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Forma¸c˜ao de Estruturas em Grande Escala

2.2 A Constante Cosmol´ogica

3.1.5 Forma¸c˜ao de Estruturas em Grande Escala

Embora a RCF indique que o universo no passado era extraordinariamente homogˆeneo, sabemos que o universo hoje n˜ao ´e exatamente homogˆeneo: observamos gal´axias, aglome- rados e superaglomerados em grandes escalas. Tais estruturas se ergueriam de inomogenei- dades primordiais muito pequenas que cresceriam no tempo via instabilidade gravitacional, e que podem ter se originado de pequenas ondula¸c˜oes na m´etrica, `a medida que a mat´eria ca´ıa em seus vales. Estas ondula¸c˜oes deveriam ter deixado algum tra¸co como anisotropias na temperatura da RCF; de fato tais anisotropias foram finalmente descobertas pelo sat´elite COBE em 1992, e elas aparecem como perturba¸c˜oes na temperatura de apenas uma parte em 105.

Se definirmos o contraste de densidade como[39] δ( x, a) ≡ ρ( x, a) − ¯ρ(a)¯ ρ(a) =

d3 k δk(a) ei k· x, (3.2)

onde ¯ρ(a) = ρ0a−3 ´e a densidade c´osmica m´edia, precisamos de uma teoria que explique o

crescimento de um contraste de densidade de amplitude δ ∼ 10−5 na ´ultima superf´ıcie de

espalhamento (z = 1100) at´e contrastes de densidade da ordem de δ ∼ 102 para gal´axias

em redshifts z ≪ 1, i.e. hoje. Esse ´e um requerimento necess´ario para qualquer teoria consistente de forma¸c˜ao de estruturas[86].

As anisotropias observadas pelo WMAP correspondem aproximadamente a um espectro de potˆencias (de inomogeneidades) primordial invariante de escala de baixa amplitude

P (k) = |δk|2 ∝ kn, com n ∼ 1 , (3.3)

onde os brackets · representam integra¸c˜ao sobre um conjunto de diferentes realiza¸c˜oes de universo. Estas inomogeneidades s˜ao como ondas na m´etrica espa¸co-temporal. Quando a mat´eria cai nos vales dessas ondas, ela cria perturba¸c˜oes de densidade que colapsam gravitacionalmente para formarem gal´axias e aglomerados de gal´axias, com um espectro que ´e tamb´em invariante de escala. Tal tipo de espectro foi proposto no in´ıcio dos anos 70 por Edward R. Harrison, e independentemente pelo cosm´ologo russo Yakov B. Zel’dovich[87], para explicar a distribui¸c˜ao de gal´axias e aglomerados de gal´axias em escalas muito grandes, em nosso universo observ´avel.

A maioria das gal´axias se formam em redshifts da ordem de 2−6; aglomerados de gal´axias se formam em redshifts da ordem de 1, e superaglomerados est˜ao se formando apenas agora. Ou seja, as estruturas c´osmicas se formam de baixo para cima (cen´ario bottom up), e n˜ao de cima para baixo (cen´ario top down, onde grandes estruturas se fragmentariam em menores): a mat´eria se aglutina de gal´axias para aglomerados, e desses para superaglomerados. Isso d´a uma indica¸c˜ao do tipo de mat´eria que origina as estruturas. O espectro de potˆencia observado da distribui¸c˜ao de mat´eria nas gal´axias, de uma sele¸c˜ao de cat´alogos de altos redshifts, pode ser visto na Fig. 3.1.

Figura 3.1: O espectro de potˆencias da mat´eria para aglomerados de gal´axias, obtido por trˆes diferentes cat´alogos de aglomerados.

Vimos que deve existir uma mat´eria extra, al´em da mat´eria bariˆonica, e que deve ser escura (pois n˜ao a vemos), para explicar o efeito gravitacional visto nas estruturas. Se essa mat´eria escura ´e relativ´ıstica (“quente”) ou n˜ao-relativ´ıstica (“fria”), poderemos inferir das observa¸c˜oes: part´ıculas relativ´ısticas tendem a se difundir de uma concentra¸c˜ao de mat´eria em outra, transferindo assim energia entre elas e impedindo o crescimento de estruturas em pequenas escalas. Esse comportamento ´e exclu´ıdo pelas observa¸c˜oes, e logo conclu´ımos que a maior parte da mat´eria respons´avel pela forma¸c˜ao das estruturas deve ser fria (CDM).

Atualmente, a teoria padr˜ao de forma¸c˜ao de estruturas ´e baseada no modelo CDM com constante cosmol´ogica em um universo plano. O colapso gravitacional amplifica o contraste

de densidade inicialmente atrav´es do crescimento linear e posteriormente via colapso n˜ao- linear. No processo, regi˜oes densas se desacoplam da expans˜ao de Hubble para se tornarem sistemas ligados, que come¸cam a se atrair mutuamente para formarem estruturas ligadas maiores. De fato, as maiores estruturas, os superaglomerados, ainda n˜ao se tornaram n˜ao- lineares.

