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Formas de financiamento público no Theatro Municipal de São Paulo

2.3. Financiamento público no campo das artes e espetáculos

2.3.2. Formas de financiamento público no Theatro Municipal de São Paulo

Sobre as formas de financiamento público das atividades culturais do Theatro Municipal de São Paulo, observamos que ele permanece subsidiado por recursos públicos, mas o crescimento da participação dos recursos privados, obtidos por meio de incentivo fiscal (Leis de Incentivo Fiscal, Parcerias) é que têm viabilizado a produção dos espetáculos. O depoimento a seguir confirma essa tendência:

(...) A partir dessa reestruturação do Kalil, o Balé da Cidade começou a desfrutar de um prestígio muito grande junto à imprensa de São Paulo, ao público de São Paulo, e a gente começou uma carreira internacional. Isso começou também a atrair empresas. E tudo que eu estou te falando, o contrário também é verdadeiro. Dependendo da direção que o Balé tem, você afasta patrocinadores, afasta-se o Bale, ele começa uma trajetória de não ter muito público, daí ele começa também a afastar os patrocinadores em potencial. É o prestígio da companhia junto ao público e junto à crítica que traz o potencial patrocinador. E como a gente começou a partir da administração do Kalil em 1989, ele, como diretor do Theatro Municipal, reestruturou o Balé, que, em poucos anos, começou a colher os frutos disso. Foi através do prestígio, o prestígio trouxe o apoio cultural.

E continua:

(...) Embora, agora, os projetos aprovados na Lei Rouanet, por exemplo, dentro da esfera federal, é mais recente, antes, nós íamos captar recursos junto às empresas particulares mesmo, principalmente no final dos anos 1990; a partir de 1993, 1994 eu comecei a fazer esse trabalho de captação de recursos aqui no Balé (...) (PRODUTORA DO BALÉ, 29/09/2005).

Chin-tao Wu (2006) priorizou compreender as várias conexões existentes entre arte contemporânea, especialmente museus e galerias de arte públicos, e corporações, focando sua análise nas administrações de Ronald Reagan, nos EUA, e Margareth Tatcher, na Grã- Bretanha. Nesse sentido, ela observa que a política pública de financiamento das artes passou a estar imbricada com o patrocínio empresarial.

Até meados da década de 1970, segundo Chin-tao Wu (2006), apesar das empresas terem um papel passivo de doadoras a museus de arte e outras organizações culturais, essa relação já estruturava as bases para a formulação de uma nova fase que predominaria na cultura contemporânea nas décadas posteriores, em que a intervenção corporativa nesse campo tornou-se universal e abrangente. A partir dos anos 1980, houve uma mudança política na forma de conceber o financiamento público das artes, e esse fato esteve intrinsecamente ligado à adoção dos princípios de livre mercado para essa área. Isso ocorreu tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha.

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As empresas modernas, através de seu poder econômico, passaram a utilizar-se do campo das artes de duas formas: primeiramente, assumiram o papel, antes atribuído a museus e galerias de arte públicos, de organizar exposições de suas próprias coleções de arte, mas, sobretudo, “transformaram as galerias e museus de arte em veículos de relações públicas, assumindo as funções e explorando o status social de que desfrutam as instituições culturais em nossa sociedade” (CHIN-TAO WU, 2006, p.26).

A autora parte da premissa de que o dinheiro doado pelas grandes corporações faria parte da fatia de impostos a que o Estado teria direito a receber. Deste modo, seria “legítimo considerá-lo uma forma indireta de subsídio público” às diversas formas de manifestações culturais, mas sem participar do processo que definirá quais áreas deverão ser priorizadas (CHIN-TAO WU, 2006, p.28).

A Prefeitura Municipal de São Paulo, buscando se adequar aos critérios definidos pela última Constituição Brasileira, a partir de 1989, passou a subdividir o orçamento do Município entre os vários departamentos e instituições públicas, criando-se o sistema de dotações orçamentárias, no qual o poder de ação de cada um desses órgãos passou a depender da liberação desse orçamento (SEGNINI, 2006). A manutenção dessa prática também atende a necessidade de redução de gastos públicos imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal44. É a partir deste sistema de dotações que se mobilizam recursos para pagamento de “Verbas de Terceiros”. No caso dos músicos e bailarinos do Teatro, a maioria deles insere-se através de contratos por esse tipo de pagamento, que podem ser renovados de 6 em 6 meses (SEGNINI, 2006).

