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Uma apropriação local dos ideais de progresso

No documento CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (páginas 94-97)

3. A CANINHA VERDE

4.5 Uma apropriação local dos ideais de progresso

Paulatinamente, ainda no início do século XX, a cidade começou a mudar o estado de ânimo e ocorreram modificações no espaço urbano. De acordo com Raposo (1935), foram realizadas melhorias no abastecimento de água, na iluminação pública e com a implementação de rede elétrica. Houve também implantação de clínicas para tratamento de saúde devido ao clima favorável de Vassouras e o aumento do fluxo de veranistas. Em 1914 foi inaugurada a Estação da Cidade de Vassouras, que estava inserida no trecho ferroviário que ligava Triumpho a Barão de Vassouras, promovendo um significativo aumento da circulação de pessoas e produtos (RAPOSO, 1935). Em paralelo, o Código de Postura do Município, elaborado por Sebastião de Lacerda (RAPOSO, 1935), acentuava a regulamentação do espaço público e privado. No âmbito das festas carnavalescas tornava-se proibido o Jogo do Entrudo

“nas ruas e praças da cidade ou povoações”, como também “o fabrico ou venda de objecto”

para este fim, tais como “os limões, laranjinhas, bisnagas, pós”. (VASSOURAS, 1910, p.

107), dentre outros.

Avançava a implantação da indústria têxtil São Luiz, trazendo novas perspectivas de emprego na cidade e dando início à formação de uma classe operária. Conforme noticiado, essas novas possibilidades implicavam transformações tanto no meio urbano quanto nas expectativas de progresso local.

O conceito de progresso que imperava à época estava ligado às inovações tecnológicas, entendidas como produção industrial na qual Vassouras pretendia inserir-se com a fábrica de tecidos, principal indústria nacional.

Tal conceito era comum tanto às pessoas que se dispuseram a integralizar o capital da fábrica, de uma forma geral pequenos comerciantes locais e fazendeiros, quanto à população simples do município. (RICCI, 2000, p. 27).

De acordo com Ricci (2000, p. 27), “a implantação da fábrica de tecidos, segundo vemos, representa o forjar de um novo processo produtivo dentro de uma cultura escravocrata-agrária-exportadora”. A autora afirma que “este novo processo produtivo já nasce, ou tenta nascer, na forma de grande indústria, no sentido da amplitude física e da transformação da matéria prima” (p. 27), reportando às análises de Ricardo Antunes (1982 apud RICCI, 2000, p. 27), que afirma que “o processo de constituição e consolidação do capital do Brasil apresenta-se de forma contraditória e conciliatória, já que a indústria convivia concomitantemente com o latifúndio.” Nessa conjuntura, há uma similitude no campo social dessas ambiguidades, pois “os traços de modernização da família defrontam-se com o caráter tradicional do patriarcalismo impresso na cultura brasileira, abrindo espaço para a convivência simultânea de formas novas e antigas de comportamento social”. (ARAÚJO, 1993, p. 35).

O poder público vassourense buscava, de maneira sistemática, trazer a modernidade e o progresso ao município. Propunha-se a realizar tal tarefa pela busca de interligar os distritos à sede, quer pelas vias rodoviárias, quer pelas ferroviárias. Anteriormente, no governo do Marechal Hermes da Fonseca, buscava-se a ampliação da estrada de ferro, por ser entendida como um foco gerador de progresso ao município. (RICCI, 2000, p. 23).

Os carnavais de Vassouras acompanharam a capital federal na tendência à diversidade e ao caráter associativo de formação de grupos relacionados às práticas festivas.

Desde a virada do século XIX para o XX a animação festiva apresentava-se de maneira inconstante, sendo em alguns anos mais empolgada do que em outros. As referências das festividades estavam nos eventos carnavalescos do Rio de Janeiro, tais como os desfiles de carros alegóricos, batalhas de confete, bailes de máscara (O Município, 28 fev. 1903) e as sociedades musicais participam ativamente das festividades: “Não podem a regatear applausos aos valentes rapazes da 26 de Julho, pois, pode-se dizer, foram elles que fizeram o Carnaval deste anno”. (O Município, 16 mar. 1905, p. 2). Um dos últimos registros do entrudo deu-se “a noite, fronteiro a sede do Club [Progressistas Vassourenses], onde havia um baile á phantasia, houve um monumental entrudo de esguichos e baldes de água”. (O Município, 14 fev. 1907, p. 3). Segundo o noticiário de 1911, “sem receio de erro, podemos affirmar que foi

um Carnaval bom, como ha já bastante tempo não temos assistido aqui.” (O Município, 09 mar. 19011, p.1). Neste ano foram fundadas as sociedades carnavalescas à imitação da capital da República.

Foi magnifica a ideia que tiveram nossas gentis conterrâneas, de se constituírem em grupos, como os Democráticos e os Tenentes. Foi magnifica, repetimos, porque a esses grupos devemos grande parte do brilho que teve entre nós a festança de momo. Achamos, porém, que as nossas distinctas conterrâneas devem, para o anno, dar aos grupos que formarem, denominações vassourenses, ou pelo menos outras que não sejam as de clubs de outras localidades, [mormente] da capital. (O Município, 09 mar. 1911, p.

1).

Em um primeiro momento, com o enfraquecimento das fazendas, o núcleo do município não teve o suporte econômico para implementar modernizações que impulsionavam a sociedade brasileira na época. Posteriormente, de forma paulatina vai se evidenciando um rompimento da forma de interação que havia entre as fazendas e a cidade:

com a chegada do trem, o centro urbano finalmente havia se tornado um lugar interligado com os grandes centros e com a própria região. Com a industrialização, surgiram outras influências no modo de viver em comunidade, interagindo com comportamentos arraigados. A cidade tende a consolidar sentidos próprios, que não dependiam mais primordialmente da relação com as fazendas. As circunstâncias estimulam a população a se deslocar para o centro urbano.

Vassouras modernizava-se sem chegar a romper com os aspectos rurais, os quais repercutiam de formas diferentes nas práticas festivas tanto nas fazendas quanto na cidade.

Possivelmente, essas formas locais de aspiração e de adequação à modernidade contribuíram para o desuso de algumas das práticas festivas registradas por Luciano Gallet (1934) na região. Por outro lado, a cidade passava a oferecer novas possibilidades de trabalho, visibilidade e divertimentos inscritos em um ideal de progresso vigente. Provavelmente são estas transformações nos espaços das fazendas e da cidade de Vassouras que contribuíram para as mudanças ocorridas na Caninha Verde. Assim, possivelmente estejam nas memórias de vida de seus antigos participantes e nas figurações que integraram – através de suas escolhas e trajetórias de vida – os indícios que ofereçam uma referência para tais reflexões.

No documento CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (páginas 94-97)