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2 CONCEPÇÃO DA FORMAÇÃO HUMANA

2.3 FORMAÇÃO HUMANA NA ADOLESCÊNCIA: SENTIDOS IDENTITÁRIO E

O maior desafio da adolescência é ser adolescente. É não pensar tanto no futuro. É não ter tanto medo do futuro, do que vamos ser amanhã, quando crescermos. É aproveitar toda essa alegria que temos, é falar, se divertir, sair, brincar, ter responsabilidade também. É aproveitar toda essa fase maravilhosa, essa época em que a gente pode fazer o que quer, mas agindo de forma a respeitar as pessoas mais velhas, agindo de forma a não prejudicar ninguém. (ALINE CZEZACKILI - 16 anos)2

16 anos

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Para efeito desta análise, concordamos com o ponto de vista de Charlot (2000, p. 33, 51), para quem o humano está vinculado ao mundo, a partir de uma história, e é movido pelo desejo na relação com outros. Portanto, é social, tem origens familiares, que faz parte de uma determinada cultura. Por fim, enredado por sua singularidade, o adolescente tem uma história de vida que aprecia o mundo e lhe concede um sentido próprio, a partir do lugar que ocupa, bem como a partir das relações produzidas com o outro. Do ponto de vista da formação humana, o desejo é uma condição inicial, mas por si só não é suficiente. Em razão do movimento inicial, tende a se transformar e a se desenvolver em direção ao crescimento.

Para Charlot (2000), o sujeito elabora a sua vida como parte de um grupo, porém resguarda a sua singularidade. Por conseguinte, não é pré-concebido, está em permanente edificação, visto como um processo contínuo de atualização de suas ações, em acordo com a perspectiva humanista, constituindo-se como um humano, com o desenvolvimento de potenciais que o definem em sua espécie.

As mudanças sociais e identitárias, que constituem as experiências, na adolescência, envolvem anseios, escolhas e desafios e, como consequência dessa dinâmica, urge a reorganização psíquica, do mesmo modo que mudanças em seu papel social (ERIKSON, 1987; COLE; COLE, 2003; SANTROCK, 2003).

Esse movimento é compreendido, segundo Oliveira (2004), como ritos de passagem, que se intensificam em diferentes margens da vida: psicológica, familiar e comunitária. O autor expressa, ainda, que, em contextos urbanos, considerando as relações constituintes do adolescente, ou seja, as relações sociais e subjetivas, os rituais podem se apresentar através de diferentes situações, a saber: namoro, sexo, transgressão e outros rituais, que podem vir a fortalecer a imersão do adolescente na vida adulta e sua entrada nesse período etário (COLE; COLE, 2003).

Moreira (2001) acrescenta que a inquietação e a criatividade, bem como a espontaneidade, nessa etapa da vida, precisam ser potencializadas com o intuito de emergir uma profissão criativa. A profissionalização denotará a relação que o jovem estabelece entre a sua vida presente e a vida passada, relacionando-as e projetando-se no futuro. Bock e Liebesny (2003) ratificam um atravessamento entre a elaboração da identidade, na juventude, e o projeto que se propõe a assumir, tendo em vista o seu futuro, realizando adaptações e compreensão pessoal de crenças e de valores socialmente instituídos e, nessa esfera, produzindo autonomia.

A autonomia se desenvolve, nesse ínterim, de forma incorporada, considerando o projetar-se no mundo. Sobre isso, afirma Fleming (1997, p. 47):

[...] a autonomia está menos na dependência da esfera externa paternal, conduzindo a padrões de comportamento regulados agora essencialmente por uma instância propulsora […] permitindo ao adolescente projectar-se e projectar o seu futuro com confiança. Em consequência, a confiança se desenvolve a partir de articulações entre instâncias que se constituem e se incorporam. Com efeito, quando há integração entre a individuação e a construção da autonomia, há elaboração de valores. Tal realização conduz ao fortalecimento da identidade. Segundo Josselson (1980), a articulação entre essas duas instâncias acontece da seguinte forma:

a autonomia é outro lado da individuação. À medida que a individuação se processa, a autonomia cresce. Isso depende se se olha para aquilo de que o adolescente se afasta (individuando-se) ou para aquilo de que se aproxima (ganhando autonomia) […]. Os aspectos do sujeito que se tornaram individuados e autônomos devem ser incorporados na identidade. Então há uma sequência interdependente entre individuação-autonomia-formação de identidade. (JOSSELSON, 1980 apud FLEMING, 1997, p. 48).

Nesse processo, entre autonomia e individuação, a identidade vai se edificando e tomando forma. Ela desponta, não apenas na adolescência, mas ao longo do ciclo da vida.

Para Erikson (1987), a identidade se amplia a partir de uma sequência que envolve crises ou conflitos. Este autor considera que o adolescente é capaz de, em meio às situações emergentes, se reorganizar e avançar mediante o enfrentamento do novo e, assim, as experiências tendem a ser superadas e incorporadas em direção à etapa posterior. Dessa forma, indica que o conflito dominante, nesse momento da vida, está associado à formação e à difusão da identidade.

Com tais características, a adolescência compõe sua identidade, supondo a incorporação de identificações infantis e introjeção de aspectos psicossociais, superando a crise de uma fase que ficará elaborada em suas ações e se deparando com outras que surgirão.

Essa procura da identidade, muitas vezes, contribui para mobilizar o sujeito em direção à rejeição ao que é expresso pela figura paterna, agindo de forma a se rebelar, na relação com os pais, e de alguma forma a sublinhar proximidade com os

pares etc. Nesse cenário, percebe-se cada vez mais ampliando o mundo do qual faz parte, bem como a complexidade em que está inserido. Tal complexidade, por sua vez, está associada à autonomia, que o faz buscar outras posturas, no decurso da vida, exigindo adequação às relações que se constituem no campo das experiências pessoais e relacionais.