O espectro primordial (Eq. (3.3)) ´e reprocessado pela instabilidade gravitacional, ap´os o universo ter se tornado dominado pela mat´eria e as inomogeneidades terem come¸cado a crescer. A teoria linear de perturba¸c˜oes mostra que o modo de crescimento1 dos pequenos

contrastes de densidade ´e da forma[39, 86]

δ(a) ∝ a1+3ω = ⎧ ⎪ ⎨ ⎪ ⎩ a2, a < a eq a , a > aeq (3.4)

no limite Einstein-de Sitter (ω = p/ρ = 1/3 e 0, para radia¸c˜ao e mat´eria, respectivamente), e onde, a partir de agora, o sub-´ındice “eq” refere-se `a ´epoca do equil´ıbrio mat´eria-radia¸c˜ao. Uma vez que o contraste de densidade na ´ultima superf´ıcie de espalhamento ´e da or- dem de δ ∼ 10−5, e o fator de escala cresce desde ent˜ao apenas de um fator z

dec ∼ 103,

esperar´ıamos um contraste de densidade hoje da ordem de δ0 ∼ 10−2; no lugar disso, ob-

servamos estruturas como as gal´axias, onde δ ∼ 102. Como isso pode ser poss´ıvel? A

RCF mostra anisotropias devidas apenas `as flutua¸c˜oes da componente de mat´eria bariˆonica (a componente onde os f´otons se acoplam, eletromagneticamente). Se existe uma compo- nente adicional de mat´eria que se acopla somente atrav´es de intera¸c˜oes muito fracas, as flutua¸c˜oes desta componente poderiam crescer t˜ao logo ela se desacople do plasma primor- dial, bem antes dos f´otons se desacoplarem dos b´arions. As inomogeneidades bariˆonicas n˜ao podem crescer devido `a press˜ao dos f´otons: `a medida que os b´arions colapsam em dire¸c˜ao `a regi˜oes mais densas, a press˜ao da radia¸c˜ao eventualmente impede a contra¸c˜ao e inicia oscila¸c˜oes ac´usticas no plasma que previnem o crescimento das perturba¸c˜oes, at´e a ´epoca do desacoplamento dos f´otons. Por outro lado, uma componente de mat´eria escura fria e fracamente interagente poderia iniciar o colapso gravitacional muito mais cedo, mesmo antes da igualdade mat´eria-radia¸c˜ao, e assim alcan¸car as amplitudes do contraste de den-

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sidade observadas hoje. A resolu¸c˜ao desse enigma ´e um dos mais fortes argumentos para a existˆencia de uma componente de mat´eria escura fria e fracamente interagente no universo. A quantidade de mat´eria escura no universo pode ser deduzida do espectro de potˆencia (a transformada de Fourier da fun¸c˜ao de correla¸c˜ao de dois pontos das perturba¸c˜oes de densidade) das estruturas observadas em grande escala. Podemos decompor o contraste de densidade em componentes de Fourier, como na Eq. (3.2). Isso ´e muito conveniente, uma vez que na teoria linear de perturba¸c˜oes os componentes de Fourier individuais evoluem independentemente. O espectro de potˆencias processado P (k) ter´a a forma[39, 86]:

P (k) ∝ ⎧ ⎪ ⎪ ⎨ ⎪ ⎪ ⎩ k , k ≪ keq k−3, k ≫ k eq (3.5)

Essa ´e precisamente a forma que os cat´alogos de gal´axias em grande escala ir˜ao testar em um futuro pr´oximo (veja a Fig. 3.2).

CDM n = 1 HDM n = 1 MDM n = 1 0.001 0.01 0.1 1 10 k ( h Mpc )-1 5 P ( k ) ( h Mpc ) -3 3 10 4 10 1000 100 10 1 0.1 TCDM n = .8 COBE d ( h Mpc )-1 1000 100 10 1

Microwave Background Superclusters Clusters Galaxies

Figura 3.2: O espectro de potˆencias para a mat´eria escura fria (Cold Dark Matter - CDM), CDM com tilt (TCDM), mat´eria escura quente (Hot Dark Matter - HDM), e mat´eria escura composta, ou seja, a quente mais a fria (Mixed Dark Matter - MDM), normalizadas com o sat´elite COBE, para a forma¸c˜ao de estruturas em grande escala[88].

entre aglomerados de mat´eria, ela ir´a “varrer” as perturba¸c˜oes de pequena escala, e isso deve ser visto como uma assinatura distintiva no espectro de potˆencias da mat´eria dos futuros cat´alogos de gal´axias. Por outro lado, a mat´eria escura fria n˜ao-relativ´ıstica (Cold Dark Matter - CDM) permite que as estruturas se formem em todas as escalas via colapso gravitacional. A mat´eria escura ir´a ent˜ao puxar para dentro dela os b´arions, que ir˜ao posteriormente brilhar e nos permitir observar as gal´axias que vemos hoje.

Naturalmente, quando os b´arions come¸cam a colapsar dentro dos po¸cos de potencial da mat´eria escura, eles convertem uma grande parte de sua energia potencial em ener- gia cin´etica de pr´otons e el´etrons, ionizando o meio. Como conseq¨uˆencia, esperamos ver uma grande parte desses b´arions constituindo um g´as quente ionizado circundando grandes aglomerados de gal´axias. Isso ´e de fato o que ´e observado, e confirma o quadro geral de forma¸c˜ao de estruturas.