Para subsidiar seus espetáculos, o Theatro conta com o apoio cultural de várias empresas, entre elas, do setor produtivo e do sistema financeiro, dos setores de telecomunicações, dos ramos da construção e do comércio. Cabe lembrar que os bancos oferecem seu patrocínio e também vários serviços na área de seguros, já que todos os equipamentos e instrumentos musicais que são transportados para fora do Theatro ou que chegam de outras localidades, ou ainda que são alocados pelo Theatro, necessitam de seguro para ressarcir possíveis danos. E, também, os próprios artistas externos contratados

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A Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar no. 101, de 4/5/2000, destina-se a regulamentar a Constituição Federal, na parte da tributação e do Orçamento (Título VI), cujo Capítulo II estabelece normas gerais de finanças públicas a serem observadas pelos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Tem por objetivo estabelecer normas para a gestão das finanças públicas.

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precisam da cobertura de seguro. Desta forma, o apoio tende a oferecer vantagens aos apoiadores, que se beneficiam também das Leis de Incentivo fiscal45. As atuais leis vigentes para captação de recursos são: Lei Federal de Incentivo à Cultura no. 8.313/91 (Lei

Rouanet), e na cidade de São Paulo, a Lei Municipal 10.923/91 (Lei Marcos Mendonça).

Coli (2006) relata como é instável a situação do Theatro Municipal:

A situação do Teatro Municipal de São Paulo, que conta fundamentalmente com o sistema de patronato e dos fundos públicos, é bastante crítica. O patronato, que consiste em uma doação mensal de particulares com alto poder aquisitivo ou de empresas de grande porte, caiu de trezentos para cinqüenta. Assim, hoje o Teatro Municipal conta com seis tipos de patronos: o corporativo, constituído fundamentalmente por empresas e bancos, e os patronos platina, ouro, prata, bronze e beneméritos, que se constituem de particulares (COLI, 2006, p.46).

Na ocasião do encerramento da última gestão da diretora artística do Theatro Municipal de São Paulo (2001-2004), ficou clara a importância da parceria com a iniciativa privada para a manutenção das atividades culturais:

Sabemos que este Theatro é um espaço mágico, no qual você pode se refugiar do cotidiano estressante de uma metrópole. Esperamos que, nestes quatro anos, tenhamos contribuído para que essa magia fizesse parte de sua vida. (...).

E continua:

Todo este trabalho envolve centena de músicos, bailarinos, artistas, diretores, cenógrafos, figurinistas, técnicos, costureiras, marceneiros, copeiros e funcionários administrativos, empresários artísticos e mídia. É fruto também de parcerias bem- sucedidas entre o poder público e a iniciativa privada, como nossos patrocinadores, num trabalho alinhavado pela Associação dos Patronos, através de seu presidente Ivo Rosset, pelo Theatro e pela Secretaria Municipal da Cultura, nas gestões de Marco Aurélio Garcia e Celso Frateschi.

O triunfo é do público que nos prestigia, apoia, observa, critica e se emociona. A vocês, o nosso sincero agradecimento46.

Conforme vimos, devido à necessidade de complementar o orçamento dos projetos na área da cultura, o Theatro Municipal de São Paulo se submete aos critérios da iniciativa privada para pleitear financiamento através das leis de incentivo fiscal.

(...) A gente costuma trabalhar com empenhos da Prefeitura e com apoiadores, com produtores externos. Através das leis. Então, os projetos todos do Theatro Municipal entram em lei, a gente pega um pouco de dinheiro de empenho da prefeitura, ela paga uma parte, se capta recursos com patrocinadores e se paga a outra parte. Agora a renda da bilheteria, ela também entra, mas eu não sei dizer... (PRODUTORA DO THEATRO, 22/09/2004).

45 A Lei no. 8.313/91 permite que os projetos aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) recebam patrocínios e doações de empresas e pessoas, que poderão abater, ainda que parcialmente, os benefícios concedidos do Imposto de Renda devido.

