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A formação continuada como um dos pilares da qualidade da educação envolve compreender as diferentes abordagens da constituição dos aspectos formativos dos profissionais de educação. A revisão crítica dos modelos de formação continuada em curso, especialmente nas grandes redes públicas de educação, requer estudos aprofundados sobre o que se pretende construir a partir dos contextos de formação existentes. Nóvoa (2008) alerta, no que tange a formação dos professores, para o fato de que:

O excesso dos discursos esconde uma grande pobreza das práticas. Dito de outro modo: temos um discurso coerente, [...] estamos de acordo quanto ao que é preciso fazer, mas raramente temos conseguido fazer aquilo que dizemos que é preciso fazer. (NÓVOA, 2008, p. 23)

Uma das questões fundamentais nas abordagens sobre a formação continuada reside na diversidade de perspectivas entre as propostas de formação em curso nos estados e municípios brasileiros. Algumas investem em formação continuada cujas abordagens se centram na figura do professor individualmente e outras investem no desenvolvimento das equipes escolares e das escolas. Não é o caso de escolha de uma abordagem em detrimento da outra. O esforço institucional deveria estar voltado para a articulação de ambas as abordagens

11 O conceito de practicum reflexivo cunhado por Schön refere-se ao trabalho de formação de professores

pautado na tríade: reflexão na ação, reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação. Embora esse seja um conceito que receba críticas de alguns autores como Contreras (1997), Zeichner (1998), Pimenta (2012) e Libâneo (2012), entende-se que sua utilização neste trabalho apoiará a compreensão dos processos de formação continuada presentes na realidade brasileira. As críticas ao conceito se fundamentam, segundo Pimenta (2012, p. 51), nos seguintes problemas: “o individualismo da reflexão, a ausência de critérios externos potencializadores de uma reflexão crítica, a excessiva ênfase nas práticas, a inviabilidade da investigação nos espaços escolares e a restrição desta neste contexto”.

a fim de constituir “o que precisa ser feito” em termos de formação continuada dos professores brasileiros.

O relatório sobre a formação continuada de professores da Fundação Carlos Chagas (2011) é indicador de como essas duas abordagens se encontram presentes nas propostas de formação continuada das redes públicas brasileiras. A presença de modelos de formação continuada baseados na adesão individual dos professores, especialmente através de cursos, e daqueles que consideram a equipe escolar com todos os seus atores no foco dos processos formativos, especialmente através de horários de trabalho coletivo nas escolas, são modelos coexistentes dentre as abordagens adotadas pelas redes de ensino ao se tratar de formação dos profissionais de educação. Independente da abordagem privilegiada por cada rede pública para formação continuada, o relatório indica que:

O “consenso discursivo” adotado na formação de professores está estreitamente relacionado à produção de conhecimento na área e às ações políticas adotadas nas últimas décadas em âmbito nacional e internacional. Esse movimento tem provocado, nas Secretarias Estaduais de Educação e Secretarias de Educação Municipais, um olhar mais centrado sobre os professores e as políticas de formação têm assumido relevância estratégica nas ações implementadas pelas redes de ensino, conferindo um papel central aos processos de Educação e chamando à responsabilidade os professores, gestores, coordenadores pedagógicos e formadores. (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS - FCC, 2011, p. 49)

Nesse sentido, não há necessidade de delimitar esta ou aquela abordagem como mais ou menos importante na constituição do perfil profissional dos professores. O entendimento é pela via da complementaridade das propostas de formação que centram esforços na supressão do déficit da formação inicial insuficiente dos professores (de cunho mais individualizado) e daquelas que enfatizam a necessidade de atualização constante do professor (de caráter mais colaborativo e coletivo). Seja qual for a opção de abordagem e de objetivos primários dessas propostas por parte de estados e municípios, uma questão merece destaque para que a formação continuada realmente possa fazer a diferença na construção da profissionalidade do professor e da consequente qualidade na educação - o papel reflexivo que pode impingir ao profissional de educação. É esse papel que precisa ser melhor compreendido, para que as ações de formação continuada empreendidas pelas redes públicas de educação possam ser analisadas mais de perto.

A partir da explanação pode-se afirmar que é no cotidiano da profissão que se dá o exercício da profissionalidade, pois constituir-se como profissional da educação não é um processo simples, nem que se dê na curta duração.

Sacristán (1999, p.65) é outro autor a defender essa perspectiva por considerar que “o conceito de profissionalidade docente está em permanente elaboração, devendo ser analisado

em função do momento histórico concreto e da realidade social que o conhecimento escolar pretende legitimar; em suma, tem que ser contextualizado”.

