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A FORMAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL E A GÊNESE DO SETOR HOTELEIRO DE SANTA CATARINA

4 A GEOGRAFIA DAS REDES HOTELEIRAS EM SANTA CATARINA

4.1 A FORMAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL E A GÊNESE DO SETOR HOTELEIRO DE SANTA CATARINA

O processo histórico de formação da nação brasileira realiza-se sobre uma base material determinada por condições naturais e humanas. Diante do quadro geográfico, o processo de povoamento do território que hoje corresponde ao Brasil foi realizado pela iniciativa da Coroa Portuguesa, cuja ocupação fez-se a partir do litoral, obedecendo à busca de novas oportunidades lucrativas, como foi o caso do óleo de baleias capturadas e manufaturadas nas armações do litoral de Santa Catarina, assegurando à Coroa Portuguesa a posse de grandes extensões do território colonial, na porção Meridional, alvo de grandes disputas entre os dois reinos ibéricos: Espanha e Portugal141.

A indefinição das fronteiras e a falta de um povoamento efetivo da região Meridional geraram inúmeros conflitos apesar do Tratado de Tordesilhas, firmado entre as duas Coroas Ibéricas em 1494142.

141No momento histórico da conquista e colonização do “novo mundo” pelos países ibéricos, a Europa passava pelo processo de transição do feudalismo para o capitalismo. Essa transição foi lenta, impulsionada pelos acontecimentos históricos desse período: as navegações, a expansão marítima, as grandes descobertas, a colonização e os novos mercados. A descoberta da América, e do Brasil em particular, é marcada por uma dualidade, ou seja, no polo interno da dualidade dominavam formações sociais pré- feudais, isto é, não existia uma população afeita a produzir a sua própria condição de vida, enquadrada na pequena exploração agrícola, enquanto no polo externo existia um sistema mercantilista em desenvolvimento e um sistema feudal em decomposição (PEREIRA, 1998). Ver a história da dualidade brasileira de Inácio Rangel, 1981. 142

Rangel (1981) chama a atenção sobre o feudalismo que surgiu no Brasil a partir do Tratado de Tordesilhas, pois as relações que passaram a dominar entre os donatários e o rei de Portugal eram de suserania e vassalagem, isto é, uma relação de submissão às ambições de Portugal ao passo que entre o donatário-vassalo e a população do feudo, a

A ocupação e a consolidação do território colonial conquistado pelos portugueses constituem um dos fios condutores da formação social brasileira. São as condições naturais e humanas vigentes no espaço colonial que, somadas às experiências trazidas pelos portugueses, irão definir a estruturação socioeconômica do futuro Brasil (PEREIRA, 1997).

A estratégia de povoamento do litoral Sul teve como ponto de partida a capitania de São Vicente de onde se irradiou a formação de alguns núcleos de povoamento que, no século XVII, deu origem no litoral de Santa Catarina às vilas de Nossa Senhora do Rio São Francisco do Sul (1645), Nossa Senhora do Desterro (1651) e Santo Antônio dos Anjos da Laguna (1676), consideradas postos avançados dos portugueses no sentido Norte-Sul, os quais dependiam da via marítima e das condições portuárias para estabelecer contato com outros núcleos coloniais de povoamento situados na faixa costeira143.

O litoral catarinense foi o principal alvo da política expansionista de Portugal na ocupação do território meridional brasileiro, com base na exploração dos recursos naturais disponíveis (óleo da baleia). A experiência colonizadora associava-se à estratégia de defesa territorial e ao uso diversificado da terra. Em meados do século XVIII, o litoral catarinense, especialmente as áreas próximas à Vila de Nossa Senhora do Desterro, porta de entrada do Brasil Meridional, local de apoio para o abastecimento de embarcações e rota obrigatória para atingir a bacia do rio da Prata, recebeu um número significativo de açorianos a partir da segunda metade do século XVIII, servindo de local de apoio para abastecimento de embarcações e como rota obrigatória para atingir a bacia do rio da Prata (MAMIGONIAN, 1998).

Desde os seus primórdios, a ocupação do território catarinense acabou gerando duas realidades distintas: o planalto e o litoral separados pelas Serras do Mar e Geral. “O planalto, que pertencia à Capitania de São Paulo, foi povoado por paulistas em 1766, com a fundação de Lages, incorporada a Santa Catarina em 1820” (PELUSO JR., 1991).

