• Nenhum resultado encontrado

FORMAS DA INFORMAÇÃO: DESIGN E JORNALISMO

Sousa (2001, p. 414) reconhece no design a impossibilidade de uma neutralidade: “A forma de apresentação dos discursos que procuram descrever, desvelar e interpretar o mundo, e não só o seu conteúdo, participa nos processos de outorga social e pessoal de sentido para esse mesmo mundo.” Um exemplo foi a horizontalização das páginas dos jornais, que incentivou a criação de um espaço mais amplo de construção social da realidade para os meios de comunicação, pois, além de escolher o que seria noticiado, a imprensa passou a hierarquizar visualmente a leitura dos fatos relevantes do mundo (figura 11). “A paginação horizontal e a preocupação por colocar as peças principais no espaço superior das páginas marcam uma nova etapa no grafismo de imprensa, no qual a hierarquização da informação e a funcionalidade gráfica são elementos presentes” (SOUSA, 2001, p. 345).

Quando o jornalista define qual o espaço a ser preenchido pela pauta já está dando forma e significados pelo visível. A posição, o tamanho e o esforço empenhado nos modos de apresentar a reportagem lhe conferem uma relevância editorial que é notada, em primeira instância, pelo contato visual. A manchete é um exemplo claro dessa relação do leiaute com a narrativa e o discurso. Está implícito pelo espaço ocupado: esta é a história mais importante de hoje.

Figura 11 – paginação vertical e paginação horizontal

A atividade do design é uma dimensão determinante da visualidade do jornalismo. No século XX, os designers agregaram à área os paradigmas formais da modernidade e do projeto de produto, da mesma forma como os fundamentos do design industrial fizeram-se onipresentes para os bens de consumo. O jornalismo passou a se organizar enquanto empresa e a embalagem das notícias necessitou de um padrão comercial. A entrada da publicidade modificou os leiautes, mas só podemos falar mesmo de design enquanto atividade e disciplina no século XX com a criação de centros específicos de estudos da forma.

No senso comum, a palavra é associada a desenho. Embora haja essa tradução, o uso indiscriminado com esse sentido não é aceito pelos designers. Afinal, o desenho é também dotado de um design, mas não é o design em si. As concepções teóricas (BONSIEPE, 1997; FLUSSER, 2007) concordam que se trata da atividade de dar forma às coisas. O designer tem a função de planejar e executar o processo de tornar a matéria algo inteligível a partir de um projeto. Essa é uma concepção ampla que não o circunscreve em um período histórico, mas mostra que estratégias de design sempre estiveram presentes na humanidade como método para moldar a cultura. “O design, como todas as expressões culturais, mostra que a matéria não aparece (é inaparente), a não ser que seja informada, e assim, uma vez informada, começa a se manifestar (a tornar-se fenômeno)” (FLUSSER, 2007, p. 28).

É curioso que, para a filosofia, informação signifique “dar forma à” (HOUAISS, 2013, on-line), pois a matéria-prima do jornalista é a informação, mas para a comunicação o sentido de informação é “instruir, cientificar” (HOUAISS, 2013, on-line). Para Flusser (2007, p. 28), “se ‘forma’ for entendida como o oposto de ‘matéria’, então não se pode falar de design ‘material’, os projetos estariam sempre voltados para informar”. O design é um método “de dar forma à matéria e de fazê-la aparecer como aparece, e não de outro modo”. Designers e jornalistas, nessa concepção, apresentam papel semelhante: os primeiros informam a matéria, dão configuração a algo para torná-lo inteligível; os segundos informam fatos e ideias para tornar a vida em sociedade inteligível. O designer está preocupado com o como as formas aparecem e o jornalista com o que deve aparecer ou com o que é passível de ser informado pela notícia. Ambas as profissões pretendem comunicar, uma pela própria matéria (o que) e o outra pela forma (como). Pode-se concluir que forma e conteúdo são sempre informativos no sentido comunicacional, cada um a seu modo.

Os estudos associam o planejamento visual em jornalismo à área do design gráfico denominada design editorial (CALDWELL & ZAPPATERRA, 2014). O design gráfico pode ser entendido como a área que projeta produtos gráficos, tais como cartazes, capas, livros, revistas (VILLAS-BOAS, 2003). Na segmentação do design editorial, o objeto do projeto são

publicações em suporte impresso ou digital, periódicos ou não (GRUZYNSKI & CALZA, 2013). Nessa área, na maioria das vezes, o profissional não influencia o conteúdo textual, e mesmo a visualidade tem limitações quanto à manipulação. A atuação é mais decisiva na preparação do projeto gráfico que será seguido periodicamente com a coordenação de editores repórteres e editores. O raciocínio de selecionar, hierarquizar e decidir o estilo estético para apresentar o conteúdo é desenvolvido pelo editor, subeditor e/ou o repórter. O designer discute e executa o plano desenvolvido por esses profissionais com autonomia restrita, mas conforme veremos no decorrer deste estudo, o contexto vem se modificando com o desenvolvimento de equipes multidisciplinares.

