5 SOBRE O SUBÚRBIO DE PERIPERI – CAMPO DE ESTUDO –
5.3. UMA ENTREVISTA ESPECIAL: A AUTORA DA INVESTIGAÇÃO
5.3.1 Formação Acadêmica e Atuação como Médica, em Periperi
Ingressei no curso médico em 1956 mediante exame de vestibular prestado
aos dois únicos cursos de graduação em Medicina existentes em Salvador, em 1955,
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) e Faculdade de Medicina da
Bahia, a primeira, privada. Fui bem sucedida em ambos, tendo sido classificada em
8º lugar para o federal e melhor colocada para o curso privado.
A Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública estava recente, não havia
graduado, ainda, a primeira turma (fundada em 7 de abril de 1953).
Estava dirigida pelo Dr. Jorge Valente que se interessava por manter bons
alunos e criar a tradição da nova escola, desde que a tendência, na época, era o aluno
aprovado nas duas entidades, preferir a tradicional, pública. Não atendi ao convite,
cursei a federal. Como acadêmica, morava em Periperi, tomava o trem para frequentar
as aulas, no Terreiro de Jesus, em Salvador, e, à medida que o curso transcorria,
estágios eram necessários ou recomendados. No primeiro ano de Faculdade,
enfrentei uma longa greve, em que alunos veteranos não aceitavam o comportamento
de determinado professor, e os calouros, como eu, fomos obrigados a vestir preto para
receber o trote, desfilar até a Rua Chile, chorando em encenação de um enterro, com
caixão e tudo mais, discurso no percurso. Não houve aula por um longo período, e
meu sábio pai tratou de me incluir em estágio de laboratório na Fundação Gonçalo
Moniz, onde aprendi uroanálises e exames parasitológicos de fezes, e já estava
iniciando hematologia quando foi suspensa a greve. Um pouco adiante, já ingressava
no estagio da Maternidade Nita Costa, no Rio Vermelho, onde rapidamente aprendi o
básico de obstetrícia, e já possuía meu material esterilizado de pequena cirurgia,
podendo ser útil no subúrbio, em eventuais pequenos acidentes ocorridos no
atendimento pediátrico do meu pai, e, inclusive na família.
Complementavam o aprendizado do curso médico, na época, os estágios em
Pronto Atendimento, e os alunos se encaixavam no Pronto Socorro do Estado, o único
público e gratuito em Salvador, localizado no Canela. Os plantões eram de 24 horas,
acrescia o estágio voluntário a clínicas do Hospital Escola da Universidade, conhecido
por Hospital das Clínicas, e tendo sido aceita para a 1ª Clínica Cirúrgica, cujo
Professor Titular era o Dr. Fernando Freire de Carvalho Luz, tinha que estar antes das
7 horas no centro cirúrgico para cuidar do material a ser utilizado, pois instrumentava
as cirurgias. Nesse período ficou difícil continuar residindo em Periperi, com transporte
deficiente para o centro da cidade, e houve necessidade de me afastar do aconchego
dos pais e irmãos para residir em pensão na Rua da Poeira, bairro de Nazaré, local
mais acessível a cumprir horários na Faculdade. Chegou o tempo dos concursos, para
aspirante da Maternidade Tsylla Balbino, aspirante do Pronto Socorro do Estado,
depois para interna, atividade que já contava tempo de serviço para o trabalho público
do estado. Também, concorri ao cargo de interna do Serviço de Assistência Medica e
Domiciliar de Urgência (SAMDU), federal, que admitia estudantes de medicina no
último ano do curso de graduação e o contrato por um ano se extinguia com a
formatura; Fui aprovada, lotada na Unidade do bairro de Barbalho, tinha boa
remuneração, e por conta dos compromissos assumidos, dava quatro plantões de 24
horas por semana. Esse foi o período de formação durante o qual transferi residência
de Periperi, só passando no subúrbio alguns fins de semana. Era o suficiente para,
havendo necessidade, em Periperi, e sob a responsabilidade do meu pai, poder
ajudá-lo em atendimentos médicos.
Enquanto eu frequentava o curso superior, o meu irmão terminava o curso
ginasial, ingressava no 2ª grau e a minha irmã iniciava o curso ginasial, Foi o tempo
dos meus pais sentirem a necessidade de construir uma residência em Salvador para
facilitar o trabalho de educação dos filhos, e minha família passou a residir no bairro
do Bonfim, no ano de 1963. Foi o ano seguinte ao da minha residência médica. Foram
poucas vagas para o Hospital Universitário Prof. Edgar Santos, desejei fazer
residência de Pediatria, mas não havia, fui selecionada para Clínica Médica. Nesta
época o médico residente necessitava, realmente, residir no Hospital. Era do
programa dedicar-se, um tempo, à Pediatria, e dei maior ênfase a este setor. As folgas
eram poucas, havia o plantão do residente em fins de semana, então raramente ia a
Periperi, praticamente, só a cada 15 dias.
