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2. FORMAÇÃO DOCENTE NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

2.2 Formação do professor de Biologia

O envolvimento com o trabalho docente e o processo de formação continuada dos professores das escolas onde atuo como coordenadora pedagógica suscitam muitas reflexões, estudos e questões relativas ao que se propõe como formação e do que se espera do professor que atua nos dias de hoje, bem como uma inquietação na busca de ações que sejam transformadoras no campo educacional.

Para melhor compreender o processo de formação docente na perspectiva adotada, há a necessidade de refletir sobre educação num processo mais amplo que se relaciona com a constituição e desenvolvimento histórico-cultural do ser humano.

Nesse contexto, é importante ressaltar o que é o trabalho educativo. Para Saviani (1991, p. 21) ele é “o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. Tal citação nos faz entender que o trabalho educativo produz o indivíduo humano e, conseqüentemente, a atividade social, a partir daquilo que a humanidade produziu ao longo da história. Portanto, o processo educativo tem o papel mediador entre a reprodução

individual e a reprodução da sociedade, tendo dois agentes distintos: o docente e o discente. Ambos irão se apropriar da cultura acumulada pelas gerações anteriores e ao mesmo tempo devem criar objetivações relacionadas ao seu tempo histórico, cabendo à educação propiciar condições para as apropriações e as novas objetivações.

Ao analisar os dois agentes do processo educativo, Mazzeu (1998, p. 60) aborda que a prática pedagógica deve “[...] levar os alunos a dominarem os conhecimentos que são acumulados historicamente pela humanidade [...]”, mas que para os alunos se apropriem desse saber escolar, “[...] o professor precisa estar, ele próprio, apropriando-se desse saber e tornando-se cada vez mais autônomo e crítico[...]”.

Assim, tomando como base o referencial da perspectiva histórico-cultural a formação docente requer quesitos básicos, apontados por Mazzeu (1998, p. 63):

o domínio do saber acumulado no que se refere ao conteúdo escolar e às formas de ensiná-lo; o domínio da concepção dialética como meio de desenvolver uma ação e reflexão autônomas e críticas; a formação de uma postura ético-política guiada por sentimentos e valores que possibilitem ao professor utilizar esse saber acumulado como meio para o desenvolvimento pleno do aluno e para seu próprio desenvolvimento.

A partir desses quesitos, algumas reflexões podem ser feitas. Primeiramente, pode-se levantar o seguinte questionamento: como promover a apropriação, por parte dos professores, de modo significativo dos saberes acumulados? Aqui podemos refletir tanto sobre a formação inicial como a formação continuada.

No que se refere à formação inicial, mais especificamente, na área de Ciências Naturais, duas perspectivas básicas imperam. De acordo com Terrazan (apud BORGES, 2000, p. 51), há a perspectiva construtivista e a prático-reflexiva. A primeira voltada para o conhecimento num processo de (re)construção e a segunda, que forma o professor para atuar ativamente com criticidade, autonomia e ações que sejam transformadoras no campo educacional. No entanto, o autor aponta que

No Brasil, especificamente na formação inicial de professores para a área de Ciências Naturais, consideramos que os cursos estão muito pouco estruturados em qualquer uma destas duas perspectivas, ainda que a primeira (construtivista) tenha elementos de inserção mais perceptíveis. Estas vertentes têm maior expressão nas atividades de formação continuada de professores para esta área, sendo que neste âmbito as

tentativas de preparação de um professor reflexivo têm crescido muito. (TERRAZAN apud BORGES, 2000, p. 51)

Para o autor, as perspectivas básicas que imperam nos cursos de formação inicial referem-se à academicista e a utilitarista. A primeira transmite os conhecimentos aos futuros docentes preparando-os para o domínio de conteúdos da disciplina a serem ensinados. Já a segunda perspectiva concebe o professor como alguém que executa planos curriculares, programas e procedimentos elaborados por especialistas. Tal perspectiva predominou nos cursos de graduação de Ciências nos anos de 1965 a 1985, com os projetos para o ensino de Ciências Naturais.