Para a cultura profissional do jornalista, o design deve ser produzido como informação útil, e não apenas como recurso estético para adornar e tornar legíveis os textos. Essa diferença da produção gráfica jornalística se coaduna com os objetivos de outra área específica, o design da informação, segmento em que o designer possui autoridade sobre o conteúdo. Horn (1999, p. 25) pontua a tensão existente entre os formados com princípios das artes e os profissionais da comunicação preocupados com a eficiência da mensagem para o público. O planejamento do design da informação deve considerar aspectos de estilo e estética como secundários em relação aos princípios de clareza precisão, legibilidade, compreensão e simplicidade. Muitas vezes uma preferência estética, como tipo da fonte ou tamanho, pode dificultar o processo de aquisição de informação nos produtos jornalísticos, pois lidam com públicos distintos. O designer da informação, assim como o jornalista, deve estar atento a esses pontos, pois em ambas as profissões a informação é produzida para ser usada e gerar conhecimento.

Outro conceito aplicado nesse campo é o de design de notícias (FREIRE, 2007, MORAES, 2015), termo apropriado à cobertura do dia a dia por ter a notícia como alvo e deixar pouca margem para uma tomada de decisão que vá além da montagem. Um termo que soa mais abrangente seria design jornalístico (RUIZ, 2002, FREIRE, 2007, 2009), pois pode ser aplicado a todas as modalidades de jornalismo, seja de produção diária ou em projetos especiais, podendo ser até subdividido: design jornalístico para impressos, design jornalístico televisivo. Ou seja, o design enquanto disciplina deve ser respeitado nas atividades jornalísticas, promovendo a existência de equipes multidisciplinares para realizar a tarefa em todos os suportes.

Boa parte daquilo que se conceitua como design da informação conversa consensualmente com as ideias de um design jornalístico. Quando o designer atua no campo do jornalismo, ele não tem toda a liberdade de planejamento e criação, conforme vimos, porque a pauta e a produção de informações são domínio dos jornalistas. Entretanto, ambos têm papel

semelhante ao frisado como princípio básico do infodesign pela Sociedade Brasileira de Design da Informação, que é de “otimizar o processo de aquisição da informação” (SBDI, 2006, apud QUINTÃO & TRISKA, 2014, p. 109). Para Herrera (2013, p. 111-112, apud SOUZA et al., 2016), “design da informação é a arte de organizar, selecionar, otimizar e transformar dados complexos em informação mais fácil, útil e efetiva, com a intenção de satisfazer as necessidades e objetivos do usuário de acordo com um contexto”. No caso do jornalista a diferença é que, ao invés de dados complexos, os profissionais selecionam e facilitam a comunicação de fatos de interesse público forjados em uma cultura própria desse campo, que define o que é notícia ou o que é passível de se transformar em uma reportagem. Porém, o design da informação tem objetivos aplicáveis a diferentes artefatos e espaços, tais como documentos e publicações, interações em interfaces computacionais e, ainda, nas sinalizações que ajudam a localização em espaços tridimensionais (HORN, 1999, p. 15-16). Ou seja, opera em esferas distintas do jornalismo, assim como o design editorial. Por isso não seria apropriado dizer que design jornalístico é sinônimo de design da informação. Podemos afirmar que o design da informação e o design editorial produzido no campo do jornalismo são um design jornalístico, vistas as suas peculiaridades em relação a outros campos de atuação do design.

Alguns autores preferem buscar uma nova nomenclatura para designar as atividades produtoras de visualidade dentro do campo jornalístico. Para Guimarães (2013), o design não era um conhecimento essencial, mas diferencial para o jornalista. No contexto atual de valorização da imagem e dos aspectos estéticos, ele se revela um domínio fundamental. O autor prefere denominar esse campo como jornalismo visual, assim como Caldwell & Zappaterra (2014). Guimarães (2013, p. 3) propõe uma ampliação do conceito, incorporando “toda produção de informação em que a imagem é elemento fundamental, concordando, certamente, que o infográfico seria a ‘nata’ do jornalismo visual”. Isso incluiria imagens utilizadas em cenários do telejornalismo, por exemplo, porém não abrange a reportagem televisiva em si. Desse modo, o jornalismo visual seria caracterizado por conteúdos jornalísticos apresentados como informação captada em sua totalidade pela visão.

