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Na cultura visual da imprensa brasileira até a metade do século XX foi marcante o intercâmbio de artistas e designers estrangeiros na modernização dos leiautes, tanto na primeira fase da imprensa ilustrada, antes da reprodução de fotografias, quanto depois, com a modernização dos sistemas de impressão e dos projetos gráfico-editoriais. Essa troca não será diferente em uma nova fase da visualidade da imprensa brasileira, influenciada pelos padrões profissionais desenvolvidos sobretudo nos Estados Unidos, na concepção de revistas ilustradas e jornais, com a reforma do Jornal do Brasil e a criação do Jornal da Tarde. Quem dará o tom dessa fase na produção de revistas é a Editora Abril, uma empresa média, de propriedade da família Civita, que gradativamente se tornaria a líder do mercado e a maior editora de revistas da América Latina. Publicava Pato Donald (1950), Capricho (1952), Manequim (1960) e Claudia (1961). Uma de suas práticas era justamente enviar para o exterior equipes para estudarem ideias inovadoras. Carlos Maranhão, biógrafo de Roberto Civita, conta que “ao planejar uma nova revista, a Abril – a exemplo de outras editoras fora e dentro do Brasil – geralmente se basearia em fórmulas editoriais, comerciais e publicitárias testadas e vitoriosas nos Estados Unidos e na Europa” (MARANHÃO, 2016, p. 81).

Roberto Civita, filho de Victor Civita, estudou Jornalismo e Administração nos Estados Unidos e foi trainee da revista Time. Era conhecido como Robert. Em 1958, aceitou o convite do pai para voltar ao Brasil e implantar novas publicações, recusando a oportunidade de ser o número dois da Time em Tóquio, no Japão. No Brasil, Roberto pensou em criar três revistas: uma semanal de informação, que viria a ser a Veja (1968), outra, de negócios, a Exame (1971) e uma masculina, a Playboy (1978). Como referências tinha as americanas Time, Fortune e Playboy. Esses projetos foram amadurecidos por anos, até se concretizarem (MARANHÃO, 2016).

Para a reportagem brasileira, a Abril foi fundamental na renovação das narrativas visuais. Se O Cruzeiro elevou o fotojornalismo e a diagramação, as revistas jornalísticas da editora injetaram uma dose de criatividade, incorporando infografia e outros recursos, como janelas, quadros, fotoilustrações e fotografias de expressão autônoma e pessoal. Pode-se afirmar que as revistas da Abril aperfeiçoaram a edição visual no país, integrando os textos à visualidade de modo que o título e os destaques, como olho e janelas, estivessem conectados às fotografias, mapas e demais elementos no todo da página, criando sintaxes verbo-visuais sofisticadas.

Quatro Rodas abriu o caminho para a reportagem aprofundada nas publicações da editora. “Em 1960, (...) a Abril passou a ter uma publicação de caráter jornalístico, com reportagens, matérias de serviço e independência editorial” (MARANHÃO, 2016, p. 167). No primeiro número, um mapa colorido desdobrável da Via Dutra era complementado por uma longa matéria de serviço sobre a estrada. Mino Carta e Roberto Civita foram os autores da reportagem. Na apuração, percorreram 406 quilômetros para avaliar restaurantes, postos e hotéis que estariam na edição como pontos de apoio aos motoristas na estrada. Em uma aventura que seria comum nas outras edições, o mapa se estabeleceria como a marca registrada da revista e resultaria em uma publicação anual, o Guia Quatro Rodas, referência em publicações de mapas rodoviários do país.

As reportagens de Quatro Rodas eram criativas na pauta e na construção visual. Limpo e arejado, o projeto gráfico era organizado em seções e primava pela edição de texto e pela função pedagógica sobre o universo dos carros, já que utilizava vários desenhos explicativos sobre a estrutura dos veículos. A edição número 9, de 1961, editou um mapa do sudeste ao sul do país (figura 46). A revista não classifica esse conteúdo como reportagem, até por que a reportagem de serviço não era um gênero desenvolvido no país. Considerada uma grande pesquisa, dispõe-se com as retrancas “Turismo” e “Mapa” no sumário, mas não há créditos para o texto ou fotos. De qualquer modo, é um material extenso, com muitas informações, também obtidas na viagem que a revista relata ter realizado pela BR-2, que liga São Paulo a Porto Alegre. Na narrativa visual, as cenas panorâmicas prevalecem, com imagens de paisagens e poucos registros de pessoas.