A localização estratégica da costa catarinense, entretanto, permitiu que, no interior dessa formação sócio-espacial, fossem

ele subordinada, estabeleciam-se relações típicas de outros modos mais “primitivos” de produção.

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A partir da fundação das póvoas de São Francisco, Desterro e Laguna, a ocupação do litoral catarinense se intensifica com a concessão de sesmarias e a fixação de sesmeiros, com seus estabelecimentos agrícolas e pastoris. Em 1680, na margem setentrional do rio da Prata, os portugueses fundam a colônia do Sacramento (PIAZZA, 1982).

desencadeadas produções territoriais e cumulativas com o passar do tempo.

Pela orla litorânea os contatos iniciais realizados pelos primeiros exploradores eram realizados por via marítima, enquanto mesmo diante das dificuldades encontradas para superar o paredão da Serra do Mar, a exploração rumo ao interior do planalto meridional concorreu, também, com o avanço das bandeiras de colonização. Duas correntes realizaram essa expansão: uma partindo de São Vicente (1532) e descendo pelo litoral até Laguna; e a outra, tendo como foco inicial o centro pastoril de Sorocaba (1598), atravessava todo o planalto meridional. A primeira corrente de povoamento chega a Laguna em 1684, liderada por Domingos de Brito Peixoto. Esse território passa a ser o primeiro centro explorador dos paulistas no extremo-sul (VIANA, 2005)144.

Movidos inicialmente (século XVII) pela procura de índios para escravizá-los e vendê-los, no século seguinte (XVIII), os paulistas passaram a arrebanhar o gado missioneiro para comercializar em Sorocaba (SP), incorporando-o ao circuito econômico colonial e criando, ao longo desse caminho, sesmarias que se transformaram em estâncias. A exploração econômica das terras do planalto catarinense deu origem, nas suas manchas de campo ao latifúndio pastoril, associada ao extrativismo dos ervais nativos encontrados na mata araucária. (PEREIRA, 2003, p. 104).

O contato europeu com a paisagem local iria gerar modificações desde o começo do assentamento luso nesse território145. Como já enfatizado, a política administrativa instalada pela Corte portuguesa promoveu, de um lado, o processo de reconhecimento geográfico do território colonial e, de outro, a construção de um sistema de fortificações a partir da criação da Capitania, bem como a colonização açoriana do Brasil meridional. Para Pereira:

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Muito antes de atingirem as campanhas férteis do extremo-sul, os bandeirantes paulistas, além da captura para escravizar índios e da exploração de ouro, praticam o pastoreio como forma principal de atividade e como meio para o povoamento. Viana (2005) ressalta que da “política imperialista a única expressão realmente característica é o bandeirismo pastoril, que eles praticam desde os primeiros grupos que enxameiam de São Vicente, no século XVI, até as últimas fundações em Palmas e Curitibanos, no planalto catarinense, e em Passo Fundo, em Palmeiras, em Cruz Alta, na região serrana do Rio Grande já em pleno século XVIII”.

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Diante do vazio econômico encontrado pelos descobridores, a transformação por que passa o território conquistado será geneticamente determinada pelos elementos endógenos e pelo padrão de colonização imposto pela Coroa portuguesa, cujas ações eram motivadas pelo capital mercantil associado à nobreza (PEREIRA, 1997).

O projeto de colonização do Brasil meridional, do qual fazia parte a ocupação do espaço litorâneo catarinense, se amplia e se consolida com a instalação de bases político-militares, o que levou a construção de um complexo de fortificações, principalmente na Ilha de Santa Catarina, e a edificação de armações baleeiras, financiado por capitais comerciais portugueses, para extração de óleo de baleia, utilizado nos séculos XVIII e XIX para vários fins. (PEREIRA, 2003, p.104). Entre os anos de 1747 e 1756 emigraram para o Brasil, provenientes do arquipélago dos Açores e Madeira, voluntários açorianos para fortalecer a colonização do litoral Catarinense. Em 1747, instalaram-se vários povoados nos núcleos de São Miguel, como a Fazenda da Armação, Costeira da Armação, Palmas, Ganchos, Garoupas, Bombas, Zimbros, Tijuquinhas, além de outros povoados que também merecem destaque, como a Enseada do Brito, São José, Paulo Lopes, Garopaba e Vila Nova. Na ilha de Santa Catarina, os açorianos localizaram-se especialmente na Trindade, Ribeirão, Lagoa, Santo Antônio, Rio Vermelho e Rio Tavares146 (SILVA, 1992).