Na realidade, o que se espera de um professor vai muito além do que as universidades têm oferecido nos cursos de licenciatura. De acordo com Borges (2000),

a ação da Universidade deve direcionar-se para a busca de uma articulação entre a reflexão política e a competência técnica necessárias ao professor. Isto significaria pensar nas especificidades do conhecimento que será objetivo de trabalho em sala de aula, nas características dos alunos da educação básica e nos saberes teórico-metodológicos que o professor deverá possuir para sua ação, incluindo sua concepção de educação, de ciência e de sociedade. (BORGES, 2000, p. 50)

Nesse sentido, os cursos de licenciatura precisam romper com a racionalidade técnica e formar os futuros profissionais para uma atuação eficaz, ampliando a sua consciência de ação. De acordo com Carvalho e Gil-Pérez (1995, p. 19), os professores de ciências devem “saber” e “saber fazer”, Para os autores, os professores devem não só conhecer a matéria a ser ensinada, mas também, adquirir conhecimentos teórico-metodológicos sobre aprendizagem, fazer críticas fundamentadas, saber avaliar, utilizar a pesquisa e inovar.

Embora tudo isso seja relevante no processo formativo, numa abordagem histórico- cultural, esse processo é visto como algo ainda mais amplo, em que o professor tem que compreender que a fonte de sua aprendizagem, de toda a sua formação, é a sociedade. Para Vieira Pinto (1982, p. 109), a sociedade atua de duas formas: transferindo ordenadamente os conhecimentos (algo que parece ao futuro educador direto, já que é sentido como ação imediata, no entanto, é indireto) e, também, na forma de consciência (visto como algo indireto pelo futuro educador, já que não sente de forma imediata, mas que na realidade é direto), recebendo estímulos, desafios e problemas, que por sua vez educam.

Nas considerações de Mazzeu (1998, p. 62), a formação na abordagem histórico- cultural, se dá quando o professor, ao entrar em contato com o saber acumulado, considera- os “como produtos da atividade humana, como respostas encontradas e selecionadas para resolver determinados impasses”. O autor coloca ainda que, a formação ocorre na medida em o professor atua frente aos conteúdos, não como ser particular movido por interesses prático-utilitários, mas sim movido pela necessidade de promover o seu próprio desenvolvimento como ser genérico. Nesse sentido, o professor pode ser sujeito da sua formação na medida em que toma sua prática como objeto de reflexão crítica.

Outro enfoque dado se refere à instrumentalização, ou seja, para superar situações- problema, o professor deve se apropriar de instrumentos de trabalho como procedimentos, técnicas e materiais didáticos. Para Mazzeu (1998, p. 69) a instrumentalização consiste em um processo de “apropriação dos instrumentos e signos produzidos pela humanidade, que fazem parte da herança cultural e, ao mesmo tempo, de criação de novos instrumentos e signos”. Portanto, o professor se apropria do saber, mas também tem que assimilar o saber- fazer, ou seja, as técnicas, as habilidades, As duas coisas não estão desvinculadas; o docente, nas suas relações com os outros, também vai determinando as formas de como fazer ao mesmo tempo em que adquire conhecimentos.

Para compreender o processo de incorporação das formas de pensar e agir, produzidas histórica e socialmente, Saviani (1984, p. 75) nos remete ao conceito catarse, tomando como base, a definição de Gramsci que diz ser a catarse uma “elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens”. Essa internalização não se constitui simplesmente numa socialização em que o professor se ajusta à sociedade, mas sim num processo em que o professor incorpora maneiras de ser (pensar e agir) que resultam de um processo educativo e natural. Mazzeu (1998, p. 70) coloca que a formação nessa perspectiva possibilita uma verdadeira autonomia do professor e que isso ocorre de forma consciente e reflexiva.

Diante dessas questões relacionadas à formação docente em que a apropriação tem uma relação com o objetivo da pesquisa, a qual busca compreender as condições de apropriação e interpretação dos princípios apresentados pelos documentos curriculares nacionais, justifica-se abordar as concepções de saberes no que se refere à formação de professores, articulando-as com o processo de apropriação.