Embora a revista tenha começado desacreditada, por circular em um país com péssimas estradas e que produzia poucos carros, em seis meses a tiragem pulou de 30 para 70 mil. Esse sucesso também se deve à qualidade da redação, composta por profissionais como Mino Carta, João Werneck de Castro, Sérgio de Souza e Paulo Patarra. Parte dos jornalistas de Quatro Rodas vão integrar a redação de Realidade. Fórmulas editoriais dessa experiência serão exportadas para compor a mítica revista de reportagens.

O jornalista Paulo Patarra entrou na Editora Abril à espera do lançamento de alguma revista de interesse geral. “Quando assumi a Direção de Quatro Rodas, trocamos turismo por índios: ‘O povo [que] deve morrer’. Carlos Azevedo [repórter] ficou com o fotógrafo Luigi Mamprin quatro meses no mato, às escondidas da cúpula26.” Carlos Azevedo contou, em depoimento, que “Patarra queria dar uma demonstração à empresa de que a equipe de Quatro

26 Informação verbal colhida da entrevista “Jornalista tem que saber ler” concedida a Gil Campos em 20/04/2007, para o site da Associação Brasileira de Imprensa. Disponível em: http://www.abi.org.br/entrevista-paulo-patarra/. Acesso em: 30 jul. 2019.

Rodas estava em condições de fazer essa revista [de reportagens]. Por isso ele pensou no projeto dos índios, matéria totalmente diferente dos tradicionais roteiros turísticos”27 (figura 47). Conseguiu dar a prova e levou para a revista parte da equipe e alguns colegas que estavam em outras publicações, entre eles, Eduardo Barreto, que se tornará o chefe da arte.

Figura 46 – leiautes de Quatro Rodas e seus mapas desdobráveis (abril de 1961, nº 9)

Fonte: acervo pessoal.

Os leiautes da reportagem, que na verdade foi intitulada “Paz para o índio vencido”, são precursores do estilo gráfico das grandes reportagens de Realidade. As titulações geram curiosidade e as fotos são legendadas, aprimorando a relação verbo-visual. A pauta foge às temáticas da revista Quatro Rodas e tenta, pela edição, aproximar o tema do projeto editorial. No começo da reportagem, estampa indígenas em cima de um jipe, a única imagem com um automóvel. O texto avisa: “O mapa que acompanha essa reportagem mostra todas as BRs. Mas dessa vez não se trata de um roteiro turístico. É a história breve da tragédia de uma raça. Abra e desdobre. Verá, talvez com surpresa, que há índios em todo território brasileiro” (AZEVEDO, 1965, p. 65). O desenho apresenta a localização e a etnia indígena, com legenda de cor confirmando visualmente para os leitores a relevância da temática – uma infografia que clarifica a informação e solidifica o efeito de verdade, conforme discutiu-se no capítulo 2. A própria reportagem sugere aos leitores que não visitem os indígenas, “porque indo ao local se arrisca a encontrar uma menininha linda abraçada num cachorro esperando a hora de morrer” (AZEVEDO, 1965, p. 65). A criança aparece na foto encarando o leitor em uma relação verbo- visual de caráter narrativo que será marcante em Realidade.

No Brasil, não havia a experiência com uma revista mensal de reportagens. O lançamento de Realidade, em 1966, foi um sucesso editorial precoce. Em quatro meses, a tiragem subiria de 250 para 450 mil exemplares. Para a grande reportagem brasileira, ela foi histórica e aprimorou práticas de edição visual em nossa imprensa, assim como o Jornal da Tarde, que discutiremos adiante, também notável pelas coberturas aprofundadas. A novidade para o jornalismo visual são as imagens planejadas no desenvolvimento da reportagem, com fotografias encenadas de alto teor narrativo, como fotoilustrações. Muitas fotografias, assim como em O Cruzeiro, contaram com a participação de fotógrafos estrangeiros, tais como Luigi Mamprin, Jorge Butsuem, Lew Perrela, Mauren Bisilliati e Claudia Andujar, profissionais que trabalharam um olhar diferenciado do padrão da imprensa da época. Esses fotográfos não ficaram “presos à intenção de gerar uma simples prova visual dos fatos, eliminando possíveis dúvidas do leitor. A intenção deles foi, realmente, imprimir uma interpretação particular da realidade, fazendo uso de uma linguagem pessoal” (LEITE, 2015, p. 9). As pessoas comuns recebiam espaço visual na revista, assim como fazia Diretrizes nos anos 1940. Há uma atenção especial aos perfis de anônimos e às pautas da juventude.