As consequências do povoamento açoriano em terras catarinenses fizeram-se sentir em três esferas: político-administrativa, econômica e cultural. Primeiramente, no campo político-administrativo, registra-se o fortalecimento da posição portuguesa na parte meridional do território colonial através da implementação de um projeto político de ocupação do litoral catarinense, em que se associou o caráter político militar ao caráter socioeconômico: uma pequena produção mercantil assegurou a posse efetiva da terra, colocando-se como possibilidade para compor

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Na ilha de Santa Catarina, a princípio, os grupos de açorianos que se assentaram aos arredores do Largo da Matriz, expandindo-se primeiramente para o Leste e, posteriormente para o Oeste, conformando aglomerados de casas muito rudimentares (VEIGA, 1993, p. 37). Paralelamente, ocorre a expansão para outras localidades no interior da ilha, formando as freguesias. Os problemas encontrados na época para assentar as famílias de colonos decorriam da dificuldade de transporte e de locomoção por terra ou por mar. Esses imigrantes eram agricultores, alguns carpinteiros, vários comerciantes, outros oleiros, mas, pouquíssimos pescadores. Nas ilhas dos Açores, dedicavam-se também às atividades ligadas ao plantio e ao trato do trigo e ao cultivo da uva, do ananás, de frutas cítricas, de hortifrutigranjeiros e da pecuária do leite. Ao chegar à ilha de Santa Catarina, deram início a essas atividades, porém experimentaram revezes pela inadaptabilidade do clima para os cultivos, tanto do trigo como do linho. Além disso, encontraram outras práticas relacionadas ao cultivo do algodão e da mandioca, dando origem aos engenhos para a fabricação da farinha de mandioca (PEREIRA, 1993).

parte da força de trabalho no interior da manufatura baleeira. Esta, por sua vez, valia-se de um modo de produção escravista e tinha a finalidade de alimentar o Estado e os capitais mercantis portugueses. Assegurada a posse, a militarização e a produção, estava garantido o acesso ao Prata (SILVA, 1992).

Diferentemente do restante do litoral brasileiro onde a atividade agrícola era monocultora, utilizando-se da mão de obra escrava em grandes glebas de terra, no Sul se estabeleciam colônias de povoamento alicerçadas na pequena propriedade familiar. O colono tinha a liberdade de praticar a policultura de subsistência. Este, dentre outros fatores, foi fundamental para propiciar a precoce emersão do litoral catarinense à posição de destaque no cenário colonial da época como uma das áreas fornecedoras de gêneros alimentícios147. Assim, surgem no litoral catarinense os centros comerciais de Desterro, Laguna e São Francisco.

A pequena produção mercantil constituída por pequenas unidades produtivas independentes comportava uma densidade populacional superior, o que possibilitava uma maior produtividade e consumo, ou seja, uma tendência maior à divisão social do trabalho148.

A colônia de povoamento que se estabelecia estava alicerçada na pequena propriedade familiar, distinguindo-se neste aspecto do restante do território brasileiro onde a tônica era a exploração monocultura de enormes glebas de terras utilizando mão de obra escrava. O colono açoriano, diferentemente do escravo, tinha liberdade de praticar uma policultura de

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Durante os séculos XVII e XVIII, os paulistas alcançaram o território catarinense pelo litoral. No litoral, os índios se instalaram em explorações agrícolas primitivas, quase de subsistência. No planalto estabeleceram-se os campos naturais, com a criação extensiva de bovinos. O litoral foi transformado no século XVIII com o estabelecimento dos casais açorianos e madeirenses: as explorações policulturas familiares forneceriam no final do século XVIII e inícios do século XIX importantes excedentes alimentares, com destaque para farinha de mandioca, arroz e feijão que se destinaram ao abastecimento do Rio de Janeiro, de Salvador e até mesmo de Montevidéu (MAMIGONIAN, 1966).

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No século XVII, os franceses e ingleses conquistaram o norte temperado do continente com o excesso populacional das metrópoles, estruturando uma sociedade de pequenos produtores. Já os portugueses o fazem nos séculos XVII e XVIII, no que se refere ao sul temperado, com contingentes populacionais coloniais, ou seja, com paulistas, ameríndios e africanos, responsáveis pela estruturação, no Brasil meridional, de uma sociedade inicialmente de mera subsistência e logo latifundiária pastoril e extrativa (PEREIRA; VIEIRA, 2007). Porém, no século XVIII, a colonização açoriana, e já em meados do século XIX, a colonização europeia faz-se nos mesmos moldes da citada colonização do “norte temperado”.

subsistência e utilizar se excedente na melhoria de sua propriedade (BASTOS, 2000, p.129).