Em um breve estado da arte, Guimarães faz apontamentos sobre as dimensões profissionais, educacionais e de pesquisa do jornalismo visual. Em sua análise, essa área ainda não apresenta bases teóricas consolidadas. Os estudos costumam se debruçar sobre aspectos isolados, como fotografia, design gráfico e ilustração. Cadwell & Zappaterra (2014) defendem que seria mais simples chamar o design editorial de jornalismo visual. Essa visão exclui uma série de publicações, tais como catálogos, livros, manuais, encartes, produtos muitas vezes sem vínculo com os paradigmas do jornalismo. Considera-se inadequado que design editorial seja

sinônimo de jornalismo visual – este é um dos seus campos de atuação, sendo a área mais expressiva do segmento, mas não a única.

É interessante observar que a nomenclatura utilizada quando as imagens eclodiram diante de revoluções tecnológicas era “jornalismo ilustrado”. Isso ocorreu com a litografia da imprensa caricatural do século XIX e quando a fotografia passou a ser reproduzida em larga escala, no início do século XX. O termo continua atual para designar o campo de produção da visualidade no jornalismo, pois as publicações são ilustradas com imagens estáticas e em movimento e vivemos uma profusão de linguagens.

O termo em espanhol periodismo gráfico, que pode ser traduzido como “jornalismo gráfico”, é apropriado por diferentes grupos de produtores visuais. No entanto, em espanhol essa designação também significa jornalismo impresso ou escrito na língua corrente e em estudos teóricos, o que pode causar certa confusão de campos. Nos programas das faculdades de jornalismo da Argentina6, por exemplo, encontram-se planos de aula em que o periodismo gráfico se refere à produção verbal para veículos impressos, ao mesmo tempo em que a cadeira é também explorada nos termos do jornalismo visual proposto por Guimarães. Em outra vertente, a mesma expressão se refere apenas à produção fotojornalística ou televisiva em alguns espaços, como, por exemplo, a Associação de Periodistas Gráficos Europeus7, que só admite fotógrafos e cinegrafistas. Há ainda menções ao jornalismo gráfico como aquele realizado a partir do desenho, tal como caricaturas, charges e cartoons, além das reportagens em quadrinhos. Cabrera & Lopez (2008, p. 122) associam o termo à infografia como o principal meio expressivo: “A busca de um jornalismo gráfico e as formas gráficas ou infografias, pretende contribuir com soluções para as análises que permitam aprofundar as novas formas de se fazer jornalismo”8.

Nos Estados Unidos, o termo jornalismo visual (visual journalism) é utilizado por Harris & Lester (2002, p. 22) no manual Visual journalism: a guide for a new media professionals, nunca traduzido no Brasil, no qual consideram o avanço das tecnologias digitais como um impulso à constituição da área: “O ponto culminante da história do jornalismo visual é a convergência de funções técnicas, operacionais e sociais para fins de comunicação de massa”. A possibilidade da combinação de palavras e imagens nos computadores, para os autores, aproximou as funções na redação. “Fotojornalistas, escritores e designers gráficos que

6 CASTAGNO, Tattiana Rodriguez. El lenguaje del períodismo gráfico: Taller de lenguaje e produción gráfica. Universidade Nacional de Cordobá, Argentina. Disponível em: http://abre.ai/aBFg. Acesso em: 15 dez. 2019. 7 Conferir https://apge.org, acesso em janeiro de 2019.

costumavam se separar, agora precisam aprender a trabalhar juntos da maneira mais tranquila possível com os computadores”. A compreensão da abrangência dessa mudança leva Harris & Lester (2002, p. 22) a considerarem a importância da formação. “É claro que os jornalistas tradicionais devem se tornar jornalistas visuais ou eles simplesmente não serão capazes de acompanhar as mudanças ao seu redor”9.

