Nesta se¸c˜ao apresentaremos alguns elementos da teoria erg´odica para transforma¸c˜oes expansoras. Os resultados aqui apresentados podem ser encontrados em [PU10] e em [VO14]. Sabemos do princ´ıpio variacional que dada f : M → M uma transforma¸c˜ao cont´ınua num espa¸co m´etrico compacto, φ : M → IR um potencial cont´ınuo e M(f) o conjunto das medidas de probabilidade invariantes por f, a press˜ao topol´ogica com respeito af eφ ´e dada por
PT op(f, φ) = sup{hν(f) + Z
φdν; ν ∈ M(f)}
Defini¸c˜ao 2.5. (Estados de equil´ıbrio). Seja f : M → M uma transforma¸c˜ao ex-pansora num espa¸co m´etrico compacto. Uma medida de probabilidade µ invariante por f ´e dita estado de equil´ıbrio para um potencial φ : M → IR se ela realiza o supremo no princ´ıpio variacional, ou seja, se
hµ(f) + Z
φdµ=PT op(f, φ) = sup{hν(f) + Z
φdν; ν ∈ M(f)}
No caso particular em que φ ≡ 0, dizemos que µ ´e uma medida de m´axima entropia.
Um dos objetivos do Formalismo Termodinˆamico ´e encontrar condi¸c˜oes quue garantem a existˆencia de tais estados de equil´ıbrio. O pr´oximo resultado, devido a David Ruelle ir´a nos garantir a existˆencia e unicidade destes estados de equil´ıbrio.
Teorema 2.1. (Ruelle). Seja f : M → M uma transforma¸c˜ao expansora mixing num espa¸co m´etrico compacto e seja φ :M →IR um potencial Holder. Ent˜ao existe um ´unico estado de equil´ıbrio µ para φ.
A prova do resultado acima ´e feita de maneira construtiva e ser´a omitida em nosso trabalho por fugir do nosso objetivo. Faremos um breve coment´ario de como o estado de equil´ıbrio ´e encontrado.
Considere λ = r(Lf,φ) = r(L∗f,φ). Uma probabilidade ν que satisfaz L∗f,φν = λν
´e dita medida conforme. Dessa forma, uma pergunta natural ´e se existem probabilidades conformes associadas ao raio espectral deL∗f,φ. O pr´oximo teorema de Ruelle nos garante a existˆencia de tal medida e tamb´em ir´a nos garantir que o pr´oprio operador de transferˆencia Lf,φ admite uma autofun¸c˜ao associada ao autovalorλ.
Teorema 2.2. (Ruelle). Sejamf :M →M expansora, M uma variedade riemanniana compacta, φ : M → IR potencial cont´ınuo e Holder ent˜ao existem h : M → IR Holder cont´ınua estritamente positiva, νf,φ probabilidade invariante por f e λf,φ>0 tais que:
1) existe ´unico dµf,φ=hf,φdνf,φ estado de equil´ıbrio para (f, φ);
2) L∗f,φνf,φ=λf,φνf,φ e λf,φ=ePT op(f,φ); 3) Lf,φhf,φ =λf,φhf,φ e
Z
M
hf,φdνf,φ= 1;
Linear response formula
Seja Dr a classe de dinˆamicas expansoras Cr sobre uma variedade riemanianna, compacta e conexa M. Para cada (f, φ) ∈ Dr×Cr(M,IR), j´a sabemos pelo teorema de Ruelle [Vi97] que existe unico estado de equil´ıbrio paraf com respeito a φ, que denota-remos por µf,φ. Al´em disso, µf,φ = hf,φνf,φ, onde hf,φ ´e autofun¸c˜ao e νf,φ ´e automedida associados ao raio espectral do operador de transferˆencia Lf,φ.