Um ano após publicar em Quatro Rodas a reportagem “Paz para um índio vencido”, Carlos Azevedo e Luigi Mamprin farão nova aventura, agora em Realidade. A reportagem “Resgate de uma tribo” (figura 48) apresenta um esquema de diagramação bastante usado na revista, abrindo na página ímpar com um prólogo da reportagem, informando como foi

realizada e, nesse caso, apresenta os repórteres em ação. Mais uma vez aparece a temática indígena, com fotos de grande formato e impacto visual.

Fonte: http://realidade.ufca.edu.br

Em “Uma vela contra o mar” (figura 49), o leiaute é guiado pelo azul da água e a narrativa conta a vida de pescadores em texto descritivo. Já as imagens compõem um estilo narrativo, sendo apresentadas em cores vibrantes e luz dura, algo incomum, mas necessário à pauta sobre pessoas que vivem grande parte da vida sob o sol. O caráter independente e de liberdade criativa apresentado nessas reportagens é uma marca da fotografia em Realidade (LEITE & VIEIRA, 2013, LEITE et al., 2015). A direção também procurava contratar profissionais experientes de dentro e fora do país. Lew Perrela passou pela americana Life, assim como David Drew Zingg, que ainda esteve na Look (LEITE, 2015). A fotógrafa suíça Claudia Andujar28 considera que essa abertura, na época, só existia nessa publicação. “Não era que o repórter tava ao meu lado, fazendo as entrevistas e me dizendo ‘faça isso ou aquilo, etc’. Não tinha nada disso. Isso era uma maravilha. Além do fato que eu podia ficar fazendo a matéria o tempo que eu precisava.” O mesmo tipo de comentário é apresentado pelo fotógrafo Amâncio Chiodi29: “Você saía pra fazer a matéria com o repórter, mas você fazia a sua matéria. E o repórter, normalmente você sai e o cara fala ‘oh, fotografa aquilo, fotografa aquilo’. Puta, ali rompeu com uma coisa totalmente diferente”.

28 Informação verbal. Depoimento concedido a Leylianne Alves Vieira e Marcelo Eduardo Leite, em São Paulo (SP), em 20 de maio de 2013, para a pesquisa “Realidade: o fotojornalismo (autoral) de uma revista”, contemplada pelo prêmio Marc Ferrez de fotografia da Funarte (2012) e realizada de janeiro a agosto de 2013. Disponível em: http://realidade.ufca.edu.br/index.php/depoimentos/67-claudia-andujar . Acesso em: 15 dez. 2019. Os depoimentos provenientes dessa fonte foram coletados nesta pesquisa.

29 Informação verbal. Depoimento concedido a Leylianne Alves Vieira e Marcelo Eduardo Leite, em São Paulo (SP), em 22 de maio de 2013. Disponível em: http://realidade.ufca.edu.br/index.php/depoimentos/68-amancio- chiodi. Acesso em: 15 dez. 2019. Todas as aspas deste depoimento na tese são provenientes dessa fonte.

Embora cada um fizesse suas fotografias e as narrativas visuais criadas pudessem ser independentes, a participação do fotógrafo desde a reunião de pauta já sincronizava os profissionais. Jean Scolari30 salienta esse aspecto: “A gente tinha uma reunião de pauta, todos participavam, o repórter, o fotógrafo (...). E era discutida a pauta. Então, ‘ah, você vai fazer isso, você vai fazer aquilo’. Você propunha uma ideia, de repente você ali fazia esse negócio. E era muito democrático”. O mesmo processo ocorria com a escolha das fotos. “As pessoas participavam, você chegava de uma matéria e tinha lá umas mesas de luz grandes, e aí colocava o material, projetava, e as pessoas de outra matéria, o pessoal ia ver, né? Você chegava, fazia uma projeção, a redação ia ver”, comentou Amâncio Chiodi.

Mas nem sempre as escolhas eram satisfatórias para todos, como lembra Jean Solari: “Às vezes, defendia uma foto, fazia com tanto sacrifício uma foto e o editor de arte não tomava nem conhecimento e a gente no fim ficava aceitando porque ele tinha a visão do conjunto. Mas isso sempre valorizava o trabalho”. O repórter Carlos Azevedo31 recordou essa insatisfação: “Os fotógrafos ficavam muito cabreiros: ‘as melhores fotos, não escolhem’. (...) Não essa foto, porque aí tem a visão do editor também, né? Do interesse mais geral, a foto que serve mais para o esclarecimento da matéria.” Aqui emerge o paradigma do jornalismo visual em equilibrar texto e imagem, escolhendo não a mais bela, mas aquela que informa com mais clareza.

