3 EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE SAÚDE E DE DOENÇA E DAS
3.3 SAÚDE NO BRASIL
Entre os séculos XVI e início do XIX, os agentes de cura no Brasil eram os
físicos (formados pelas Universidades da Europa), cirurgiões, barbeiros e boticários.
A autoridade sanitária era exercida pelos delegados ou comissários do físico-mor ou
cirurgião-mor do Reino de Portugal.
Cirurgiões-barbeiros ou mesmo aos chamados barbeiros e
curandeiros em geral, tinham perimissão para o exercício de toda a
medicina. No entanto, ao cirurgião-barbeiro era permitido oficialmente
a cirurgia; ao barbeiro, a aplicação de ventosas, sarjaduras e
sanguessugas, corte de cabelo ou barba e extração de dentes; ao
sangrador e algebrista, o tratamento de fraturas, luxações e
torceduras; à parteira ou aparadeira, o atendimento aos partos
normais; e aos boticários, a preparação e comércio de medicamentos.
Os diplomas eram muitas vezes vendidos aos pretendentes a esses
cargos citados, que não cursavam o período de estágio necessário.
(MARTINS, p 27, 2007)
Goubert (2007, p. 148) refere que a saúde da alma era mais importante que a
saúde do corpo, tendo o padre papel relevante, por poder confessar, perdoar os
pecados e ministrar os sacramentos da Igreja, desde o nascimento até a morte. “Os
três grandes ritos de passagem– nascimento, união, morte – não poderiam ser
concebidos sem a intervenção do padre. Ao nascimento físico, corresponde o batismo;
à união, o casamento unicamente religioso; e à morte, o enterro em terra consagrada”.
A história registra que, em 1800, o Brasil colônia de Portugal se ressentia de
profissionais que cuidassem da saúde, em consequência do que um édito real de 1º
de maio ordenava que a municipalidade do Rio de Janeiro designasse, anualmente,
dois rapazes para estudarem em Portugal, um na Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra, o outro no Hospital Real de São José de Lisboa, sendo que
o primeiro voltaria físico e o segundo, cirurgião. A carência de profissionais médicos
no Brasil Colônia e no Brasil Império era enorme, para se ter ideia, no Rio de Janeiro,
em 1789 só existiam quatro médicos exercendo a profissão (SALLES, 1971 apud
POLIGNANO, 2001 p 3), Em outros estados brasileiros eram, mesmo, inexistentes.
Inicialmente, enquanto colônia e Império, a saúde no Brasil era uma extensão
da organização sanitária portuguesa. Havia carência de profissionais de saúde que
eram muito solicitados. Os doentes eram cuidados nas Santas Casas de Misericórdia,
por religiosas, tendo sido a primeira fundada em, 1543, em Santos (Santa Casa da
Misericórdia e Hospital de Todos os Santos) (PAIM, 2009 p 26).
A expectativa de vida era de 40 anos, e epidemias ocorriam, bem como eram
muito prevalentes as doenças parasitarias, as infecções virais e bacterianas, e as
doenças venéreas. A água costumava veicular salmonelas e bactérias responsáveis
por diarreias. Os partos eram domiciliares, assistidos por aparadeiras. Usavam-se
como remédio, chás, plantas, fazer o paciente suar era considerado boa técnica para
eliminar os humores.
Com a proclamação da República, as ações de saúde passaram a ser
oferecidas pelo Estado, tendo sido criada a Diretoria Geral de Saúde Pública, em 1897:
“a saúde era tratada mais como um caso de polícia do que como uma
questão social O órgão que cuidava da saúde pública vinculava-se ao
Ministério de Justiça e Negócios Interiores.As campanhas lembravam
uma operação militar e as ações realizadas inspiravam-se no que se
denomina polícia sanitária” (PAIM, 2009 p29)
Em 1837 foi estabelecida a vacinação compulsória de crianças no Brasil;
Com regulamento de registro dos nascimentos e óbitos (Decreto nª 798 de
18/06/1951), tornou-se possível a pesquisa da demografia histórica no Brasil.