Neste cap´ıtulo, estamos interessados em entender a regularidade das aplica¸c˜oes que associam a cada par (f, φ) tal estado de equil´ıbrioµf,φ, a press˜ao topol´ogicaPtop(f, φ) e a densidadehf,φ. Ser´a que estas aplica¸c˜oes s˜ao ao menos cont´ınuas? Diferenci´aveis? Se sim, gostar´ıamos de obter f´ormulas para suas diferenciais, este resultado ´e chamado de f´ormula de resposta linear (linear response formula).
Os resultados de estabilidades estat´ısticas, que ser˜ao enunciados a seguir, j´a ga-rantem a continuidade destas aplica¸c˜oes.
Teorema 3.1. (Estabilidade estat´ıstica). As seguintes fun¸c˜oes s˜ao cont´ınuas:
(i) Dr×Cr(M,IR)3(f, φ)7→PT op(f, φ)∈IR;
(ii) Dr×Cr(M,IR)3(f, φ)7→hf,φ∈C0(M,IR);
(iii) Dr×Cr(M,IR)3(f, φ)7→νf,φ∈(C0)∗; (iv) Dr×Cr(M,IR)3(f, φ)7→µf,φ∈(C0)∗.
Assumindo ent˜ao tais resultados, neste cap´ıtulo, estamos interessados em provar que tais aplica¸c˜oes possuem mais regularidade. Em termos matem´aticos, queremos provar o seguinte resultado:
Teorema 3.2. Se r≥2 ent˜ao as seguintes aplica¸c˜oes variam analiticamente com rela¸c˜ao ao potencial φ e Cr−1 com rela¸c˜ao `a dinˆamica f:
i. Dr×Cr(M,IR)3(f, φ)7→Ptop(f, φ);
ii. Dr×Cr(M,IR)3(f, φ)7→νf,φ ∈(C1)∗; iii. Dr×Cr(M,IR) 3(f, φ)7→hf,φ(f)∈Cr−1;
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iv. Dr×Cr(M,IR)3(f, φ)7→µf,φ∈(C1)∗.
Para isso, utilizaremos t´ecnicas da teoria espectral, pois se queremos estudar a varia¸c˜ao deλf,φeµf,φ, basta estudarmosλf,φ,hf,φeνf,φ. Tais elementos podem ser obtidos atrav´es da aplica¸c˜ao Pf,φ que ´e a proje¸c˜ao espectral do operador de transferˆencia Lf,φ|Cr associado ao seu raio espectral, pois como Lf,φ|Cr tem a propriedade de gap espectral, que mostraremos mais adiante, e como Pf,φ(1) ´e autovetor associado a λf,φ, temos que Lf,φ(Pf,φ(1)) =λf,φPf,φ(1) e al´em disso, Pf,φ(1) =thf,φ. Isto implica que
Z
Pf,φ(1)dνf,φ=t Z
hf,φdνf,φ =t⇒ Z
1d(Pf,φ∗ νf,φ) =t⇒ Z
1dνf,φ=t⇒t= 1 Temos tamb´em que dado g ∈ Cr(M,IR), Pf,φ(g) = ahf,φ e como Pf,φ(1) = hf,φ
segue que PPf,φ(g)
f,φ(1) =a. Note tamb´em que Z
Pf,φ(g)dνf,φ=a Z
hf,φdνf,φ ⇒ Z
Pf,φ(g)dνf,φ=a.
Por outro lado,R
Pf,φ(g)dνf,φ=R
gd(Pf,φ∗ νf,φ). ComoL∗f,φνf,φ=λf,φνf,φ, segue do c´alculo funcional que Pf,φ∗ νf,φ =νf,φ. Assim, a=R
gdνf,φ. Logo, λf,φ= Lf,φP(Pf,φ(1))
f,φ(1) ,hf,φ =Pf,φ(1) e νf,φ(g) = PPf,φ(g)
f,φ(1) ∀ g ∈Cr(M,IR).
Assim, discutiremos um pouco sobre a diferenciabilidade do ponto de vista da teoria espectral. Seja A : E → E um operador linear limitado com a propriedade de gap espectral. Seja γ uma curva fechada C1 tal que a componente conexa limitada determinada por γ cont´em o raio espectral e a componente conexa ilimitada cont´em o resto do espectro de A. Pela semicontinuidade das componentes espectrais, existe um δ > 0 tal que se ||A − A||ˆ < δ, ent˜ao γ separa duas componentes espectrais de ˆA.
