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1.5 Dispositivo de análise

1.5.3 Formações Discursivas e Interdiscurso

Cada FI comporta uma ou várias formações discursivas, definidas por Pêcheux como “aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser

dito” (1997, p. 160). Seguindo o pensamento do autor, a FD é o lugar da constituição do

A partir de uma FD, diferentes palavras, expressões e proposições podem ter o mesmo sentido; inversamente, palavras, expressões e proposições iguais podem ter sentidos completamente diferentes quando ditos a partir de diferentes formações discursivas. Uma FD estabelece um domínio de saber onde determinadas formulações são aceitáveis (o que pode e o que deve ser dito) e outras inaceitáveis (o que não pode e não deve ser dito). Essas formações, por sua vez, não têm fronteiras categóricas e se deslocam em função da luta ideológica.

Entretanto, consideramos válido desenvolver um pouco mais a reflexão sobre esta categoria, já que aqui encontramos um dos pontos controversos da teoria do discurso desenvolvida no Brasil. Em seu desenvolvimento teórico-filosófico, pode-se perceber em Pêcheux uma constante evolução, desde o nascimento da AD, e a Formação Discursiva talvez seja uma das categorias mais revisitadas e reformuladas nesse percurso. Mesmo após a morte de Pêcheux, a discussão acerca dessa categoria permanece como uma das arenas mais calorosas dos estudos em Análise de Discurso.

Poderíamos sugerir que a FD e as discussões que ela engendra, em relação com toda a teoria do discurso, constituem um verdadeiro ponto nodal (no mesmo sentido em que Pêcheux coloca a semântica como o ponto nodal em que a linguística se encontra com a filosofia). Quando nos debruçamos sobre o estudo dessa categoria, encontramos todas as conseqüências de se assumir um determinado conceito de sujeito, de ideologia, de enunciado etc. – de tal modo que se os posicionamentos do analista em relação a todas as categorias não forem coerentes entre si, a análise dos processos discursivos pode encontrar um entrave problemático, ou demonstrar alguma debilidade.

Se num primeiro momento as Formações Discursivas aparecem como campos fechados (a educação, a política, a religião, o jurídico etc.) e, no curso do desenvolvimento da AD nota-se o rompimento das fronteiras de uma em direção às outras, ou melhor, a relação de contradição-subordinação que se estabelece entre elas e o aparecimento de uma nova categoria, o Interdiscurso.

Essa categoria representa o que Pêcheux denominou Todo Complexo com dominante das formações discursivas. Representa tanto a totalidade dos discursos circulantes quanto a relação de contradição-desigualdade-subordinação que entre eles se estabelece. Florêncio et. al. (2009, p. 76) explica que o interdiscurso se refere a

discursos já constituídos que entram na produção discursiva ressignificando o já-dito antes, noutro lugar, como espaço de confrontos ideológicos das relações de dominação/subordinação. Dessa forma, está introduzida na AD a noção de interdiscurso, como o que é falado antes, em outro lugar e como o que possibilita dizeres outros, convocados na história, ideologicamente marcados, que vão afetar os discursos produzidos pelo sujeito, em dada condição de produção.

Sendo assim, a noção de interdiscurso comporta tanto a polissemia de vozes (os discursos circulantes nas e entre as diversas formações discursivas) como também o pré- construído (dizeres já-ditos que retornam nos novos discursos, mas sempre resignificados sob as novas condições históricas dos sujeitos) e a memória discursiva, que se refere a “esse lugar anterior, onde estão os já-ditos, prontos a serem convocados, [...] lugar de retorno a outros discursos, não como repetição, mas como ressignificação” (idem, p. 79).

A noção de interdiscurso é particularmente importante no estudo da mídia. Como afirmamos anteriormente, uma característica essencial das mídias não é produzir somente seu próprio discurso. De fato, se levarmos em consideração as mídias comerciais (a Indústria Cultural de uma forma geral), verificar-se-á que o discurso a respeito da própria mídia é quase inexistente, aparecendo de forma explícita apenas pontualmente, em alguns programas que assumem a posição de “nova linguagem”16. Por outro lado, é possível verificar que o discurso de defesa da indústria cultural monopolista aparece ostensivamente, embora de forma nem sempre explícita. Trataremos dessa questão no terceiro capítulo, no desenvolvimento das análises sobre o controle dos meios de comunicação e as possibilidades de escolha dos telespectadores frente a produtos midiáticos.

A principal característica das mídias é veicular os discursos oriundos de todas as demais formações discursivas, ressignificados e conformados sob o modus operandi do discurso que corresponde a cada uma dessas mídias. Os discursos são reconstruídos pelo processo de produção da informação, para serem apresentados ao público – no caso dos telejornais, sob os ideais de “objetividade, clareza e isenção”; no caso da teledramaturgia,

16 Um exemplo disso é o programa Profissão Repórter, da Rede Globo de Televisão, que se auto-define como um

programa que revela não só uma visão “nova” dos fatos já noticiados, mas também como revelador dos “bastidores da notícia”. Seria necessária uma análise cuidadosa dos limites dessa proposta de revelar os bastidores da notícia; evidentemente, isso não constitui o objetivo central desse trabalho e será apenas pontuado.

adaptados à linguagem escolhida (novela, filme, seriado); nos talk shows segundo suas características específicas etc.

Dessa forma, compreender as questões referentes ao interdiscurso consiste em condição indispensável para fazer um estudo apropriado dos processos discursivos que envolvem a mídia – o que não significa que não o seja para os demais aparelhos ideológicos, mas que sua importância para o estudo da mídia está em que a formação discursiva da mídia se serve essencialmente do interdiscurso, do pré-construído e da memória discursiva para construir seus objetos ideológicos.