Outra marca que a revista deixou está na reportagem “Pobre menina miss”, do número 5 (figura 50), na qual a linguagem fotográfica é usada como ilustração. Não se trata de retratar ou documentar um fato, uma cena, mas de criar artisticamente os elementos da fotografia, como na pintura ou desenho, de acordo com um texto que a imagem deve exprimir. Nesse caso, o uso da fotografia já é desfiliado da obrigação de documentar a realidade objetiva; o desejo da imagem não é de verdade, semelhança, mas de expressão, conforme o conceito de Rouillé (2009) discutido anteriormente, das mudanças dos paradigmas da fotografia-documento para fotografia-expressão.

Porém, como, em um período no qual pairava o paradigma da objetividade no jornalismo, puderam surgir leiautes de produção encenada? As respostas podem estar no crescimento do New Journalism, também chamado de jornalismo literário, de caráter interpretativo e marcado por um mergulho aprofundado do repórter nos meandros das histórias. Esse estilo não nega a objetividade, mas abre brechas para recursos estilísticos e de narração,

30 Informação verbal. Depoimento concedido a Marcelo Eduardo Leite, em Saquarema (RJ), em 25 de junho de 2013. Disponível em: http://realidade.ufca.edu.br/index.php/depoimentos/70-jean-solari. Acesso em: 15 dez. 2019. Todas as aspas deste depoimento na tese são provenientes dessa fonte.

31 Informação verbal. Depoimento concedido a Luís Celestino de França Júnior e Marcelo Eduardo Leite, em São Paulo (SP), em 13 de março de 2013. Disponível em:

incluindo a vivência do repórter, seja em primeira pessoa ou com detalhada descrição. Grandes representantes desse estilo são Truman Capote, Tom Wolfe e Gay Talese. Em Wolfe (2005), essa nova reportagem é apresentada como uma reação justamente à padronização que a imprensa vivia desde a década de 1920, nos Estados Unidos. Já para o fotojornalismo, a década foi de crescimento do trabalho autônomo.

Figura 50 – Leiautes de “Pobre menina miss”, Realidade (1966, nº 5)

Fonte: acervo pessoal.

As experimentações desenvolvidas pelas revistas americanas, como a Esquire, demonstraram, para Tom Wolfe (2005, p. 37), que os jornalistas estavam indo além da reportagem convencional. “A ideia era dar a descrição objetiva completa e mais alguma coisa que os leitores sempre tiveram que procurar em romances e contos: especificamente a vida subjetiva ou emocional dos personagens.” Nos Estados Unidos, um dos principais modelos é a revista The New Yorker. No Brasil, Piauí, fundada em 2006, apresenta esse estilo, com atenção especial à ilustração de capa e forte apelo à linha editorial. Realidade apresentava características dessa corrente narrativa do jornalismo, mas era controversa, na opinião de membros da revista, a direta influência do New Journalism. José Carlos Marão (2010, p. 32) foi repórter e confessa que todos já haviam lido os principais expoentes do New Journalism.

“Mas, que eu saiba, ninguém sentava em frente da Studio 44 pensando: ‘agora vou fazer New Journalism’. Era pura intuição.”

Para a época, o estilo e os temas escolhidos resultaram em leiautes de página inovadores, sobretudo para a edição de fotografia, titulações e texto. Como a pauta costumava ser construída a partir de um perfil particular para mostrar uma visão geral, houve uma cobertura visual diferente daquela que O Cruzeiro e Manchete faziam, valorizando personagens anônimos. Nas edições especiais, os dados estatísticos foram introduzidos ainda tímidos – recursos que vão evoluir para a infografia. É a estética do texto criando elementos visuais para o projeto gráfico-editorial. O mesmo ocorre com o uso criativo dos títulos. Em uma organização limpa e simples, a diagramação mantinha largas faixas em branco nas bordas, criando um padrão moderno e modular.

