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2. ASPECTOS TEÓRICOS

2.3 Metodologia e etapas da pesquisa

2.3.2 Fontes orais

Os registros de fontes orais e imagéticas sobre a Caninha Verde foram iniciados entre os anos de 2005 e 2006. Inicialmente estes registros não dispunham de um tratamento metodológico específico. A partir de 2008 passei a esboçar a definição de aspectos a serem abordados sobre esta prática festiva e com isso ao longo deste período foi elaborado um roteiro para balizar as entrevistas. São estes materiais compostos a partir de 2008 que integram a presente pesquisa, utilizando um roteiro elaborado de forma semiestruturada e com

perguntas abertas para as reflexões do entrevistado, abordando temas como a Caninha Verde e o modo de vida e festas no ambiente rural e urbano em Vassouras, assim como temas paralelos, tais como família, trabalho e memórias de vida, com o propósito de observar as relações entre os participantes diretos e indiretos, os espaços festivos e a prática festiva estudada (Anexo). Foi incluída também no conjunto de fontes orais a filmagem realizada em um encontro de “Calangueiros” do grupo Itakalango de Vassouras com o Seu Filhinho Santana, principal referência neste estudo sobre a Caninha Verde em Vassouras, A própria narrativa dos versos de improviso registrados nesta filmagem também se tornaram objeto de análise.

A relevância dessas entrevistas para a presente pesquisa deve-se pela escassez de informações sobre a Caninha Verde de Vassouras, assim como sobre os espaços festivos que ocupava e o modo de vida de seus participantes. Tais informações, juntamente com as demais fontes escritas do período estudado, contribuem para a análise das transformações ocorridas na prática festiva de maneira contextualizada.

No presente estudo, a possibilidade de se observar aspectos culturais e sociais de Vassouras através das transformações de uma prática festiva não significa que haja um enfoque de preservação, nostalgia ou de resgate, mas sim buscar observar o que a trajetória da Caninha Verde reflete sobre as transformações locais no período estudado. Corroborando as considerações propostas pelo historiador Albuquerque Júnior (2007, p. 231), mas também sem generalizar as abordagens dos pesquisadores do campo cultural, a perspectiva desta pesquisa aspira a diferir das abordagens de determinados folcloristas, etnógrafos e demais

“profissionais da saudade” que pretendem “reencontrar a essência de cada povo, de cada nação, de cada região nos registros de uma ‘cultura oral’ ou ‘popular’ ”.

Além disso, nas entrevistas não houve a pretensão de “dar voz aos desvalidos”, pois esta perspectiva seria extremamente simplista diante da complexidade das escolhas, das contingências, das circunstâncias, dos valores e desafios presentes nas trajetórias de vida dos participantes da Caninha Verde. Outro aspecto é que grande parte das questões propostas nesta pesquisa não representa necessariamente as mesmas inquietações, dúvidas ou demandas dos grupos sociais estudados, pois busco evitar um conteúdo ideológico que introduza artificialmente questões universais em circunstâncias particulares. Sendo assim, é importante ressaltar que parto do princípio de que o pesquisador e suas questões influenciam o resultado da entrevista, mas que tais circunstâncias podem ser mediadas pela clareza do objetivo do estudo, pela configuração metodológica e pelo bom senso. Esta pesquisa enfatiza as memórias

em diálogo com a história e, consequentemente, busca encontrar nos seus registros os indícios de acontecimentos que delinearam processos, como também as formas de construção de sentidos do passado no momento presente das fontes, para elaborar uma versão sobre o objeto de estudo proposto.

Dessa forma, no sentido de buscar pertinência e coerência entre a proposta metodológica e a pesquisa enfocada na memória da Caninha Verde, proponho classificar o processo de constituição de fontes através das entrevistas como registros orais de memória, em detrimento da história oral. Meihy (2002, p. 13) define história oral como “uma prática de apreensão de narrativas” para “a formulação de documentos mediante registros eletrônicos e recolher testemunhos”, com o propósito de serem “analisados a fim de favorecer estudos de identidades e memória cultural.” Assim, conforme explica Alberti (2005, p. 29), “um método de pesquisa, a história oral não é um fim em si mesma, e sim um meio de conhecimento.”

Discutindo essas definições, reporto-me a Paul Vayne (2008, p. 18), ao afirmar que

“a história é, em essência, conhecimento por meio de documentos. Desse modo, a narração histórica situa-se para além de todos os documentos, já que nenhum deles pode ser o próprio evento”, e que seu campo é “inteiramente indeterminado, com uma única exceção: é preciso que tudo nele se inclua tenha, realmente, acontecido” (p. 25). Segundo Albuquerque Júnior (2007, p. 206), o conhecimento histórico constrói-se através da “intervenção de conceitos para a elaboração de um passado que coexista como o presente do historiador”, além de ser “um ponto de vista externo ao acontecimento, e uma interpretação a posteriori do fato, uma conceitualização que trabalha muitas vezes com experiências de inúmeros grupos”. A história, quando não utilizada na perspectiva do senso comum, parte de uma “questão ou problema”, articulando a delimitação “de um campo teórico, a existência de um estado anterior daquele conhecimento numa dada comunidade científica (ou, mais raramente, a proposta de uma nova questão até então desconhecida) e a possibilidade de ser manuseado um fundo documental”.

(WEHLING; WEHLING, 1997, p. 20).

Dessa forma, a ação de constituir fontes, por si só, não é caracteriza história enquanto campo de estudo, como também o que é narrado oralmente se refere primordialmente à memória e não à história em si. As narrativas sobre o passado, quando não são elaborações conceituais, metodológicas, científicas ou de determinadas manifestações artísticas, mas pessoais ou sociais, estas são expressões de memória. Devido às formas com que se constituem, não dispõem de atributos de maior autenticidade ou legitimidade (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007), mas integradas em uma pesquisa demandam análise e

crítica apropriadas como qualquer outro indício do passado. A fonte oral, tão relevante e tão problemática como qualquer outra, quando integrada em um conjunto documental de uma pesquisa, que pode incluir fontes de outra natureza, tais como escrita e imagética, em geral, presta-se à construção de análises com enfoques no âmbito social, cultural, político, dentre outros, que em última instância são estes termos que costumam caracterizar o campo da história em que opera a pesquisa. Para Albuquerque Júnior (2007, p. 234), “indefinida entre uma técnica, um método, uma postura teórica no campo da historiografia, a história oral faz de sua (in)definição ou de sua (im)possibilidade o seu charme, o seu encanto, a sua produtividade.” Em suma, o que está sendo discutido não é a relevância da “prática de apreensão de narrativas” para compor um processo investigativo no âmbito histórico ou social, mas a pertinência semântica com que se enuncia essa prática, considerando coerente considerar o processo de constituição de fontes através de entrevistas como registros orais de memórias.

No documento CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (páginas 37-40)