Denotaremos a componente espectral de ˆA que est´a na componente conexa limitada por ΛAˆ. Se PAˆ ´e proje¸c˜ao espectral associada ao operador ˆA e `a componente limitada ΛAˆ, o c´alculo funcional holomorfo garante que PAˆ = 2πi1 R
γ(zI −A)ˆ −1dz. Como a curva γ est´a fixada, se queremos saber sobre a diferenciabilidade de PAˆ com respeito a ˆA, basta estudarmos a diferenciabilidade de (zI −A)ˆ −1 com respeito a ˆA. Sabemos tamb´em da teoria espectral que, de fato, (zI − A)ˆ −1 ´e anal´ıtica em rela¸c˜ao a ˆA e temos ainda a uniformidade na convergˆencia da s´erie de Taylor quando olhamos z variando ao longo da curva γ. E portanto, PAˆ ´e anal´ıtica em rela¸c˜ao a ˆA, pois j´a vimos que (zI−A)ˆ −1 ´e anal´ıtica e a integral ´e anal´ıtica.
3.1 Analiticidade em rela¸ c˜ ao ao potencial
Retornando ent˜ao ao operador de transferˆencia, a diferenciabilidade da proje¸c˜ao espectral implica a diferenciabilidade de λf,φ, µf,φ e hf,φ com respeito a f e φ. Logo,
seria suficiente que o operador de transferˆencia fosse suave em rela¸c˜ao `a dinˆamica e ao potencial. Inicialmente, provaremos a diferenciabilidade do operador de transferˆencia em rela¸c˜ao ao potencialφ.
Proposi¸c˜ao 3.1. Seja f ∈ Dr. A aplica¸c˜ao Cr(M,IR) 3 φ 7→ Lnf,φ ∈ L(Cr(M,C )) ´e anal´ıtica, logo C∞. Al´em disso, para todas as fun¸c˜oes g, H ∈ Cr(M,C) e todo n ≥ 1, a diferencial atuando em H ´e dada por
(DφLnφg)|φ0 ·H =
Demonstra¸c˜ao. De fato, note que
Lφ+H(g) =
Denotaremos por Lis(Cr(M,C)) o espa¸co das fun¸c˜oes sim´etricas i-lineares com dom´ınio em [Cr(M,C)]i sobreCr(M,C). Observe tamb´em que as aplica¸c˜oes
Cr(M,IR)3φ7→(H 7→ Lφ(Hi.g))∈ Lis(Cr(M,C))
s˜ao cont´ınuas para cada i ∈ IN e que a composi¸c˜ao entre elas tamb´em ´e cont´ınua com rela¸c˜ao a φ. Al´em disso, para k ∈IN, temos que regra da cadeia e do produto na composi¸c˜aoφ7→ Lnφ(g), conclu´ımos a proposi¸c˜ao.
Observe que na demonstra¸c˜ao da proposi¸c˜ao anterior, n˜ao utilizamos a proprie-dade de gap espectral do operador de transferˆencia. Logo, este resultado vale em geral.
Decorre ent˜ao da proposi¸c˜ao anterior e da discuss˜ao de teoria espectral feita anteriormente o seguinte corol´ario:
Corol´ario 3.2.1. Fixada f ∈ Dr. Ent˜ao as seguintes aplica¸c˜oes s˜ao anal´ıticas:
i. Cr(M,IR)3φ7→Ptop(f, φ);
ii. Cr(M,IR)3φ7→νf,φ ∈(C1)∗; iii. Cr(M,IR)3φ 7→hf,φ(f)∈Cr−1; iv. Cr(M,IR)3φ7→µf,φ∈(C1)∗.
