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BARRAGENS 373 ANEXO F – CORTES LONGITUDINAIS DAS BARRAGENS

3. SEGURANÇA DE BARRAGEM DE GRAVIDADE

3.3. Forças atuantes e condições de estabilidade

Nos perfis gravidade das barragens de betão e de alvenaria desenvolvem-se tensões internas relativamente baixas, sendo a segurança condicionada pela estabilidade global da es- trutura como corpo rígido (deslizamento e tombamento) e pelas tensões transmitidas á funda- ção.

As forças a considerar no dimensionamento das barragens da gravidade são (FI- GURA 3.4) as resultantes das pressões hidrostáticas no paramento (FH1, FV1, FH2, FV2); a resultante do peso próprio (FV3); a resultante das pressões da água na base da barragem, desig- nadas por supressões (FV4); as forças de inércia do corpo da barragem e as pressões hidrodi- nâmicas no paramento de montante devidas a ações sísmicas (FH5, FV5, FH6).

Figura 3.4 – Forças consideradas no dimensionamento das barragens gravidade

Fonte: LEC/LNEC (2018).

Para além destas forças importa ainda considerar, em certos casos, as devidas aos impulsos de sedimentos e do gelo e ao impacto de detritos e da ondulação. No dimensiona- mento, é ainda da maior importância a consideração das deformações impostas por variações térmicas, quer as devidas à libertação do calor da hidratação do cimento durante a construção, quer as ambientais ou induzidas pelo enchimento da albufeira, quer, ainda, as deformações im- postas por eventuais movimentos da fundação.

O dimensionamento das barragens gravidade baseia-se na estabilidade e equilíbrio de elementos verticais isolados, os blocos da barragem, separados uns dos outros por juntas de contração, sendo o limite da segurança, em princípio, independente da resistência mecânica do betão ou da alvenaria utilizados na construção e das tensões no corpo das estruturas embora se exija que estas tensões não excedem limites admissíveis.

As tensões de compressão nas barragens gravidade são sempre muito baixas quando comparadas com a resistência à compressão, situando-se muito aquém do limite de linearidade da relação tensões-deformações. Já o mesmo se não passa com as tensões de tração que, local- mente, podem ocorrer. Será mesmo aceitável a existência de fissuração, desde que localiza e não evolutiva.

Conforme RAMOS et al. (2010), o efeito de arco, que se verifica em barragens gravidade de eixo retilíneo em vales apertados, contribui para a estabilidade global da estrutura, mas não é considerado, em geral, na análise estrutural das obras de pequena a média dimensões.

A estabilidade estrutural das barragens gravidade deve ser, assim, verificada, para hipotéticos mecanismos de deslizamento e tombamento.

A Figura 3.5 mostra os mecanismos de escorregamento e derrubamento das barra- gens gravidade. O dimensionamento destas baseia-se na verificação da estabilidade de cada um dos blocos da obra, segundo descrito abaixo:

• Segurança ao deslizamento, segundo qualquer superfície horizontal ou sub-horizon- tal na fundação ou no corpo da barragem (em regra condicionante), como mostra a Figura 3.5a;

• Segurança ao tombamento, em torno de charneiras a jusante (não é condicionante quando não há tensões de tração a montante) , como mostra a Figura 3.5a; e

• Tensões no corpo da barragem e na fundação, como mostra a Figura 3.5b.

Figura 3.5 – Mecanismos de escorregamento e derrubamento das barragens gravidade

(a)

(b)

O deslizamento pode dar-se por planos horizontais no corpo da barragem, corres- pondente ás juntas de betonagem, pelo contacto barragem- fundação ou ao longo de superfícies de descontinuidade existentes na fundação.

Deve verificar-se, em todas as superfícies potenciais de deslizamento, a condição expressa pela Equação (3.1), em que FR é a resultante das forças resistentes e FS, a resultante das forças solicitantes que tendem a provocar o deslizamento. A razão entre FR e FS usualmente designada por fator de segurança ao deslizamento.

≥  ; −  ≥ 0 (3.1)

As forças resistentes são devidas à coesão e ao atrito interno nas superfícies potenciais de des- lizamento e aos impulsos hidrostáticos e passivos que se geram a jusante, contrariando a cine- mática do movimento. As forças que potencilizam o deslizamento são os impulsos hidrostáticos e de sedimentos a montante, bem como os efeitos dos sismos, nas massas do corpo da barragem e da água do reservatório.

