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Antes de abordarmos os vários aspectos da formação jurídica no Brasil, cumpre-nos uma análise sócio-política que antecedeu o momento da fundação das duas Academias jurídicas no Brasil, voltando ao já enunciado em nossa pesquisa aqui retomamos:

270 Idem. Op. cit. p. 455.

271 Idem. Op. cit. p. 465.

272 Cury, Vera de Arruda Rozo (1993). Ensino do Direito. Distanciamento do Social. Um imperativo? Dissertação de Mestrado, PUC-Campinas, p.47.

Sob o impacto da independência política, a primeira tentativa de criar-se uma universidade no Brasil ocorreu por ocasião da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Brasil, instituída em 1823 e aberta solenemente aos três dias do mês de maio do mesmo ano, por proposta apresentada por José Feliciano Pinheiro, futuro Visconde de São Leopoldo.

Representava José Feliciano o Estado do Rio Grande do Sul e justificava sua proposta amparando-se no sofrimento da mocidade oprimida em Coimbra e no duro tratamento por ela recebido em Portugal273.

Baseando-nos, ainda, em nossa pesquisa anterior, complementaremos nossas considerações, lembrando que se observou

o regime de urgência para a tramitação do projeto, e, após apreciação, votou-se pelo seu desdobramento visando à criação de duas universidades: uma em São Paulo e outra em Olinda, fazendo menção ao curso jurídico que deveria estabelecer-se em São Paulo.

As discussões sucederam-se, tendo a lei sido sancionada aos quatro dias do mês de novembro.

Com a dissolução da Constituinte ainda em 1823, não chegou a lei a ser promulgada e nem publicada pelo Poder Executivo. Em 1825, através do Decreto de 9 de Janeiro, criou-se um curso jurídico sediado no Rio de Janeiro, levando o assunto a ser discutido na Câmara dos Deputados em sessão de 5 de julho de 1826.

Proposta emenda por Paula Souza, deputado por São Paulo, a mesma foi acatada e aprovou-se a criação de dois cursos, um em São Paulo e outro em Olinda, através da Lei de 11 de agosto de 1827.

Obtivemos, dess forma, não uma universidade, mas, sim, duas academias: Academia de Direito de São Paulo e Academia de Direito de Olinda274.

Valorava-se sobremaneira o curso jurídico, deixando evidente a sua importância na busca de uma formação abrangente,

capaz de atender as necessidades de um jurista, de um magistrado, enfim de um homem de Estado. Buscava-se, desse modo, a formação de indivíduos que pudessem integrar os quadros políticos do Estado Brasileiro, da mesma forma como haviam sido então os componentes, na Universidade de Coimbra275.

273 Idem, p.47.

274 Idem, p.48. 275 Idem, p.49.

Muito se discutiu a respeito da localização do curso jurídico, envolvendo sempre vários interesses dos deputados atuantes, interesses esses provincialistas, considerando-se o “eminente sentido político a ele atribuído e conseqüente influência na formação do Estado”276, prevalecendo o seu distanciamento da Corte, tendo em vista a não intervenção e influência do governo para a mantença da liberdade de pensamento no interior do curso.

Esses fatos fizeram-nos afirmar que as experiências cultivadas nos bancos de Coimbra pelos profissionais da lei, integrantes das Assembléias, foi predominante, “por pertencerem a um mesmo corpo político, estarem envolvidos na sua maioria pelo mesmo ideal e terem participado do movimento da Independência”277, buscando, naquele momento, livrarem-se do jugo de Coimbra para “firmarem-se no liberalismo como política dominante”.

Dessa maneira, no Brasil, a formação jurídica tem início em 1827, informada pelo pensamento liberal, sob a influência das elites cuja formação é, igualmente, liberal. Acrescente-se a esse fato a influência da Igreja na formação do Estado brasileiro, que, nesse primeiro momento, tem o Direito eclesiástico incluído no currículo, o caráter de Direito público.

Ao Direito eclesiástico soma-se o Direito romano, contra o ensino da análise da Constituição, fundamento da Lei de 1827 e Regulamento de 1831 e base para os constitucionalistas, os quais se viram observando o Direito romano, para as instituições civis e o Direito eclesiástico para as instituições públicas, definindo-se dois segmentos: os conservadores romanistas e a Igreja.