O estilo de Realidade e, pode-se afirmar, da Editora Abril, era insistente em uma edição na qual os nexos na página mereciam uma dedicação além do normal. Para Marão (2010, p. 33), o nível de exigência imposto pela própria equipe da revista tornava o trabalho de edição exaustivo. “Era importante que texto e fotos ou ilustrações mostrassem uma unidade, mostrassem que faziam parte de um só trabalho.” Esse esmero gráfico-editorial era possível, também, porque a revista era mensal. Assim, havia um processo de planejamento e, na hora de juntar todos os elementos na página, o tempo favorecia uma confecção mais aprimorada, ainda mais com uma equipe de criativos profissionais.

Nas grandes reportagens de Realidade, vários elementos visuais foram consagrados. A edição textual e a fotografia, como registros do real, passam a conviver nas páginas com outras manifestações imagéticas, como as ilustrações de cunho infográfico, quadros e tabelas de dados, mas isso ocorre timidamente nas edições especiais, em que um único tema era tratado. Fotografias não eram produzidas necessariamente em função do estilo instantâneo, podiam ser encenadas. Essa diversificação de elementos relacionada à grande reportagem foi recorrente na pesquisa. Com mais tempo e planejamento, os jornalistas se permitem ousar e experimentar.

Na figura 51, da reportagem “Ela é assim”, da edição especial “A mulher brasileira hoje” (nº 10, janeiro de 1967), o diretor de arte da revista, Eduardo Barreto Filho, e o diagramador, Jaime Figuerola, assinam a ilustração. Apesar de o texto não sair creditado, no editorial é mencionado que os dois “fizeram um curso intensivo de medicina e biologia a fim de poderem preparar a reportagem”. O texto é cronológico e retirado de fontes documentais, narrando a saga da reprodução humana. Chama a atenção o estilo psicodélico dos desenhos e a interação entre texto e imagem na ilustração que abre a matéria. A mensagem visual é narrada com começo meio e fim, sem a necessidade de se ler a matéria para entendê-la. O formato

atende às qualidades de uma infografia, na qual elementos verbais e visuais (atualmente incorpora audiovisuais) interagem em uma mensagem fechada de sentido em um espaço visual determinado. Na ilustração de abertura, os textos foram diagramados próximos à região do corpo relacionada à informação, usando um marcador em círculo e sugerindo a comparação visualmente. Nas outras páginas, recorre-se à ilustração com legenda explicativa, culminando com o bebê formado.

Figura 51 – leiautes de “Ela é assim”, Realidade (1967, nº 10)

Fonte: Acervo pessoal.

Essa construção da informação visual gráfica funciona como recurso pedagógico para explicar um processo biológico. A explicação científica no texto corrido é facultativa e a leitura das legendas cria uma narrativa com a imagem que pode até dispensar a leitura do texto para o entendimento geral da pauta proposta. O esforço editorial para desenvolver essas ilustrações mostra a valorização de recursos não fotográficos. A própria Realidade publicou, em sua primeira edição, um ensaio fotográfico que aborda o processo que vai da fecundação à formação completa do feto. As imagens são impactantes perto desses desenhos, que, embora não tenham a mesma força expressiva das fotografias, passam a também ser parte da paleta de opções para (in)formar a página.

Mas a revista especial não teve a mesma maestria visual para tratar os dados gerados pela imensa pesquisa. Apesar de entrevistarem32 1.200 mulheres, tabulando mais de cem mil respostas, nas seis páginas destinadas à pesquisa não foi publicado com destaque nenhum dado. Todas as porcentagens aparecem em texto em formato de entrevista pergunta-resposta. A publicação de gráficos ainda era rara, embora parte da equipe de Realidade tenha sido da Quatro Rodas, na qual gráficos e tabelas eram publicados com frequência, assim como ilustrações informativas sobre os carros.

No mesmo ano, na edição especial “A juventude brasileira, hoje”, a organização ainda é tímida, mas busca dar mais visibilidade aos dados, incluindo tabelas ao longo da narrativa (figura 52). Na ilustração da capa, que também abre o miolo da reportagem, uma produção ilustrativa antevê práticas de recorte muito disseminadas pelo uso do Photoshop. Na época, uma ideia, fotografia, maquiagem, tesoura e cola resolveram a questão. No sumário, o editor explica a intenção: “As fotos de capa representam uma tentativa: a de sintetizar uma juventude de rebeldes e acomodados, brancos e pretos, mulatos e nisseis” (REALIDADE, 1967, p. 5).

Figura 52 – montagem e tabelas de “A juventude brasileira, hoje”,

Realidade (1967, nº 18)

Fonte: Acervo pessoal

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Realidade realizava as pesquisas contratando institutos, mas também levantava dados por meio de formulários