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FORMAÇÕES IDEOLÓGICAS E FORMAÇÕES DISCURSIVAS

No documento Download/Open (páginas 56-59)

A AD se processa dentro de determinados contextos que são denominados condições de produção. Estas se fundamentam na relação material – da língua sujeita ao equívoco e a historicidade. O mecanismo das condições de produção é constituído através da relação de sentido e de força. Na primeira, um discurso se relaciona com outros, ou seja, os sentidos são produtos da relação com outros dizeres que os apóiam e os direcionam para a formulação de novos discursos.

Na segunda, a noção de força parte do pressuposto que a fala significa a partir do lugar que o sujeito é constituído. Isso quer dizer que os lugares e as posições são situações determinantes dos locais ocupados pelos sujeitos, no nosso caso específico pela discursividade das produções teóricas de nossas autoras. Estas têm seus dizeres marcados pelo lugar ocupado na sua formação acadêmica, através da sua entrada no mundo da dança – seja pelas danças codificadas, danças folclóricas e outras. Logo, as condições de produção de um discurso compreendem os sujeitos e a situação que os envolve. Orlandi (2000, p. 30), esclarece que

[...] podemos considerar as condições de produção em sentido estrito e temos as circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se as consideramos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio- histórico, ideológico.

Nas palavras de Orlandi (2000, p. 30), a produção de condições de um discurso produz sentidos, pois os dizeres,

[...] são efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender. São pistas que ele aprende a seguir para compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer com a sua exterioridade nas condições de produção.

Orlandi (2000) argumenta também que é por meio das condições de produção que funcionam as formações imaginárias. Estas são projeções determinadas discursivamente por meio de imagens, lugares ocupados pelos sujeitos. São elas que permitem passar da posição empírica para as posições do sujeito no discurso. Por exemplo, em aulas de dança na escola o professor pode se apresentar aos alunos a partir da posição de bailarino(a), enquanto posição discursiva produzida pelas formações imaginárias. Podemos encontrar neste caso um(a) professor(a) cuja prática educativa é definida a partir de seu lugar de bailarino(a). Strazzacappa (2001) faz um apontamento nesse sentido quando expõe que as aulas de dança na escola, geralmente de balé, são ministradas por jovens bailarinas bem intencionadas, mas que ainda não possuem formação para ocupar essa posição. Na formação do imaginário significa: se danço, logo posso ser professor(a) de dança.

Podemos ilustrar também que a dança muitas vezes é concebida, na escola, como o lugar de visibilidade, ou seja, de mostra de pequenos espetáculos estruturados para momentos festivos e comemorativos. Assim, constatamos que ela não é tratada como possibilidade de processos emancipatórios.

Para Orlandi (2000), é na relação discursiva que as imagens constituem diferentes posições, sendo determinantes nos processos de identificação do sujeito do discurso, em um contexto histórico e social. Na AD, a força do imaginário, nas formações discursivas, mostra como ele pode atravessar um discurso e explicitar como os sentidos estão sendo produzidos.

É bom lembrar: na análise de discurso, não menosprezamos a força que a imagem tem na constituição do dizer. O imaginário faz necessariamente parte do funcionamento da linguagem. Ele é eficaz. Ele não “brota” do nada: assenta-se no modo como as relações sociais se inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a nossa, por relações de poder (ORLANDI, 2000, p. 42, grifo do autor).

Para Pêcheux (1988), no funcionamento discursivo, palavras iguais podem significar diferentemente devido a sua inscrição em formações discursivas diferentes: “[...] os indivíduos são interpelados em sujeitos de seu discurso pelas formações discursivas que representam ‘na linguagem’ as formações ideológicas que lhes são correspondentes” (p. 161, grifo do autor).

Dessa forma, é na busca da discursividade das autoras que pretendemos explicitar como vêm se delineando suas concepções ideológicas para o ensino de dança, uma vez que: “É pela referência à formação discursiva que podemos compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos” (ORLANDI, 2000, p. 44).

Assim, na perspectiva apontada pela AD, as palavras mudam de sentido de acordo com quem as emprega e com as posições ideológicas de quem as utiliza, e, “[...] a formação discursiva se define como aquilo que numa formação discursiva dada – ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito” (ORLANDI, 2000, p. 43).

Os sentidos se materializam no discurso através das formações discursivas, visto que as palavras não existem por si, mas são determinadas pelas posições ideológicas, que se colocam em jogo no processo sócio-histórico. No que se refere a esse assunto, Pêcheux (1988, p. 160) assegura que as formações discursivas “[...] dependem das posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas”. Isto não significa afirmar a existência de uma única formação discursiva.

Para Roure, (1999, p. 60):

Na verdade, as formações ideológicas podem apresentar uma ou várias formações discursivas... Porém vale ressaltar que, apesar da existência de uma formação discursiva dominante, e portanto de sentidos dominantes, nada impede que novos elementos pertencentes a novas formações discursivas se constituam, se integrem a essa formação, produzindo novas significações, colocando em jogo as formações discursivas dominantes aí existentes. Eis aí o caráter de incompletude e movimento do sujeito e do sentido.

Nesse aspecto, os sentidos são sempre determinados ideologicamente, e conferem ao sujeito a possibilidade de falar em uma formação discursiva e não em outra. Sendo assim, podemos pensar que os traços ideológicos existentes nos discursos de nossas autoras estão presentes em sua discursividade.

Segundo Orlandi (2000), o sujeito é ideológica e historicamente marcado e mesmo na imprevisibilidade deste em relação a seu dizer, este é atravessado de modo inconsciente pela sua história.

[I]sso significa afirmar a inexistência da transferência da linguagem, pois as mesmas palavras, expressões e proposições utilizadas apresentaram sentidos diferenciados, tendo em vista as diferentes formações ideológicas e discursivas em que se inscrevem (ROURE, 1999, p. 36).

A partir do pressuposto que a língua não é transparente e que as palavras e expressões de um discurso mudam de sentido ao passar de uma formação discursiva a outra, compreendemos a existência de posições diferentes entre os conceitos de educação, de arte, de dança e de ensino utilizados por nossas autoras. Tais conceitos podem apresentar uma multiplicidade de significações e interpretações, em que as mesmas palavras podem ser usadas em diferentes formações discursivas.

Portanto, concordamos com a afirmativa de Manzan (2005, p. 74), quando esta infere que as Formações Discursivas (FD), ao serem atravessadas pelas Formações Ideológicas (FI), produzem evidências a partir das quais se apagam o “caráter material das palavras” causando a “idéia de transparência nos sentidos das palavras do discurso”. No entanto, essa transparência é ilusória, pois formações discursivas diferentes produzem discursos diferentes.

No documento Download/Open (páginas 56-59)