A resultante das tensões tangencias resistentes (V), geradas na interface de contato barragem-fundação ou ao longo de superfícies de descontinuidade existentes na fundação, deve atender ao critério de Mohr-Coulomb, conforme mostra a Equação (3.2), em que B é a largura da base da barragem, N é o esforço normal efetivo na superfície, e c e φ são a coesão e o ângulo de atrito interno da interface, respectivamente.

 =  +  (3.2)

Considerando nula a coesão da interface de contacto, apresenta-se na figura 4.6, o cálculo da relação mínima entre a largura da base e a altura de um perfil triangular, a ser veri- ficada em função do ângulo de atrito da superfície de contacto da resultante das subpressões nulas e as subpressões com diagrama triangular com valor máximo igual ao da pressão hidros- tática no pé de montante.

No caso de subpressão total, considerando um ângulo de atrito de 45º na interface (em superfícies devidamente preparadas dos maciços rochosos podem considerar-se valores desta ordem de grandeza) e um coeficiente de segurança da tangente do ângulo de atrito (coe- ficiente de atrito), γφ =1,5, a estabilidade ao deslizamento só é garantida se a base do perfil tiver uma dimensão semelhante à sua altura ou se o perfil tiver entrega na fundação que permita mobilizar um impulso passivo considerável a jusante (considerou-se o peso especifico da água

como γw=10 kN/m3 e o peso específico do betão como γc=24 kN/m3, o que corresponde uma razão entre eles de cerca de 0,4).

A Figura 3.6 mostra um perfil gravidade do tipo triangular sujeito às ações do peso próprio e da água (pressão hidrostática e subpressão), com inclinação do paramento de jusante e ângulo de atrito da interface betão-rocha e coeficiente de segurança de 1,5 para o coeficiente de atrito.

Figura 3.6 – Perfil gravidade triangular sujeito às ações do peso próprio e da água (pressão hidrostática e sub- pressão), para o caso de subpressão nula.

Fonte: Ramos et al. (2010).

As Equações (3.4) a (3.6) apresentam as expressões utilizadas na verificação da estabilidade ao deslizamento da estrutura, e a Tabela 3.2, valores para o ângulo de atrito na condição do coeficiente de segurança ser de 1,5 para o coeficiente de atrito.

  2 = !2"# (3.3) " = !   # (3.4) " =0,4& # (3.5) " = '( )0,4& #* (3.6)

Nas Equações (3.4) a (3.6), γw é o peso especifico da água, γc é o peso específico

do betão, γφ é o coeficiente de segurança da tangente do ângulo de atrito (coeficiente de atrito), B é a largura da base da barragem, H é a altura do diagrama de subpressão, φ é o ângulo de

atrito interno da interface, e n é a componente da razão que determina a inclinação do paramento de jusante (1:n).

Tabela 3.2 – Valores de ângulo de atrito na condição do coeficiente de segurança ser de 1,5 para o coeficiente de atrito

# = 1,5

n=0,6 n=0,7 n=0,8 n=0,9 n=1,0

" = 45° " = 41° " = 37° " = 34° " = 31°

Fonte: elaborada pelo autor.

a) Subpressão total (variação linear)

Para a condição de subpressão total (com variação linear do diagrama de pressões), mostrada na Figura 3.7, são válidos as Equações (3.7) a (3.10) e os valores de ângulo de atrito apresentados na Tabela 3.3.

Figura 3.7 – Perfil gravidade triangular, considerando o caso de subpressão total.

  2 = )!2 − 2*"# (3.7) " =(  ! − )   # (3.8) " =0,667& # (3.9) " = '( )0,667& #* (3.10)

Tabela 3.3 – Valores de ângulo de atrito na condição do coeficiente de segurança ser de 1,5 para o coeficiente de atrito

# = 1,5

n=0,6 n=0,7 n=0,8 n=0,9 n=1,0

" = 59° " = 55° " = 51° " = 48° " = 45°

Fonte: elaborada pelo autor.

As subpressões instaladas contribuem para a redução das forças normais à superfí- cie potencial de deslizamento, desfavorecendo a segurança. Também a percolação de caudais com velocidade elevadas em superfícies de descontinuidade da fundação, ao promover o even- tual arrastamento das matérias de preenchimento dessas fraturas, pode contribuir para a redução de ângulo de atrito e, consequentemente, para a diminuição da segurança. A lixiviação química destes materiais pode ter um efeito semelhante.