46 Caderno de Espetáculo impresso por ocasião da ópera João e Maria, dias 12, 18 e 19 de dezembro de 2004, pp.2-3.

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No Brasil, as formas de financiamento das atividades ligadas a área da cultura têm se dado através das leis de incentivo fiscal, modelo que tem sido adotado pelo Theatro Municipal, como forma de subsidiar seus espetáculos. Sobre as conseqüências dessas mudanças, Magaldi (2003, p.9) faz algumas observações sobre o tema: “o evidente alcance dessas leis não pode substituir uma política de cultura do Governo, que começa, aliás, a penitenciar-se pela omissão”. E, ainda, ressalta que:

As leis de incentivo, depois de obtida a aprovação do órgão governamental competente, deixam o financiamento do projeto ao arbítrio da iniciativa privada – uma indústria, um banco ou o comércio. Ao que se saiba, não é função dessa iniciativa privada manter um departamento cultural ou um simples funcionário incumbido de examinar o valor presumível dos espetáculos. Quando se consegue a verba almejada, o motivo se prende ao prestígio artístico do postulante ou a uma ligação fortuita, sem esquecer o benefício que a associação com o empreendimento pode trazer à imagem da empresa. Os novos não tem para quem apelar (MAGALDI, 2003, p.12-13).

Seguindo a tendência dos países de capitalismo avançado, o Brasil também tem adotado a prática de estimular o setor privado a financiar as atividades na área da cultura. Esse movimento intensificou-se a partir dos anos de 1990, mas, conforme nos apontou Magaldi (2003) na citação anterior, este setor adota por princípio investir nas atividades em que haja um público já formado ou, ao menos, que seja de um artista ou instituição que tenha reconhecido prestígio. Mesmo considerando o fato de que essas empresas estariam investindo dinheiro público de renúncia fiscal, que indiretamente pertenceria ao Estado, parece não haver interesse em investir em novos projetos. Certamente, esta atitude poderá estar ligada ao tipo de exposição que a empresa deseja ter na mídia (CHIN-TAO WU, 2006).

Magaldi (2003) faz outras observações sobre o contexto vivido pela área de artes e espetáculos no Brasil:

Bem no estilo da economia de mercado, que não prescinde dos intermediários, criou-se a figura do captador de recursos, que recebe uma porcentagem (às vezes gorda) dos recursos obtidos. O mecanismo inflaciona, naturalmente, o custo da produção.

E, ainda:

Se o Governo, compreendendo as esferas federal, estadual e municipal, estiver de fato interessado em minorar a situação aflitiva por que passa o teatro, não seria difícil usar um remédio simples, de eficácia imediata: bastaria dotar os órgãos especializados da mesma verba que ele está disposto a sacrificar com a renúncia fiscal. E ainda estaria economizando uma quantia apreciável, porque as empresas

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que recorrem às leis de incentivo, além de não pagarem os impostos devidos, descontam como despesa operacional aquilo que desembolsa (MAGALDI, 2003, p.13).

Como vimos, a citação acima demonstra que a liberação de recursos públicos para a área da cultura, ou a renúncia fiscal em favor desses investimentos, é deixada nas mãos de empresários que supostamente estariam dispostos a reinvesti-los nas atividades culturais. Esse mecanismo nos parece muito frágil para impedir que os recursos públicos sejam direcionados aos segmentos artísticos mais consagrados, podendo criar maiores possibilidades de associação do nome da empresa incentivadora ao prestígio artístico do grupo apoiado financeiramente. Pois, seguramente, o setor privado não pretende substituir o papel que deveria ser assumido pelo Estado, de garantir o acesso à cultura e a democratização dos espaços culturais. Com a política de renúncia fiscal em favor do empresariado, é através do financiamento público que o Estado permite a interferência do setor privado no campo da cultura (CHIN-TAO WU, 2006).

Podemos concluir que o Estado abriu mão do processo decisório sobre que tipo de produções artísticas deveriam ser beneficiadas, ficando a decisão final sobre a liberação da verba a cargo da iniciativa privada, a ela cabendo julgar o mérito e a viabilidade do projeto. Nesse sentido, o Estado se desobriga de sua função de estimular e democratizar as atividades na área da cultura, conforme o que estabelece a constituição de 1988, passando a submeter a liberação de verbas para os projetos culturais aos critérios definidos pelo mercado.

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CAPÍTULO 3:

THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO ENQUANTO LOCUS DE

TRABALHO