Este resultado foi originalmente provado em [PU10]. Agora, discutiremos a regu-laridade em rela¸c˜ao `a dinˆamica f. O pr´oximo exemplo, apresentado em [CV13], mostra que mesmo para dinˆamicas expansoras o operador de transferˆencia n˜ao varia sequer con-tinuamente em rela¸c˜ao `a dinˆamica como operador (atuando de um espa¸co nele mesmo).
Exemplo 3.1.1. Seja f : S1 → S1 a aplica¸c˜ao duplica¸c˜ao do c´ırculo. A aplica¸c˜ao que associa a f o operador de transferˆencia Lf,φ : Cα(S1,IR) → Cα(S1,IR) ´e descont´ınuo tanto na norma do operador, quanto na pontual.
De fato, veremos a descontinuidade do operador agindo sobre o espa¸co dos ob-serv´aveis Lipschitz. A ideia chave ´e que o operador de composi¸c˜ao ϕ→ϕ◦g atuando no espa¸co das fun¸c˜oes Lipschitz n˜ao varia continuamente com g, como iremos detalhar.
Seja S1 'IR/[−1/2,1/2) o c´ırculo, e considere a aplica¸c˜ao expansora no c´ırculo fn(x) = 2(x+10n1 )( mod 1), n ≥ 1. ´E claro que a sequˆencia (fn)n ´e convergente para a duplica¸c˜ao do c´ırculo f(x) = 2x( mod 1) na topologia C∞.
Agora, tomemos uma fun¸c˜ao Lipschitzϕno c´ırculo tal queϕ(x) =|x|para|x| ≤ 18 e ϕ(x) = 0 para 12 ≥ |x| ≥ 15 e considere o potencial φ ≡ 0. Desse modo, se 0 < xn <
yn < 10n1 , n´os obtemos que
Lip((Lfn,φ− Lf,φ)ϕ)≥ |Lfn,φ(ϕ)(yn)− Lfn,φ(ϕ)(xn) +Lf,φ(ϕ)(xn)− Lf,φ(ϕ)(yn)|
yn−xn
= ||y2n − 10n1 | − |x2n −10n1 |+|x2n| − |y2n||
yn−xn
= | −yn+xn|
yn−xn = 1 =Lip(ϕ)
para todo n∈IN. Ent˜ao a sequˆencia de operadores (Lfn,φ)n n˜ao converge para Lf,φ, nem mesmo na topologia forte de operadores.
Entretanto, em [CV13], ´e provado que o operador de transferˆencia ´e suave em rela¸c˜ao a dinˆamicas suaves em um sentido mais fraco, ou seja, se exigirmos menos regu-laridade do seu contradom´ınio. Em outras palavras,
Proposi¸c˜ao 3.2. Seja r ≥ 1,1≤ k ≤r, Dif floc(M, M) o espa¸co de Cr-difeomorfismos locais em uma variedade Riemanniana compacta e conexa M e φ ∈ Cr(M,IR) algum potencial fixado. Ent˜ao a aplica¸c˜ao
Dif floc(M, M) −→ L(Cr(M,IR), Cr−k(M,IR))
f 7−→ Lf,φ
´e Ck.
A prova deste resultado ser´a dada mais adiante. Contudo, n˜ao podemos garantir que λf,φ e µf,φ s˜ao suaves em rela¸c˜ao `a dinˆamica f utilizando o que foi discutido anteri-ormente da teoria espectral cl´assica, pois ela ´e desenvolvida para operadores atuando no mesmo espa¸co. A despeito disso, em [GL06], teorema 8.1 ´e provado um resultado, que pode ser colocado dentro de uma ”teoria espectral n˜ao-cl´assica”, que ir´a nos garantir a diferenciabilidade da proje¸c˜ao espectral atuando em espa¸cos distintos.
Mais adiante apresentaremos o contexto de [GL06] e veremos que com a pro-priedade de gap espectral uniforme do operador de transferˆencia, teremos as hip´oteses e poderemos aplicar o resultado de [GL06]. Dessa forma, na pr´oxima se¸c˜ao discutiremos sobre o gap espectral do operador de transferˆencia.