A conquista dos direitos sociais (saúde e previdência) tem sido sempre uma
resultante do poder de luta, de organização e de reivindicação dos trabalhadores
brasileiros. A história da saúde se confunde com a história da previdência social no
Brasil, em determinados períodos.
No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro apresentava quadro sanitário
caracterizado pela presença de diversas doenças graves, como a varíola, a malária, a
febre amarela, e posteriormente a peste. Rodrigues Alves, então presidente do Brasil,
nomeou Oswaldo Cruz, como Diretor do Departamento Federal de Saúde Pública, que
se propôs a erradicar a epidemia de febre-amarela na cidade do Rio de Janeiro.
A Lei Federal nº 1261, de 31 de outubro de 1904, instituiu a vacinação
anti-varíola obrigatória para todo o território nacional. Neste período, Oswaldo Cruz criou
o Instituto Soroterápico Federal, posteriormente Instituto de Patologia Experimental
de Manguinhos (1907), com objetivo de controlar a proliferação dos mosquitos vetores
da febre amarela e finalmente transformado no Instituto Oswaldo Cruz.(1908), depois
que seu Diretor obteve a importante premiação, Medalha de Ouro, na exposição de
Demografia e Higiene de Berlim. Foi erradicada a febre amarela (SILVA, 2013).
A malária era um impedimento às obras de construção de estradas férreas,
outra parasitose transmitida por picada de mosquitos anofelinos, que necessitou de
campanhas de controle liderada por parasitologistas no Brasil.
Em 1909, Carlos Chagas, chefiando equipe de saneamento sediada em
vagão de trem, em Minas Gerals (Lassance), descobriu o vetor de uma nova
tripanosomíase, um hemíptero hematófago conhecido por chupão, barbeiro,
percevejo do mato, percevejo do sertão, que estava contaminado com um protozoário
flagelado, que também foi encontrado no sangue de uma criança da localidade, com
nome de Berenice. Estava descoberto o Trypanosoma cruzi, ao mesmo tempo e pelo
mesmo pesquisador, a doença que o parasito determinava, o vetor e hospedeiro
intermediário deste protozoário flagelado (o triatomíneo conhecido por barbeiro) e seu
habitat natural, e os animais de laboratório susceptíveis à infecção
1.
Em 1912, o médico paraense Gaspar de Oliveira Vianna (11.05.1884 ou 1885
14.06,1914) além de ter descrito uma nova espécie de leishmania, causadora da
leishmaniose tegumentar americana (Leishmania braziliensis), contribuiu com a
descoberta do tratamento das leishmanioses humanas, o tártaro emético (antimonial),
tendo beneficiado o mundo, pois até então não havia terapêutica para o Botão do
Oriente, nem para o calazar.
Em 1917, Vital Brazil recebeu a patente do soro antiofídico. Desde 1898 este
médico sanitarista sugeriu ao governo de São Paulo a criação do Instituto
Soroterápico, onde trabalhou e desenvolveu o preparo de soros antiofídicos,
favorecendo os pacientes vitimados por acidentes por animais peçonhentos.
Em 1918, foi criado o Serviço da Quinina Oficial, profilático da malária, em
1942 foi criado o Serviço Especial de Saúde (SESP) e, dois anos depois, o serviço
Nacional de Helmintoses, época em que o povo brasileiro padecia com prevalência
alta de ancilostomose e de esquistossomose mansônica.
Em 1920, Carlos Chagas, sucessor de Oswaldo Cruz, reestruturou o
Departamento Nacional de Saúde, então ligado ao Ministério da Justiça e introduziu a
propaganda e a educação sanitária na técnica rotineira de ação, inovando o modelo
campanhista de Oswaldo Cruz que era puramente fiscal e policial. Estava, assim,
criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) Criaram-se órgãos
especializados na luta contra a tuberculose, a lepra e as doenças venéreas e
fundou-se a Escola de Enfermagem Ana Nery no Rio de Janeiro (SILVA, 2013).
