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Formação artesanal e formação institucional de professores

QUADRO 8 ATIVIDADES DIFERENTES DO MAGISTÉRIO EM QUE PROFESSORES SE ENVOLVERAM

3.2 Formação artesanal e formação institucional de professores

instituindo o exame, lidou com esses sujeitos como funcionários públicos com deveres e direitos iguais àqueles do governo provincial. Localizamos onze professores que atuaram nas escolas rurais subvencionadas em Itabira, nove homens e duas mulheres.

O recrutamento e a seleção dos professores mineiros por meio dos concursos públicos foi uma das maneiras que o Estado buscou formar um ideal de docente para ocupar seus quadros. Mediante tal mecanismo e outros, buscou demarcar quem seriam os propagadores da instrução junto à população; criou diversos mecanismos de contenção desse corpo como a restrição de se exercer o magistério público com outras atividades forçando que alguns abandonassem o magistério, o exercessem apenas pontualmente ou, ainda, conseguiu atrair alguns para a docência em detrimento de outras ocupações.

Esses mecanismos estavam intrinsecamente ligados a formação desse professorado, em um momento em que não existia escola normal ou que a mesma não possuía grande influência na formação desses professores, a exigência dos concursos públicos e os atestados de boa conduta serviram como forma de abalizar quem seriam os formadores das crianças da província.

3.2 Formação artesanal e formação institucional de professores

O que discutimos até o momento diz respeito à forma como o Estado, no plano legal, buscou recrutar e selecionar seus professores. Mas como esses professores se preparavam para exercerem o magistério, já que durante um bom período não existiam escolas normais e mesmo após a sua reabertura em 1872, a cidade de Itabira só contou com dois professores normalistas em suas escolas?

A formação desses professores era uma aprendizagem pela prática, em que as ferramentas necessárias da profissão eram adquiridas pelos aprendizes nas escolas de outros professores. Para Vilela (2003) essa formação era marcada pelo improviso quando comparada com a formação que as escolas normais disponibilizavam. Shueler (2002, p.207/208) aponta que a formação pela prática não se restringia ao ensinar a ler, escrever e contar. Por esse exercício cotidiano, o jovem professor era educado também por meio do ver – ao visualizar a prática do professor - em que aprendia os preceitos morais, de conduta e comportamentos sociais exigidos por aqueles que exerciam o

ofício de ensinar. Essa formação não se baseava em manuais e livros era aprendida no exercício prático da profissão.

Heloísa Villela (2001, p.100-101), ao analisar a passagem de uma formação pela prática para uma formação via institucional no Rio de Janeiro, mostrou que essa passagem estava ligada a um novo estatuto dos docentes. Seguindo as indicações de Nóvoa afirma que a constituição dos professores em corpo profissional esteve diretamente ligada ao controle que o Estado passou a exercer sobre esses indivíduos e se este instituiu formas de seleção por concursos, controle por meio da inspeção, também buscou instituir meios de formação a esse corpo de profissionais.

Entretanto, a formação desses sujeitos pela via institucional foi um processo marcado por rupturas sem um continum no decorrer do século XIX, assim o Estado lançou mão de outros mecanismos quando não existiam escolas normais para a formação de seu professorado, como foi o caso dos concursos públicos.

Outro aspecto referente a essa aprendizagem pela prática diz respeito a ser um aprendizado familiar. Para o caso da Corte, Schueler (2002. p.212) encontrou claras evidências a esse respeito, principalmente por ser autorizado legalmente de que filhos de professores teriam preferência para o cargo de adjuntos. Isso não ocorreu em Minas Gerais, pelo menos no plano legal, mas encontramos pistas que nos indicam que o oficio de professor era em alguns casos uma profissão familiar.

A freguesia de São José da Lagoa tinha como professor público Gabriel Fernandes de Mello que obteve sua nomeação para essa localidade em 1846 onde atuou até o ano de 1863 quando se aposentou. A existência de alguns outros professores que atuaram nessa mesma localidade e em outras de Minas com o mesmo sobrenome do professor Gabriel indica ser essa uma família de professores primários.

Mariano Fernandes de Mello foi professor interino em São José da Lagoa, no ano de 1864, logo após a aposentadoria do professor Gabriel, e em 1870, Fernando Fernandes de Mello também atuou como interino. Baptista Filho (1992, p.133) em seu livro de memória da localidade em que utiliza alguns documentos para a construção de uma possível história local informa que Fernando F. de Mello era professor particular em São José da Lagoa onde se encontra sepultado.