Urge uma análise, ainda que breve, das Academias, as quais, muito embora criadas à sombra da Universidade de Coimbra, adotaram ideologias, em parte, diferenciadas: a de São Paulo com uma orientação liberal exaltada e a de Olinda de postura mais conservadora, segundo pudemos extrair dos

276 Idem, p.49. 277 Idem, p.50.

ensinamentos de Clóvis Bevilaqua e Rui Barbosa, quando o primeiro nos retrata a história da Faculdade de Direito do Recife e o segundo realiza uma excursão eleitoral ao Estado de São Paulo, da mesma maneira como o fez RODRIGUES:

em São Paulo destacou-se como liberal exaltado o Prof. Avelar Brotero desde a fundação da Academia Paulista. Assim se manifestou Antonio Mariano de Azevedo marques, seu aluno, referindo-se à sua personalidade: ‘deu-lhe a mania para liberal exaltado, ou furioso, se quiserem: pouco ou nada religioso...Brotero mal satisfaz os cumprimentos de estilo,... põe-se a reger sua aula como entende... Em suma, os estudantes estão contentes com o Brotero, porque com muito poucas exceções são liberais278.

Pedro Autan da Matta e Albuquerque, por anos, influenciou a Academia de Olinda/Recife. Extremamente religioso, lecionava Direito natural por meio de compêndio elaborado por ele, desde 1832. Dedicava-se inclusive à Economia Política, considerando-a como uma ciência de observação, atribuindo à mesma uma diferenciação com o socialismo que para ele seria ‘um sistema, parto de inteligências superficiais279.

Complementando esta breve análise ideológica, releva retornar a citação feita por Rui Barbosa, com o intuito de clarificar as ideologias presentes nas duas academias, ao se referir este grande pensador brasileiro à Academia de Direito de São Paulo e seu ensino:

O estudo aqui nunca foi livresco, egoístico, indiferente à vida social. Nunca o direito se regulou aqui em textos estéreis e mortos. O seu tirocínio escolar, nesta cidade, sempre se animou ardentemente do espírito de luta, de civismo, de reação liberal. Assim era desde o embrião da sua faculdade, quando Avelar Brotero em Março de 1828, averbava a matrícula no primeiro ano280.

Podemos verificar que na época imperava o liberalismo nas academias; no entanto, na Academia de Direito de São Paulo, o espírito liberal mostrava-se absorvido pela função ideológica inicial do liberalismo no sentido de uma teoria revolucionária, e, na de Olinda, essa ideologia mantinha-se mais conservadora, requerendo um ajuste político: liberais exaltados; liberais

278 RODRIGUES, Honório J. (1975). Independência: Revolução e Contra-Revolução. Apud CURY, Vera de Arruda Rozo. Op. cit. p.51.

279 BEVILAQUA, Clóvis.(1977). História das Faculdades de Direito do Recife. Apud Cury, Vera de Arruda Rozo. Op. cit. p.51.

280 BARBOSA, Rui (1909). Excursão Eleitoral ao Estado de São Paulo. Apud CURY, Vera de Arruda Rozo Cury. Op. cit. p.51.

mais conservadores e Igreja. Sem dúvida, o quadro administrativo formava-se no sentido de reproduzir esse modelo, pois o currículo fora moldado sob esse arranjo político, tendo por trás o Estatuto do Visconde de Cachoeira, conservador e romanista.

O Direito romano permanece latente durante muitos anos, por toda a Primeira República. O Direito eclesiástico passara já a sofrer resistência por parte dos liberais e conservadores, no final do Império. Ambos ordenavam a separação entre Estado e Igreja, no sentido de impor ainda restrições ao papel desta e aquele em relação à educação. O Direito eclesiástico assume, em decorrência das pressões, o caráter de disciplina optativa. Nesse período, o Estado Imperial encontrava-se fragilizado pela crise Igreja/Estado/Escravos/ Militares, não conseguindo a descentralização do ensino, restando essa alternativa apenas para o ensino privado.

No período da República, dada a ruptura do Estado com a Igreja, sobrevive o ensino jurídico segundo os mesmos padrões do período Imperial, com exceção do Direito eclesiástico, então abolido do currículo. Acrescia a dificuldade para a interpretação dos textos legais, produzidos em excesso, com seus casuísmos, segundo os interesses das elites dominantes e apoiados em textos do Direito Civil pela interpretação romanística. Esses fatos contribuíram para a transformação do currículo num sistema abstrato, destinado à formação de profissionais e não de juristas. Por essa época, manteve-se a influência romanista e jusnaturalista, muito embora já se fizesse sentir na Europa a influência positivista.