O derrubamento pode dar-se em torno de eixos de direção perpendicular ao vale, localizados a jusante, no contacto barragem/ fundação ou na extremidade de planos horizontais do próprio corpo da barragem.

Deve verificar-se, relativamente a esses eixos, a condição da Equação (3.11), em que MR é o momento resistente (estabilizante) e MS, o momento derrubante. A razão entre MR e MS é usualmente designada por fator de segurança ao derrubamento (tombamento). Os mo- mentos estabilizantes são os que contrariam a rotação e os momentos derrubantes são os que a potenciam.

Relativamente às tensões transmitidas à função, devem ser evitadas as trações no pé de montante. Em regra, quando são garantidas tensões de compressão no pé de montante, o derrubamento não condiciona a segurança dos perfis gravidade, mas a sua verificação deve ser sempre efetuada.

Os maciços rochosos de fundação das barragens de betão são meios fraturados e, na maioria dos casos, heterogéneos e anisotrópicos. Estes maciços rochosos necessitam, em regra, de tratamentos adequados de modo a melhorar as suas características mecânicas e hidráu- licas, para que se verifiquem apropriadas condições de estabilidade, deformação e reduzida permeabilidade.

Podem ser adoptados diversas medidas para: (i) aumentar a resistência corte da fun- dação, a estabilidade dos taludes e a rigidez da fundação; (ii) melhorar o contacto entre o betão da barragem e a fundação; e (iii) reduzir a quantidade de água que circula pela fundação e o valor da subpressão. Os trabalhos de tratamento da fundação são fundamentais para a segurança da obra e dependem muito do tipo e dimensão da barragem.

A camada superficial do maciço rochoso é frequentemente submetida a injeções de consolidação, que conduzem a uma diminuição da deformabilidade na zona adjacente à base da barragem, e assim contribuem para reduzir a deformação do maciço devida à posterior imposi- ção de forças à barragem. Outro importante objetivo das injeções de consolidação é selar algu- mas das descontinuidades existentes próximo da superfície de contacto betão/maciço que, de- vido aos trabalhos de escavação, é normalmente uma zona mais permeável do que o maciço localizado a cotas mais baixas.

O controlo do escoamento na fundação das barragens, necessário para evitar sub- pressões elevadas e a erosão das matérias que preenchem as descontinuidades é normalmente feito com cortinas de impermeabilização e redes de drenagem. A cortina de impermeabilização cria uma zona no maciço através do qual é mais difícil a água passar, e assim reduz a quantidade de água que circula na fundação.

A rede de drenagem é normalmente constituída por uma linha de furos localizados a jusante da cortina de impermeabilização, para recolher e controlar o escoamento e assim re- duzir o valor das subpressões. A redução do valor das subpressões aumenta a tensão efetiva e, consequentemente, aumenta a segurança da obra.

O processo mais utilizado para reduzir a condutividade hidráulica de uma área do maciço rochoso é com injeções à base de caldas de cimento. A cortina de impermeabilização é usualmente construída através da injeção de uma série de furos alinhados ao longo da inserção da barragem na fundação, com direção normal ás principais famílias de descontinuidades. Nas

obras de maior dimensão, pode ser considerado adequado injetar furos dispostos em duas ou mais linhas paralelas.

Nas barragens que dispõem de galeria de drenagem, a cortina de impermeabilização construída a partir desta galeria, com os furos localizados junto ao hasteal de montante. Os primeiros furos injeção de chamados furos primários, estão normalmente afastados de 4 a 10m, por isso a injeção de cada um destes furos não interfere, em geral, com a injeção de furos não interfere, em geral, com a injeção dos furos adjacentes.

A série seguinte de furo injetado, designados por furos secundários, localiza-se a meia distanciados furos primários, e, se for necessário, a série seguinte (furos terciários) a meia distância entre os furos secundários e primário. Antes de proceder á injecção com caldas de cimento são feitos ensaios de permeabilidade tipo Lugeon em cada um dos furos e a decisão sobre a necessidade de injetar mais furos baseia-se usualmente num critério de permeabilidade. Deste modo é possível construir uma cortina contínua, também designada por bolbo de maciço injetado, e assim reduzir a permeabilidade nessa área do maciço. De salientar que é necessário ter um cuidado especial no valor das pressões de injeção, de modo a não provocar o aumento da abertura das descontinuidades do maciço ou o alargamento de eventuais cavidades existentes na fundação. A profundidade da cortina de impermeabilização costuma variar entre 0,35 e 0,75 H a altura de água na albufeira acima do topo da cortina.