Ocorre que nem todos os contextos de trabalho dos profissionais podem favorecer a construção e a consolidação dessa profissionalidade e é nesse aspecto que a formação continuada se torna fundamental. Ela dependerá da forma com que se articula ou se distancia dos contextos profissionais dos professores, seja na perspectiva individual ou de coletivos de trabalho. Tanto uma abordagem quanto a outra não produzirão efeitos na qualidade da educação se forem desvinculadas dos contextos nos quais a educação efetivamente acontece - o espaço da escola. Mesmo numa perspectiva individual de formação, a estreita relação desta com a prática docente em contexto coletivo de trabalho dever ser considerada. Tal vínculo pressupõe que haja um papel reflexivo dos profissionais sobre o exercício docente, dando-lhe sentido. Essa é, nas palavras de Nóvoa (2010, p. 166), “a questão fulcral de toda a formação”. Tornar a formação como lugar de construção de sentidos implica que os profissionais tenham a possibilidade de ter voz durante os processos formativos. É a partir desse protagonismo que realmente podem se constituir coletivos que reflitam criticamente sobre os contextos de trabalho docente e que, de posse desse conhecimento refletido criticamente, possam estabelecer as mudanças necessárias para a qualidade da educação das crianças e jovens. A reflexão na e sobre a prática não pode limitar-se a constatação de limites e possibilidades de ação profissional dos professores e, retomando a ideia de Fusari e Rios (1995), deve ultrapassar a fase do diagnóstico. Carvalho (2005) complementa a ideia desses autores ao afirmar a importância de dar voz aos professores nos processos de formação, pois isso possibilita a esses profissionais:

[...] expressarem em suas vozes a necessidade de um coletivo com intercâmbios, trocas, compartilhamentos, parcerias, assim como de instauração de comunidades compartilhadas locais e translocais. Dessa forma, a formação continuada, visualizada a partir da constituição da escola como comunidade compartilhada, pressupõe duas condições: o poder argumentativo das pessoas e grupos; a pretensão de construir processos de formação continuada voltados para a “utopia” de constituição de um novo coletivo escolar. (CARVALHO, 2005, p. 107)

Assim considerado, a constituição do profissional reflexivo não pode ocorrer desvinculada de seus contextos de trabalho – as escolas. A formação continuada é, nesse cenário, estratégia potencializadora para que a reflexão crítica dos profissionais de educação ocorra. E é no espaço institucional da escola que a reflexão sobre a prática deve acontecer por excelência. Nóvoa (1992b), ao discorrer sobre mudança educacional e formação de professores afirma que:

Para a formação de professores o desafio consiste em conceber a escola como um ambiente educativo, onde trabalhar e formar não sejam atividades distintas. A

formação deve ser encarada como um processo permanente, integrado no dia-a-dia dos professores e das escolas, e não como uma função que intervém à margem dos projetos profissionais e organizacionais. (NÓVOA, 1992b, p. 29)

A articulação trabalho-formação no espaço da escola estabelece-se como uma das formas mais eficazes de aproximar todos os profissionais da formação continuada. Por estar vinculada ao próprio local de trabalho onde a permanência da formação pode ser garantida, Schön (1992, p. 91) destaca a importância da articulação na ação dos diferentes profissionais nesse processo ao afirmar que “quando professores e gestores trabalham em conjunto, [...] a própria escola pode tornar-se um practicum reflexivo para os professores”.

A partir das considerações desses autores, a formação de um corpo profissional da educação na perspectiva reflexiva está diretamente relacionada a dois fatores determinantes da formação: os contextos de trabalho e as possibilidades e limites do desenvolvimento do trabalho coletivo de formação nesses contextos. Nesse sentido, Nóvoa et al (2011) indicam que:

É necessário recusar o consumismo de cursos, seminários e ações que caracteriza o actual mercado da formação sempre alimentado por um sentimento de desactualização dos professores. A única saída possível é o investimento na construção de redes de trabalho coletivo que sejam o suporte de práticas de formação baseadas na partilha e no diálogo profissional. (NÓVOA et al, 2011, p. 536)

Então, para a constituição do profissional reflexivo pressupõe-se articuladamente, a autoria dos profissionais de educação nas propostas de formação apontada por Nóvoa et al (2011), fazendo valer suas vozes para que as necessidades formativas emerjam de seus contextos de trabalho, conforme indicado por Carvalho (2005), aliada a construção de sentidos na constituição da profissionalidade docente, dada por Nóvoa (2010) e articulada aos diferentes profissionais da escola para que essa seja um local de exercício de reflexão na e

sobre a prática , conforme indica Schön (1992).

Essa pode ser uma das possibilidades de garantia da qualidade social para a educação, uma vez que os principais atores da ação educativa estarão comprometidos com os processos de formação continuada, trazendo para a rede de formação seus saberes e suas práticas, obtidos a partir de diferentes contextos de aprendizagens ao longo da carreira e da vida.

A seção que segue apresenta autores que auxiliam a compreensão de como os saberes e prática docentes construídos em diferentes contextos sociais se articulam na formação continuada.

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