofia do Crato, o Hospital São Francisco, os colégios católicos (Por exemplo, Colégio Santa Tereza) e o Seminário São José.

11 O Jornal A Ação foi

fundado em 1939 pela Diocese do Crato no Ceará. Tinha tambémalém do projeto de civilidade cristã o objetivo de combater as ideias e ideais comunistas na região. Para isso, divulgavam o modelo de organização do operariado como base na Encíclica Rerum Novarum (escrita pelo Papa Leão XIII em 15 de maio de 1891). Essa cartaainda reforçava o direito a propriedade e o modelo de família monogâmico-patriarcal. Nessa imprensa, além das manchetes relativas à Igreja Católica e as divulgações pertinentes a essa Diocese, temos colunas de matérias feitas sobre a vida ordinária regional e os acontecimentos político- econômicos que marcaram as suas cidades.

80 que se tinham do comunismo e de

seus adeptos. Procurar versar sobre essa questão na história do Cariri contemporâneo seria, destarte, mexer em reminiscências confusas e que demandaria a emersão em um sentimento de padecimento, tortura e medo.

Essa política do

esquecimento se erigiu mediante duas instituições da época que possuíam prestígio no Cariri, a saber, em primeiro lugar a Igreja Católica

local, com o seu discurso

anticomunista, que o propagava em seus meios de comunicação, na formação intelectual dos caririenses e em suas ações pastorais nas comunidades rurais e urbanas10. E finalmente, o exército, que estabeleceu vários artifícios para precaver uma sacralização dessa resistência e dos guerrilheiros no sul do Ceará, por exemplo, para o Unitário, “depois da derrota dos guerrilheiros os militares integrantes das operações pronunciarão palestras e conferências nas cidades invadidas,

de lutas em guerrilhas e

promostrando a fragilidade do enunciando aulas de civismo ponto de vista daquele tipo para o povo” (UNITÁRIO, 11/11/1967, p.08).

Esse saber-poder do exército promoveu o controle dos corpos e a clausura dessa memória. Isso foi atrelado ao discurso anticomunista da Diocese do Crato que em sua imprensa oficial, o Jornal A Ação11, e ações pastorais nas comunidades eclesiais de base procuraram ressaltar a sua posição contra os ideais comunistas. Em relação a essa investida militar no Cariri esse jornal católico colocou esta nota:

[...] ESPÍRITO DE GUARARAPES desenvolverá o tema de uma conflagração geral no Nordeste por guerrilheiros que obedecem a planos de subversão e incutirá no ânimo dos soldados os ideais de um autêntico patriotismo, caracterizando-se assim mais por uma ação psicológica do que mesmo teste de armas e táticas de combate (A AÇÃO, 04/11/1967, p.01)(grifos nossos).

Enfim, essa imprensa

defendeu para os seus leitores que as ações do Exército de Guararapes seriam preventiva e formativa dos jovens caririenses contra os ideais comunistas. Contudo, essa dada “ação psicológica” não foi feita somente com palestras para a comunidade civil, mas com a promoção de uma invasão armada dessa legião no Cariri e suas manobras visavam desmobilizar a formação de guerrilheiros que acontecia nesse espaço. Para isso, empreenderam duas investidas, uma por meio educativo e a outra pela força bélica.

Considerações finais

Neste artigo, analisamos a construção imagético-discursiva feita sobre a Guerrilha urbana no Cariri cearense pelo Jornal Unitário em

1967. Em nossa análise

confrontamos fotografias e os registros escritos procurando tecer

uma narrativa sobre esse

acontecimento. Como também

analisar a construção e forjamento dessas imagens como estratégia de justificar e convencer os cearenses dessa intervenção militar no sul do Estado. Essa não se deu apenas como “ação pedagógica”, como divulgado pelo Jornal A Ação, mas se

10 A Diocese do Crato, à

época tinha como Bispo Dom Vicente de Araújo Matos, além das ações pastorais (o apoio de D. Vicente na criação no sul do Ceará dos sindicatos dos trabalhadores rurais), possuía como elemento essencial de divulgação popular das ideias anticomunistas propagadas pela Igreja estes seguintes equipamentos que atingiam todas as classes sociais, desde o mais intelectual ao camponês analfabeto caririense: Rádio Educadora do Cariri, o Jornal A Ação, a Faculdade de Filosofia do Crato, o Hospital São Francisco, os colégios