A estrutura agrária baseada na pequena propriedade propiciou a formação de um pequeno produtor independente. Dono dos seus próprios meios de produção, separava alguns produtos necessários para a sua subsistência e o excedente era comercializado (exportação). Todavia, a economia de subsistência não permitia acumular um volume capaz de permitir o desenvolvimento de relações capitalistas de produção, devido a um complexo de fatores, com já foi destacado.

A atividade mercantil estabeleceu-se no litoral catarinense, principalmente graças ao óleo de baleia, ao pescado seco, produtos da época, exportados para a parte Norte e Nordeste do Brasil e também para a Europa. Vale ressaltar que, sem dúvida, os interesses portugueses na pesca da baleia devem-se ao fato de que, na época, o óleo extraído era uma espécie de petróleo utilizado para as construções das edificações, iluminação e diversas manufaturas lubrificantes149.

No século XVIII, foram as armações baleeiras que no contexto econômico colonial mais movimentaram economicamente o litoral catarinense - através do comércio marítimo. Nos núcleos de Desterro, Laguna e São Francisco grande parte da população praticava uma economia de subsistência que não favorecia relações econômicas de vulto, cenário que foi alterado quando as armações baleeiras foram instaladas.

O porto do Desterro desempenhava a função de escoadouro da produção agrícola do litoral catarinense, tendo como principal produto de exportação da época a farinha de mandioca, distribuída por seus principais portos (Desterro, Laguna e São Francisco), permanecendo a produção de Laguna na própria Província (Desterro), enquanto a do porto de São Francisco, pela sua posição geográfica ao Norte do estado, dirigia-se diretamente à capital do Império (Rio de Janeiro).

A farinha de mandioca foi um gênero produzido por quase todas as províncias da colônia portuguesa e constituiu-se no produto de maior expressão no comércio exportador da Província de Santa Catarina. Produzida em grande nos arredores do litoral catarinense durante o século XIX, “foi constante a posição de vanguarda da farinha diante dos

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Já ao final do século XVIII prolongando-se pelos primeiros anos do século XIX, a situação econômica mantinha-se precária, sofrendo o comércio grandes oscilações no mercado. Ocorreu a decadência da pesca da baleia, cuja atividade exercida desde o início do século XVIII, era praticada através de contratantes que arrematavam o direito de explorá-la através de monopólios. (HÜBNER, 1981, p.19).

demais produtos, no que se refere à exportação” (HÜBNER, 1981, p. 81).

Para Desterro (atual Florianópolis), o porto foi um elemento fundamental para a sua origem e expansão, no que se refere ao interesse comercial, representado pela possibilidade de transações com os navios que ancoravam na baía, fazendo da linha da praia a área de maior concentração de população. Segundo relato dos viajantes,150 em 1866, a população era de 6.474 indivíduos, e já na República, em 1890, o censo acusava 11.400 pessoas, enquanto o censo de 1900 acusou uma população de 13.474 habitantes (PELUSO JR., 1991).

Desterro, ainda, obteve um lugar de destaque graças à sua posição geográfica privilegiada, por estar localizada entre as duas principais cidades da costa atlântica: o Rio de Janeiro e Buenos Aires. Associadas à função portuária, destacaram-se desde cedo as funções comercial e administrativa, que tiveram um papel importante na organização de serviços prestados à população local, bem como de estruturas criadas para atender aos viajantes. Peluso Jr. (1991) destaca o fato de oferecer abrigo às embarcações em função da sua condição de atracadouro e da sua localização estratégica, fazendo de Desterro parada obrigatória para os viajantes que exploravam o litoral catarinense ou que se deslocavam para o Norte e para o Sul. Nesse contexto, por meio da dinâmica portuária e o incremento do comércio, surgem os primeiros meios de hospedagem, que se caracterizavam como estabelecimentos de passagem, para um único pernoite, já que, devido às longas distâncias, colocava-se a necessidade de locais para descanso. Diante da inexistência de locais destinados ao acolhimento das pessoas que chegavam à cidade, os viajantes só podiam contar com a hospitalidade dos habitantes da região.