Como consequência, a identidade se desenvolve a partir de necessidades pessoais em busca de objetivos. Logo, Erikson (1976) defende a construção da identidade a partir da definição da própria imagem, tendo em vista o relacionamento que se consolida com o outro (pais, família, parentela, amigos). Desse modo, o Erikson (1976, p. 21) afirma que “é um processo de crescente diferenciação e torna- se ainda mais abrangente à medida que o indivíduo vai ganhando cada vez mais consciência de um círculo em constante ampliação de outros que são significativos para ele.”

Assim, percebemos que esse conceito expressa um sentido de consciência do mundo; mundo do qual faz parte e que se expande através de âmbitos pessoais e coletivos, envolvendo aspectos de formação identitária de forma coerente e comprometida. Erikson, em nosso ponto de vista, correlaciona dimensões institucionais, socioculturais, históricas e biológicas com a formação da identidade e, nesse campo, o passado e o futuro se projetam, redefinindo e avaliando as ações no presente.

Nesta direção, a identidade se reformula, autodefinindo e unificando os eus, a partir de um sentimento genuíno, isto é, coerente, verdadeiro – de quem se é (MYERS, 1999, p. 86), significando o reconhecimento do outro, o reconhecimento de um sentimento coeso e interno, que unifica e cria uma unidade de um eu e, nesse processo, surge o reconhecimento de si do saber quem sou (CAMPOS, 2002, p. 117).

Como síntese parcial, a compreensão da adolescência envolve aspectos intra e interpessoais que se vinculam à elaboração de sua identidade e aos laços significativos que compõem o mundo de suas relações. O entrelaçamento desses elementos, de acordo com Erikson (1976), proporciona a identidade e a estabilidade, alcançando a lealdade e a fidelidade consigo, apesar das adversidades presentes.

Podemos perceber que, no depoimento de ALINE CZEZACKILI, 16 anos, acima citado, o conceito de ser adolescente está incorporado ao lançar-se no mundo, no contexto social, ser responsável e respeitar o outro. Desse modo, tenta

superar os conflitos e se reconhecer singular e coletivamente em busca de uma formação congruente entre o que pensa, o que sente e o que faz na construção de sua identidade.

Segundo Erikson (1976), necessariamente, o desenvolvimento pessoal está envolvido com as transformações que se dão na comunidade, além disso, a crise de identidade e a crise de nossas histórias sociais estão vinculadas e são interdependentes. Erikson (1976, p. 134) acrescenta, nessa trajetória, que

a adolescência é um regenerador vital no processo de evolução social, pois a juventude pode oferecer lealdade e energia, tanto à conservação daquilo que continua achando verdadeiro como à correção revolucionária do que perdeu o seu significado regenerador.

Assim, formar a identidade requer transformações permanentes, que se iniciam do encontro da genitora com o bebê e tendem a ser ampliadas nas relações com outras pessoas, tornando-se cada vez mais refinado o conhecimento de si e do outro. Desse modo, por exemplo, os pares fortalecem o sentimento de composição de um grupo, os códigos de linguagem fortalecem a relação comunicativa etc. Então, o sentimento de pertença, segundo Erikson, ajuda o adolescente a não se sentir difuso.

Compreendemos, assim, que um sentido de identidade desenvolvido está atrelado à noção de reconhecimento do meu eu em meio aos conflitos que me constituem, isto é, quanto mais fortalecida for a minha identidade, mais tenho habilidades desenvolvidas na minha relação com o mundo externo e interno, mais estarei organizada para alcançar a dimensão espiritual própria da compreensão de mim mesma. Por outro lado, quanto mais frágil a estrutura da minha identidade, mais vulnerável me encontro no mundo, menos compreensão eu tenho do outro, sigo me apoiando no que dizem e fazem, sem uma construção própria.

Com efeito, o sujeito é envolvido por situações, pessoas e contextos e, dessa forma, estabelece uma aliança com os aspectos culturais e, ao mesmo tempo, a pessoalidade é preservada. Assim, mesmo que eu esteja envolvido pelo ambiente, a minha singularidade estará atuando de forma proativa.

Podemos compreender esta afirmativa, a partir da teoria de Erikson, pois, conforme Hall, Lindzey e Campbell (2000, p. 176), Erikson conferiu ao ego características como: confiança e esperança, autonômia e vontade, diligência e

competência, identidade e fidelidade, intimidade e amor, generatividade e cuidados e, por fim, a integridade. Ainda de acordo com esses autores, tais características são valores universais, e reúnem três esferas importantes: o ciclo de vida do indivíduo, a estrutura social básica e a sequência de gerações.

Tais características constituem, no nosso modo de ver, elementos fundamentais para a potencialização de uma formação humanizada, que pode contribuir para o desenvolvimento de pessoas que creem em uma vida direcionada à responsabilidade e nas possíveis relações transformadoras do humano. Quanto à universalidade desses valores, é possível, desde que sejam considerados o tempo, o contexto e a cultura das diversas civilizações.

A abordagem de Erikson (1998) revela-nos a possibilidade de que o homem tem condições de mobilizar forças básicas, de resolver os conflitos e direcionar, conscientemente, seu crescimento pessoal, demonstrando, assim, teoricamente, uma condição positiva, que envolve a natureza humana e diz respeito à formação contínua da personalidade e de adaptação do ego em relação às experiências vividas.

3 A SITUAÇÃO DA ADOLESCÊNCIA NA ATUALIDADE E O PROBLEMA DA