Em 24 de janeiro de 1923, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei Eloi
Chaves, marco inicial da previdência social no Brasil. Através desta lei, foram
instituídas as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP’s). A primeira foi a dos
ferroviários. Além das aposentadorias e pensões, os fundos proviam os serviços
funerários, médicos (artigo 9
oda Lei Eloy Chaves).
Até 1930, não havia organização institucional para a saúde. No governo de
Getulio Vargas, foram criados o “Ministério do Trabalho”, o da “Indústria e Comércio”,
o “Ministério da Educação e Saúde”, tendo sido nesta década, em 1943, a
homologação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, desintegraram-se
as atividades do Departamento Nacional de Saúde Pública. As antigas CAP’s são
substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP). Nestes institutos os
trabalhadores eram organizados por categoria profissional (marítimos, comerciários,
bancários) e não por empresa. Em 1933, foi criado o primeiro Instituto de
Aposentadoria e Pensões: o dos Marítimos (IAPM), em 1934 o dos Comerciários
(IAPC) e dos Bancários (IAPB), em 1936 o dos Industriários (IAPI), e em 1938 o dos
Estivadores e Transportadores de Cargas (IAPETEC).
O principal movimento registrado ao longo das últimas décadas do século
passado no Brasil foi a forte tendência à urbanização da população, fenômeno inciado
nos anos 1940 e reforçado à medida que o país ingressou na era industrial de uma
forma mais acentuada. Em 1940 a taxa de urbanização era de 30%, na atualidade
atinge cerca de 87% da população. Como benefícios para a saúde, pela urbanização,
a população passa a ter acesso mais fácil, mais direito aos recursos disponíveis para
saúde, educação e qualidade de vida progressivamente melhor. Nota-se queda na
mortalidade infantil.
Em 1942, é criado o Serviço Especial de Saúde Pública - SESP, com atuação
voltada para as áreas não cobertas pelos serviços tradicionais.
Em 1949, foi criado o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência
(SAMDU), do qual Dr. João Andréa foi delegado, mantido por todos os institutos e as
caixas ainda remanescentes e Maurício Oscar da Rocha e Silva (1910-1983), médico
e farmacologista, descobriu a bradicinina, divulgada em 1949 no número inaugural da
revista Ciência e Cultura, publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência, entidade da qual foi um dos fundadores.
Em 1953, pela lei 1.953 foi criado o Ministério de Saúde, e logo após, em 1956,
a instituição de órgãos, como o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu).
Na década de 60, foi criado o FUNRURAL,
Em 1960, por lei, os IAPs passaram a prestar atenção médica aos associados,
e a Instituição que possuía recurso, construiu o seu próprio Hospital. Surgiram os
primeiros serviços médicos particulares contratados por empresas, principalmente na
indústria, com intenção de suprir a qualidade do serviço oferecido pelo IAPI, o que
veio propiciar convênios de empresas com grupos médicos (medicina de grupo).
Em 1961, iniciaram-se campanhas para vacinação contra poliomielite, e, em
1962, para administração intradérmica de vacina contra tuberculose.
Na segunda metade do Século XX surgiram os contraceptivos orais,
comercializados em 1960 nos E.E.U.U e em 1962 no Brasil.
Em 1964, em condições sociopolíticas instáveis no Brasil, época do golpe
militar, surgiram epidemias, principalmente de poliomielite e de meningite.
Em 1966 houve fusão dos IAPs em Instituto Nacional de Previdência Social, com
ampliação da cobertura de assistência médica aos trabalhadores domésticos e rurais.
Em 1968, com a Reforma Universitária os cursos de medicina adotaram
modelo positivista, biologicista, centrado no hospital, fragmentado, longe de uma
medicina de família centrada em medicina social (DA ROS, 2005 apud LIMA, 2008).