Durante as expedições pelo litoral brasileiro, em passagem pela Ilha de Santa Catarina, alguns viajantes estrangeiros descrevem o cotidiano, a paisagem e a hospitalidade dos moradores da época. Segundo relato do viajante René Primevère Lesson151, em 1822: “Nossa Senhora do Desterro, não oferecia aos estrangeiros nem hotel, nem restaurantes, nem café”. Como em todas as colônias portuguesas

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Os viajantes eram cientistas europeus que em expedições exploravam o litoral brasileiro. Esses descrevem em seus relatos, a geografia do sul do país, a paisagem e o cotidiano da sociedade do século XVIII e XIX.

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René Lesson foi um naturalista que integrava uma expedição que aportou em Santa Catarina em 1822.

encontravam-se várias tendas de revendedores, espécies de tabernas152 onde se dava de beber e comer. Sua população é de mais ou menos seis mil almas. Distinguem-se três classes de habitantes: os brancos, os mulatos e os negros. A última é quase que inteiramente composta de escravos. Cabral (1979) também confirma a existência de tabernas frequentadas por negros escravos, quando “um concessionário chamado José Monteiro foi advertido pela Câmara, por fazer da sua taberna de alojamento para pernoitarem os escravos, destinados ao serviço da iluminação da cidade” (CABRAL, 1979, p. 156). As tabernas eram chamadas de “taberna de molhados”, pois vendiam todo tipo de gêneros alimentícios153.

Conforme o relato de René Lesson, não existiam hotéis para atender aos viajantes, entretanto a presença de tabernas era marcante, pois exerciam uma função comercial com a venda de produtos e uma precária estrutura de hospedagem para receber aqueles que chegavam à cidade154.

Os primeiros hotéis surgiram, aproximadamente, na metade do século XIX, na região do largo do palácio e comercial da cidade, próxima ao porto, junto ao comércio varejista. As primeiras iniciativas hoteleiras foram: Hotel do Commercio (1850); Hotel Brasil (1856); Hotel Café (1856); Hotel da Praça (1857); Hotel do Vapor (1857); Hotel Universo (1859); Hotel dos Paquetes (1864); Hotel Papini (1871); Hotel Trajano (1876); Grande Hotel (1884). Muitos desses estabelecimentos possuíam um partido arquitetônico de dois pavimentos, funcionando no

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Tabernas, local para venda de vinhos a varejo, algumas com quartos para pernoite de viajantes, na época também eram chamadas de casa de pasto.

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“Não teriam sido muitas, nessa época as grandes e boas residências, às quais eram levados hóspedes ilustres, não só porque pertenciam elas à gente bem da Vila, como porque todos desejavam que saíssem eles daqui fazendo elogios e propaganda da terra. A maioria dos proprietários era de pequenos vendeiros, principalmente de gêneros alimentícios, a cujas casas se denominavam de taberna de molhados, que puderam ir amealhando os seus pés de meia, escondidos debaixo dos colchões ou no fundo da arca das roupas, todos eles mais ou menos açambarcadores de gêneros, cobrando já naquele tempo, o dobro do que lhes custavam e lesando o fisco” (CABRAL, 1979, p. 232). 154

Desterro, na segunda metade do século XIX, exercia nitidamente a função praça centralizadora do comércio exportador local, o que deu origem a uma burguesia comercial, conforme registram Vaz (1991) e Veiga (1993), responsável por intervenções humanas na paisagem. Nesse momento, surgem os sobrados e as chácaras, bondes puxados a burros e a iluminação nas ruas. Até a metade do século XIX não haviam estabelecimentos adequados para acomodação dos viajantes que chegavam à Ilha de Santa Catarina, sendo as personalidades ilustres recebidas no próprio Palácio, enquanto aos demais restava como abrigo a própria embarcação ou dependiam do acolhimento dos moradores locais.

primeiro uma forma de armazém e no segundo uma estrutura de hospedagem para receber os viajantes que chegavam a Desterro.

Os hotéis atingiam aos mais diversos segmentos da sociedade, viajantes a lazer ou a negócios, assim como artistas, militares e políticos155. Os empreendimentos hoteleiros ofereciam serviços e produtos diferenciados, além da hospedagem156. Como já foi destacado, em alguns deles funcionava no piso térreo um tipo de armazém, denominado de “secos e molhados”, onde se podia encontrar uma diversidade de produtos alimentícios, homeopáticos, bebidas, cigarros, cafés, velas de carnaúba, papéis, além de outros objetos colocados à venda157.

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Fatos relatados por Cabral (1979) e nos jornais de época, sobre o Hotel Papini e o dos