Segundo CALDEIRA (2012), a rede de drenagem é normalmente executada a partir da galeria de drenagem, a jusante da cortina de impermeabilização. Os furos de drenagem só devem ser feitos após a conclusão dos trabalhos de impermeabilização, de modo a minimizar o risco de preenchimento dos furos com caldas de injeção.

O diâmetro usual dos furos de drenagem é 76mm, e estão normalmente afastados de 3m (em Portugal existem barragens com os furos de drenagem afastados entre cerca de 2 a 5 m). Em regra, o comprimento dos furos de drenagem varia entre 20 a 40% do potencial hi- dráulico, e entre 35 a 70% da profundidade da cortina de impermeabilização.

Os furos de drenagem podem ser não feitos em maciços de boa qualidade, ou re- vestidos com geotêxtis ou tabus de plásticos perfurados, para garantir que o furo se mantem desobstruído. A drenagem da fundação das obras é sempre relevante, e é particularmente im- portante em maciços rochosos com descontinuidades de abertura muito reduzida, onde se po- dem instalar pressões elevadas ao longo do tempo.

Em regras, os requisitos de segurança estrutural só são verificados se for conside- rado o encaixe do perfil gravidade no maciço rochoso e/ou a redução das subpressões induzida pela construção de uma rede de drenagem na fundação, em geral a partir de uma galeria de

drenagem. Como referido, a galeria de drenagem deve ser posicionada de forma a evitar gradi- entes hidráulicos e velocidades de escoamento elevados, sendo que a experiência tem mostrado que valores de β=0,3 conduzem a um bom desempenho.

Nos aspetos hidráulicos da fundação, as Norma Portuguesa de Barragem, NPB re- comendam que as permeabilidades sejam inferiores a 1 UL (unidades Lugeon) ao longo de toda a inserção e até profundidade não influenciadas pelo estado de tensão da barragem, mas que possam, em zonas muitos localizadas ou para combinações excecionais de solicitações, atingir valores até 5 UL. Deve referir-se, no entanto, que este critério não é consensual.

A ICOLD considera inapropriado tentar construir cortinas de impermeabilização que resultem em permeabilidades da ordem de 1 UL, pois este objetivo só pode ser conseguido á custa de programa intenso de injeções, em regra muito dispendioso e só justificável quando é muito elevado o valor da perda de água ou no caso de maciço rochoso muito erodíveis.

Considera-se como boa pratica de engenharia a adoção, nas barragens gravidade com uma altura superior a 12/15m, de galerias ou mesmo de vazamento, que para além de locais ideais para inspeções e para instalação de equipamentos de observação, possibilitam em eficaz tratamento da fundação durante a construção e, se necessário, em outras fases da vida da obra, conforme apresentado na Figura 3.8. Os vazamentos (barragens de gravidade aligeirada) têm ainda a função de serem drenos naturais da fundação.

Em perfis com altura inferior a 12m, em que não é possível inserir galerias, a cortina de impermeabilização deve ser realizada a partir de um pedestal construído no pé de montante, não sendo aconselhável que a consolidação e impermeabilização da fundação sejam feitas por meio de injeções em furos realizados a partir de uma plataforma correspondente a uma junta de betonagem dos blocos, já que isso acarreta, em regra, a formação de uma junta fria de betona- gem.

Se esta junta não for convenientemente tratada, podem ocorrer repasses significati- vos de água e a instalação de pressões consideráveis, o que pode ter consequências nefastas na funcionalidade, segurança e durabilidade das obras. A drenagem do maciço de fundação pode ser feita, nestes casos, com furos inclinados executados a partir das cotas mais baixas do parâ- metro de jusante, mas a eficácia deste tipo de solução é reduzida.

Figura 3.8 – Subpressões na base de um perfil gravidade triangular com cortina de imper- meabilização e rede de drenagem executadas a partir da galeria geral de drenagem.

Fonte: Ramos et al. (2010).