Em 1971 foi criada a Central de Medicamentos (CEME), e em 1975, realizada
a primeira campanha nacional de vacinação contra a meningite meningocócica.
No período de 1968 a 1975, generalizou-se a demanda social por consultas
médicas como resposta às graves condições de saúde; o elogio da medicina como
sinônimo de cura e de restabelecimento da saúde individual e coletiva; a construção
ou reforma de inúmeras clínicas e hospitais privados, com financiamento da
Previdência Social; a multiplicação de faculdades particulares de medicina por todo o
país. [...] decorreu progressiva predominância de um sistema de atenção médica 'de
massa' (no sentido de 'massificado') sobre uma proposta de medicina social e
preventiva [...]; o surgimento e o rápido crescimento de um setor empresarial de
serviços médicos, constituídos por proprietários de empresas médicas centradas mais
na lógica do lucro do que na da saúde ou da cura de sua clientela [...]. Assistimos
também ao desenvolvimento de um ensino médico desvinculado da realidade
sanitária da população, voltado para a especialização e a sofisticação tecnológica e
dependente das industrias farmacêuticas e de equipamentos médico-hospitalares.
Assistimos, finalmente, à consolidação de uma relação autoritária, mercantilizada e
tecnificada entre médico e paciente e entre serviços de saúde e população. (LUZ,
1991 apud ACURCIO, 2007),
Foi neste período que se iniciou a Medicina Comunitária, incentivada pela
Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) e Organização Mundial de Saúde
(OMS), com a proposta de utilização de técnicas de medicina simplificada, de mão de
obra local (agentes comunitários ou agentes de saúde) e a participação da
comunidade. Os sanitaristas tiveram papel relevante na organização da saúde
brasileira. Havia o intuito de ampliar a cobertura e melhorar a assistência medica à
população rural.
Em 1981, foi criado o CONASP (Conselho Nacional de Assistência à Saúde
Púbica) e as AIS (Ações Integradas de Saúde). Havia a intenção de integrar a saúde
pública com a assistência médica individual.
Em 1985, foi instituído o Programa de Controle dos Acidentes Ofídicos.
Em 1986, foi realizada em Brasília, a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS)
reunindo os trabalhadores, os prestadores de serviços de saúde, os usuários e o governo,
tendo sido marcadas as bases para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
Em 1988 a Assembleia Nacional Constituinte aprovou a Nova Constituição
Nacional Brasileira com seção sobre saúde, aprovando conceitos e propostas do VIII
CNS que incluía a Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde.
Em 19 de setembro de 1990 foi promulgada a Lei 8.080, de instituição do
Serviço Único de Saúde, a Lei Orgânica de Saúde, que sofreu vetos do Presidente da
República e foi complementada em 28 de dezembro pela lei 8.142/90.
Em 1991 foi criada a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) quando ocorreu
a transposição da SUCAM e da FSESP para sua gestão. A FUNASA tinha sido a
referência no combate às doenças e agravos, e a SUCAM levando os seus guardas
nas casas humildes e choupanas interioranas, também na figura do mata-mosquito
da Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNERu), e o guarda da SUCAM
levando ações de saúde às casas humildes interioranas.
De 1998 a 2006, surge o Programa de Saúde da Família, estruturado pelo
Ministério da Saúde, buscando a integração entre ações preventivas e curativas para
cada 600 a 1000 famílias em territórios delimitados. Profissionais médicos,
enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários compunham a equipe
de trabalho assistencial.
Em 2001 foi aprovada a Norma Operacional de Assistência à Saúde
(NOAS-SUS 1/2001) que ampliou a responsabilidade dos municípios na atenção básica;
definiu o processo de regionalização da assistência; criou mecanismos para o
fortalecimento da capacidade de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e
procedeu à atualização dos critérios de habilitação de estados e municípios (Portaria
GM/MS nº 95, de 26/01/2001).
No documento
UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR SUPERINTENDÊNCIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
(páginas 42-49)