Ao término da residência, no fim do ano de 1962, conquistei uma vaga de
médica na Secretaria de Saúde do Estado da Bahia e a vaga por mim ocupada
decorreu, exatamente, da aposentadoria do meu pai, pediatra no quadro de saúde do
estado da Bahia.
Iniciei a vida profissional de médica, como funcionaria publica, na Saúde
Escolar, em 1963, e, ao mesmo tempo, passei a atender em consultório de Periperi,
ainda com meu pai, ajudando-o e assistindo crianças e adultos, na casa de Periperi,
pois minha mãe fazia questão de alternar a residência entre o subúrbio e Salvador, no
Bonfim, o que conseguiu manter por apenas 1 ano, até fim de 1964.
Noiva de médico recém formado, com emprego no Estado da Bahia, lotado,
como oficial médico, no Hospital da Polícia Militar, o consultório do meu pai, em
Periperi, ampliou o horário de funcionamento, pois também nele atendia o meu noivo,
com formação para ginecologia e obstetrícia, mas apto para a clínica médica, tendo
iniciado sua clínica privada nesse subúrbio, em 1963. O consultório foi melhorado e
ampliado e ficou transferido para um ambiente externo, recém-construído, onde ficava
a garagem, ao lado direito da casa.
Em 1964, ano do meu casamento, voltamos a residir em Periperi, em um
apartamento do 1º andar bem localizado, em um dos dois únicos edifícios existentes
na localidade. Na área de serviço que era bem ampla e azulejada, adequamos à
instalação de nosso consultório, meu e do marido, mobiliado com simplicidade, a
mesa e a cadeira do médico, o fichário, as balanças “pesa bebê” e para adultos, a
maca para exame e os indispensáveis aparelhos, estetoscópio, tensiômetro,
negatoscópio, pinard, termômetro, aparelhos para raios infravermelhos. Não havia
telefone, nem computador. A atendente era a mesma auxiliar de serviços domésticos
que, trabalhando somente para um casal em apartamento de dois quartos, dava conta
do serviço e lhe sobrava tempo para auxiliar nos atendimentos aos clientes. Não havia
convênio, os pacientes eram particulares ou cortesia.
O registro dos atendimentos era feito manualmente pelo médico, em fichas,
arquivadas em móvel de madeira com gavetas, construído, exatamente, para esse fim.
Neste ano de 1964, por decreto federal, em que os ex-residentes foram
admitidos como instrutores de ensino superior na Universidade Federal da Bahia,
dentre as três vagas que existiam para mim, por opção, iniciei trabalhando com a
disciplina Parasitologia na Faculdade de Medicina da Bahia.
Em março de 1965 nasceu nossa primeira filha, e neste ano o meu pai deixou
de atender no consultório de Periperi, manteve apenas o consultório de Salvador
tendo transferido toda a sua clientela para mim e para Paulo, meu marido, e passamos
a residir na casa dele cuja propriedade adquirimos.
Doravante os consultórios foram melhorados e separados, a Pediatria em
imóvel construído acima do consultório térreo, o do Dr. Paulo Tôrres, já com
funcionária exercendo a função de atendente para ambos os médicos.
Em 1967 a família foi enriquecida com a chegada da terceira filha, e os afazeres
de mãe, médica e professora se multiplicaram. No Estado, fui deslocada para dar
assistência aos recém natos do Posto de Assistência Obstétrica e Domiciliar de
Urgência, e daí, posteriormente, para plantonista de neonatologia na Maternidade Tsylla
Balbino, aos domingos, o que me permitiu mais liberdade para a atividade didática,
tendo sido, convidada para docente na Escola Baiana de Medicina em 1970, e depois,
no mesmo ano, para a Universidade Católica do Salvador. (1970) onde ainda estou.
Em 1972 foi fundada a Clínica Suburbana de Urgência (CLISUR), a primeira
no gênero, privada, em todo o subúrbio ferroviário, por um grupo de oito associados
médicos, tendo sido eu um membro do grupo, e minha atividade médica se
intensificou, não só em regime de plantões, como na supervisão do arquivo médico.
Todo esse tempo o consultório particular foi mantido funcionando, até o ano
de 1992 quando eu e o marido resolvemos deixar a CLISUR e fundar a nossa Clínica,
a AME (Atendimentos Médicos Especializados)
Fomos residir em Salvador por conta da necessidade de melhor educar as
filhas, a Clínica AME se estabeleceu em nossa residência de Periperi que, para isso,
sofreu uma necessária reforma, e se manteve funcionando por 19 anos, até 2011,
quando se transferiu para Salvador, no Caminho das Árvores.
É nesse imóvel que continua aberto, com funcionamento, apenas, do
consultório de Clínica Medica do meu marido, Dr. Paulo Tôrres, que coleto as
informações que constituirão o material da minha tese de doutorado, onde foram
realizadas: a maioria das entrevistas a famílias do subúrbio de Periperi e onde foram
pesquisadas as fichas de atendimentos médicos dos arquivos, ainda ali mantidas.
5.3.2 Duas Décadas Vividas com a Família Nucelar no Subúrbio de Periperi
No documento
UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR SUPERINTENDÊNCIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
(páginas 72-76)