Aureliano Fernandes de Mello foi professor em Sant‟Anna – Morro do Chapéu e

no ano de 1880 permutou com o professor do distrito de Macuco pertencente a freguesia do Carmo a sua cadeira.

O professor Camillo Fernandes de Mello no ano de 1878 atuava na Paróquia do Amparo do Rio São João (IP-3/4, cx 14, p.07, doc.29). Por meio das fontes encontradas e consultadas, não foi possível estabelecer o grau de parentesco entre esses sujeitos, mas o sobrenome em comum e atuação de todos em Itabira do Matto Dentro, exceto o professor Camillo F. de Mello, indicam que esses professores eram de uma mesma família e que a aprendizagem e reprodução do oficio ocorreu no próprio seio familiar.

O professor normalista José Martins de Oliveira Furst que atuou na freguesia de Itabira revela por outro lado o próprio processo de transformação pela qual a formação docente estava passando em fins do século XIX, a de uma formação pela prática e a emergência de uma formação institucional. Sua mãe era professora da segunda cadeira do sexo feminino de Itabira, Manuella de Oliveira Furst. Já seu pai, José Martins Fontes, escrivão do júri e negociante foi identificado como professor substituto da primeira escola primária do sexo masculino de Itabira no ano de 1869 (AMF, ALMANAK ADMINISTRATIVO... 1872, IP-16 e 42).

De acordo com as informações encontradas sobre o professor José Martins de Oliveira Furst, na Escola Normal de Sabará56, o mesmo iniciou seus estudos no ano de 1886 com vinte dois anos de idade, se formando no ano seguinte. O curso da escola normal era totalizado em três anos e a permanência de José Martins de O. Furst na escola durante o período de apenas um ano indica que o mesmo já exercia o magistério, antes de se tornar professor normalista parece ter lecionado particularmente e a partir de 1888 passou a atuar no magistério público.

Logo, ainda que houvesse todo um discurso em detrimento da formação tradicional de professores como apontado por Vilella (2003, p.4) na conformação de um novo ethos que se daria pela formação via escola normal com a aquisição de “saberes próprios da profissão em contraposição a improvisação, à aprendizagem pela imitação” o Estado não desconsiderou a formação anterior dos professores que adentravam na escola normal, posto que se já atuava como professor, o tempo de permanência na escola seria menor que o daqueles que ainda não haviam se iniciado na carreira docente.

Por ser filho de professora, o professor normalista Jose Martins de Oliveira Furst

foi iniciado nos “segredos” da profissão no seio familiar, complementando depois sua

formação pela Escola Normal de Sabará. Indícios dos novos tempos em que se passou a exigir dos professores conhecimentos específicos sobre métodos, novos conteúdos sem

56 Agradeço a Agda Conti que forneceu as informações referentes aos dois professores normalistas que atuaram em Itabira do Matto Dentro e que estudaram na Escola Normal de Sabará.

falar das vantagens salariais, pois o professor normalista possuía um salário maior do que aqueles que não eram normalistas.

A partir da década de 1870 com o (re)surgimento das escolas normais na província, a legislação passa a distinguir aqueles professores que nelas estudaram daqueles que continuaram a ser formados pela prática, ainda que esses para poderem ter direito às vantagens da lei, deveriam se adequar às exigências; esses docentes passaram a pertencer à categoria de professores não-normalistas.

Já os professores normalistas, poderiam ser nomeados para qualquer escola sem a necessidade de prestarem exame público, pois a passagem pela escola normal comprovadamente os dotava de conhecimentos e habilidades exigidos como necessários para o exercício docente.

Miguel Arroyo (1985, p.47) identifica que essa distinção entre professor normalista e não-normalista gerou uma desqualificação para aqueles que eram professores não-normalistas, pois o Estado passou a desvalorizar o saber nascido no ofício valorizando em contrapartida o formal, a titulação, o rito, pagando mais pelo título e não a qualificação adquirida e comprovada no trabalho. Entretanto, essa desqualificação por parte do Estado se deu paulatinamente.

Outra forma de configuração do corpo de profissionais mineiros se deu por meio de hierarquias dentro do próprio corpo de funcionários, classificados em vitalícios, efetivos, interinos/provisórios e substitutos. A hierarquização e distinção entre os professores ocasionaram uma intensa circulação dos mesmos dentro da província e de Itabira como trouxe outras inflexões no exercício do magistério. É o que trataremos a seguir.