Trata-se, portanto, de uma área interdisciplinar, não circunscrita a um território e com conceitos abrangentes o suficiente para as especificidades de um campo atravessado por várias profissões: jornalistas, designers, fotógrafos, ilustradores. No Brasil isso é latente, pois é incipiente a bibliografia nacional sobre o tema, embora tenha crescido nos últimos anos em investigações sobre jornalismo de suporte digital e sobre design de jornais. Gruszynski et al. (2016, p. 49) lembram que Collaro (1987), Silva (1985), Ribeiro (1987) e Erbolato (1981) foram autores que, durante anos, tiveram suas obras indicadas na bibliografia de planejamento gráfico nos cursos universitários. São livros de conteúdo técnico que funcionam como manuais de forma. “Isso ilustra que na formação dos jornalistas no país esta área não foi/é prioritária, sendo muitas vezes encarada como atividade técnica”. Melo (2008, p. 184) colabora com essa ideia quando analisa a revista Realidade (1966-1976), um dos principais ícones visuais do jornalismo brasileiro, e especula sobre a ausência das equipes de arte na historiografia do design. Havia falta de formação acadêmica, o que poderia ajudar a entender “a pouca preocupação deles próprios para com o registro e a reflexão sobre sua própria produção” e, além disso, “a ausência de discursos teóricos que os lastreassem e avalizassem” pode ter causado desvalorização.

Na concepção de Harris & Lester (2002, p. 3), uma “gramática visual” não foi desenvolvida por produtores de imagens, como ocorreu com a tipografia de Gutenberg. “As pessoas aprenderam a ler palavras, mas nunca aprenderam a ler imagens”. A localização espacial da oficina, onde se montavam as páginas longe da redação, evidenciou essa separação. Na medida em que a oficina se estabelece no computador, as áreas passam a trocar mais informação e enfim, a trabalhar juntas. “Jornalistas visuais e designers gráficos devem estar envolvidos em discussões sobre como uma história pode ser coberta. Na maioria dos casos, devem estar envolvidos no relato e ser incentivados a fazer perguntas” (HARRIS & LESTER, 2002, p. 4). Nas entrevistas para esta tese, os produtores visuais afirmam que a voz dentro da redação foi algo conquistado com o crescimento do digital e a entrada de designers formados na redação.

Harris & Lester (2002, p. 4) lembram que repórteres precisam ser cobrados para “se tornarem visualmente astutos e devem ser encorajados a coletar informações gráficas”. Quanto à formação, aconselham os graduados em jornalismo a serem alfabetizados visualmente, sendo para isso necessário “detectar, selecionar e perceber uma mensagem visual e trabalhar com câmera, computador e software, pesquisar banco de dados, fazer gráficos informativos, combinar palavras com histórias e criar leiautes e designs para mídia impressa e de tela”.

Neste trabalho, considera-se que a visualidade do jornalismo, seja veiculado no impresso ou em ambiente digital, é um híbrido verbo-visual. Na atualidade, incorpora em sua narrativa imagens estáticas e em movimento, assim como o design gráfico, como elementos narrativos em diferentes gradações. Esta investigação só não se interessa pela visualidade praticada pelo telejornalismo, que é visual, embora a produção, circulação e consumo tenham particularidades muito distintas dos veículos de tradição escrita. Entretanto, vídeos fazem parte das grandes reportagens multimídia e devem ser incorporados nas análises. Acredita-se na ideia de Guimarães (2013) de que gráficos, infográficos e imagens explicativas produzidas pelo telejornalismo deveriam ser objeto de investigação do jornalismo visual. No jargão da área, essas peças são conhecidas como “arte” e apresentam função estética (composição do cenário), além de explicativa ou didática (gráficos, animações, caracteres). É comum um apresentador de telejornal dizer que prepararam uma “arte”.

Entre os termos expostos, os mais abrangentes para esta investigação são jornalismo visual e jornalismo gráfico. Já o design jornalístico seria um dos elementos fundamentais, assim como o fotojornalismo e outras iconografias. Neste trabalho prefere-se o termo jornalismo visual, porque a pesquisa observa as transformações nas narrativas visuais da imprensa de grande reportagem, ou seja, como utiliza-se a visualidade para contar histórias. Também busca- se uma aproximação com a área originalmente conhecida como programação ou planejamento visual. Admite-se, como conceito norteador, que o jornalismo visual é uma área de especialização destinada à produção de informações representadas por expressões visuais, tais como iconografias (fotografias, ilustrações, infográficos, videografias, quadrinhos, vídeos, animações) e pelo design (leiaute, tipografia, formato, diagramação, cor, materiais de impressão e os demais elementos do projeto gráfico). É a partir desses elementos, em interação com a cultura visual vigente, que se procura entender as características e transformações do jornalismo visual da grande reportagem brasileira.

3 PÁGINAS DE UMA CULTURA VISUAL