• Nenhum resultado encontrado

A forma de acolhida dos problemas sociais da comunidade pelo Conselho

CAPÍTULO 6 – A PARTICIPAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS NEGROS NO CONSELHO

6.2 A forma de acolhida dos problemas sociais da comunidade pelo Conselho

“V.” e “B.” atuam na mesma instituição de ensino e afirmam que os problemas da comunidade não são discutidos pelo Conselho Escolar.

“PE.”: Os problemas da comunidade são discutidos pelo conselho escolar?

“V.”: Não nós ainda não discutimos isso não. Lá de fora não. “B.”: Ahh, não.

“PE.”: Então esses problemas não são discutidos no conselho? “B.”: Não.

“C.” também afirma que os problemas comunitários não são abordados no colegiado do qual faz parte: “Não. Não é discutido”. Embora sua afirmação seja negativa, a resposta de “C.” evidencia como o olhar da comunidade, voltado para o ambiente educativo, pode contribuir na solução de conflitos. O entrevistado mora em frente à escola, onde também funciona o seu salão de beleza. Observando a entrada e saída das crianças, principalmente aquelas que chegam de ônibus escolar, o mesmo percebeu o

quanto esse trajeto é perigoso e, na reunião do Conselho Escolar, pôde colocar o assunto em pauta e sugerir uma possível solução. Tal exemplo demonstra o poder de atuação da comunidade local no espaço escolar e o exercício do processo de gestão democrática.

“PE.”: Os problemas que o senhor relatou da comunidade são falta de lazer, a questão do trabalho, a questão da segurança, a questão da horta que o senhor falou que era bom, era um projeto bom. Então, o Conselho, nessa reunião que o senhor esteve, foram discutidos problemas da comunidade?

“C.”: Não, não é discutido. Da vez que eu tava agora foi discutido é fundos, questão de verba, não sei se foi daqui a mais pra frente se eu ainda tiver, porque é um tempo que fica, se vão discutir. Mas como eu fui nessa primeira reunião só discutiu verbas, e a alguma coisa ai sobre os ônibus [ônibus que trás a crianças do Itapoã para estudar no Paranoá] que estão muito lotado e fica muita criança ai nesse negócio e fica perigoso quando as crianças desce do ônibus, vai passar a faixa, vir os carros. A gente falou também de mudança de lugar entrada ser pro outro lado que tem mais espaço. Ai do outro lado tem uma área bem ampla pros ônibus entra e os carros poderiam ficar aqui, mas os ônibus pra lá, a gente fazia outra entrada, passava o outro lado, a outra entrada e deixar duas entradas, aqui pros carros e pra lá pros ônibus.

“PE.”: Então a segurança das crianças foi discutida?

“C.”: Foi discutida, a gente colocamos isso em pauta porque eu já tinha avisado isso, inclusive quando alguns deles vem aqui cortar cabelo eu sempre tava falando, gente essa entrada do ônibus tem que ser pelo outro lado, porque eu como mexo também com comércio aqui, a gente vê que é muito perigoso. Eu fico sentado aqui reparando, já vi uma criança sendo atropelada aqui. Não machucou, mas o carro bateu, ela fez um jeito lá com que não machucasse, entendeu. Então isso é uma coisa que a gente tem que fazer até pra se precaver né, pra não acontecer coisa pior.

“M.F.” e “S.” também atuam na mesma instituição de ensino, mas as respostas se mostram contraditórias. “M.F.”, auxiliar de educação, afirma que os problemas da comunidade não são discutidos no Conselho Escolar, enquanto “S.”, gestora, afirma que os problemas são discutidos pelo colegiado e até cita um exemplo.

“PE.”: Os problemas da comunidade são discutidos no Conselho? “M.F.”: Não.

“PE.”: Os problemas da comunidade são discutidos nas reuniões do Conselho?

“S.”: São discutidos. Aqui a gente tá com o caso de um aluno que a mãe veio aqui, reclamou que achou ele no lago né, ai falou que a culpa era da escola, porque ele não entrou na escola. Do portão pra dentro a responsabilidade é nossa, a gente tem que tomar conta, agora se ele sai de casa, dizendo que vem pra escola e chega até perto da escola, no portão e ele não entra, a responsabilidade não é minha.

“S.”: Ele tem nove anos. Foi ele, o irmão e outros alunos do CEF 03, que é uma escola de ensino, do CEF né, aqui próximo da gente. Eles estavam no lago, ai ela falou que se eles morressem afogados a responsabilidade era nossa, ai a gente tentou explicar, mas ela não quis nem ouvir. Mas a verdade é essa, porque como que você vai fazer com esse aluno, se você não sabe nem que ele tava ali, então é complicado. “S.” afirma que sim, que os problemas da comunidade são discutidos no Conselho Escolar, mas no exemplo destacado pela mesma, a postura da escola contradiz tal afirmação, uma vez que aquela gestora deixa evidente que a responsabilidade é apenas da família e não dela, que ocupa a função de gestora e, portanto, representante do Estado – o que contraria as normas estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no título III, que trata do direito à educação e do dever de educar, art. 5º, a saber:

Art. 5°. [...]

§ 1º Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da União:

III – zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

Na escola em que “P.” estuda e representa o segmento de alunos, a entrevistada também afirma que os problemas da comunidade não são discutidos no conselho escolar: “Não. Os problemas da comunidade, não!” Corrobora-se então a idéia de que

A escola reproduz tanto as relações econômicas quanto as relações sociais que ocorrem na sociedade, com todas as suas contradições. Nela estão presentes os diversos interesses dos grupos sociais que evidenciam conflitos. E quando os conflitos inevitavelmente ocorrem na escola, há uma tendência ora de ignorá-los, ora de desconsiderá-los, ora de reduzi-los [...] (BRASIL, 2006, p.23).

Diante das respostas dos entrevistados, é possível concluir que os problemas que afetam a comunidade do Paranoá-DF não são discutidos no Conselho Escolar – problemas que contribuem com a manutenção das desigualdades entre negros e brancos e que possuem sua essência no racismo institucional, cuja principal função é manter os privilégios adquiridos ainda no período escravista.