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4. ALTERNATIVA PARA A CONSCIÊNCIA AMBIENTAL

4.6. Formas de privatização dos presídios

O preso deve apenas perder sua liberdade e nada mais. Todas as atrocidades e humilhações sofridas por ele são de responsabilidade do Estado e têm de ser evitadas. As unidades prisionais privadas podem preservar a dignidade do preso, de modo especial, se estivermos tratando do provisório, que ainda não foi julgado e que ainda pode ser absolvido. Quem lhe restituirá o que perdeu na cadeia, a dignidade que lhe foi aniquilada ?

Quanto ao pessoal envolvido, só há vantagens. Se houver qualquer irregularidade, corrupção ou outro desvio, o funcionário é demitido, resolvendo-se o problema. Diferentemente do espaço estatal, onde tudo depende de sindicância, processo e burocracia.

Necessário se faz a compreensão das várias significâncias que pode assumir a expressão privatização dos presídios. Isso ajudará, certamente, a alcançar um diagnóstico mais cuidadoso quanto à viabilidade das prisões privatizadas pela qual o capital privado se relaciona com o cárcere. Existem quatro enfoques principais no fenômeno da privatização carcerária.

O primeiro e mais radical desses enfoques consiste na construção e administração plena dos estabelecimentos carcerários por sociedades empresárias privadas. Outra possibilidade seria a construção dos presídios pelo capital privado, com posterior locação pelo

poder público. Tal hipótese, contudo, não teria nenhum reflexo sobre o trabalho dos detentos, que continua controlado pelo Estado. Um terceiro enfoque seria a utilização da mão-de-obra carcerária pela empresa, para recuperar os custos com a construção, manutenção e administração do presídio. A última possibilidade consiste na terceirização de determinados segmentos da administração prisional. Em cada um desses possíveis arranjos pode-se identificar uma variedade de problemas de ordem ética, política e jurídica, buscando sempre reafirmar a universalização da proteção ao trabalho e a salvaguarda dos direitos humanos.

Os obstáculos de natureza ética estariam ligados ao próprio princípio ético da liberdade individual, consagrado na Constituição Federal brasileira como garantia constitucional do direito à liberdade. De acordo com esse princípio, a única coação moralmente válida seria aquela imposta pelo Estado por meio da execução de penas ou outras sanções, sendo ainda que o ente estatal não está legitimado a transferir o poder de coação a uma pessoa física ou jurídica. Do ponto de vista ético, seria intolerável que um indivíduo, além de exercer domínio sobre outro, aufira vantagem econômica do trabalho carcerário.

O respeito aos preceitos da ONU é tradicional no Brasil, assim como é tradicional, também, o respeito aos preceitos éticos, em matéria de trabalho prisional. Seria, portanto,

intolerável enriquecer sobre a base do quantum de castigo que seja capaz de infringir a um

condenado.

No Brasil, a execução penal sempre pretendeu ser uma atividade jurisdicional. Atualmente, com a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210 de 11/07/84), o caráter jurisdicional e processual da execução ficou perfeitamente marcado. (BECCARIA, 2005). O princípio da jurisdição única atribui ao Estado o monopólio da imposição e da execução de penas ou outras sanções. Inconcebível seria que o Estado executasse a tutela jurisdicional, representado por autoridade que não se reveste de poderes suficientes para tanto.

Argumento contra a privatização é que o Estado não está legitimado para transferir a uma pessoa física ou jurídica o poder de coação de que está investido e que é exclusivamente seu. A violação de indelegabilidade da atividade jurisdicional importaria em inconstitucionalidade. (BOSCHI, 2006). Privatizar prisões significaria consagrar um modelo penitenciário que a ciência criminológica revelou fracassado e, além disso, considerado violador dos direitos fundamentais do homem. O objetivo teórico da administração penitenciária é combater a criminalidade, e não, obter lucros; ora, as empresas que desejam participar da administração penitenciária visam obter lucro e retirá-lo da própria existência da criminalidade; logo, outro argumento contra a privatização é que tais empresas não iriam lutar

contra a criminalidade e, se não têm tal interesse, não devem administrar prisões.

Uma das principais alegações dos doutrinadores contrários à proposta de privatização do sistema prisional é a alegação de inconstitucionalidade de tal medida uma vez que o poder de império é do Estado e esta função jamais poderá ser delegada a um particular. Nesse sentido, pode-se verificar que a PPP não é a privatização total, ou seja, não será entregue todo o poder do Estado ao particular, mas, sim, alguns serviços, portanto, a execução da pena privativa de liberdade será sempre prerrogativa estatal. O que será delegado ao particular é a maneira de executar a pena, limitando-se o particular a serviços de hotelaria e não interferindo diretamente na individualização da pena.

Não se tem a menor dúvida de que a PPP, também em presídios, tem lastro jurídico adequado. Não se está a propor, pura e simplesmente, a privatização de presídios, nem a retirada do Estado desse vital setor. Ao contrário, quer-se reforçar a presença do Estado com novas parcerias, dentro de um ambiente de cooperação, comprometimento com metas e resultados. Quer-se agregar à legalidade o princípio da eficiência administrativa, ambos

inscritos expressamente no art.37, caput, da Magna Carta. É o que autoriza e visa tornar

realidade o projeto de PPP, uma das principais iniciativas do Ministério do Planejamento. (BECCARIA, 2005).

No caso dos presídios, trata-se de concessão administrativa, tendo em vista que ocorrerá repasse financeiro do Estado, porém, sem cobrança de tarifa do usuário do serviço, no caso, o prisioneiro. É verdade que, numa visão mais limitadora, o preso não seria propriamente um usuário, porquanto não lhe é dada essa opção de usar ou não usar o sistema. Ele seria, sem embargo, não apenas um usuário forçado, compelido, mas um beneficiário dos serviços públicos internos e um destinatário de outros serviços públicos, como os de vigilância, segurança e monitoramento.

Ademais, sendo portador de direitos fundamentais perante o Estado, o preso resulta posicionado como usuário, eis que lhe assiste razão ao reivindicar determinados padrões de qualidade, segurança, higiene e saúde. De sorte que não parece inviável considerar o presidiário como genuíno usuário do sistema, ainda que tal terminologia possa parecer, num olhar preliminar, inadequada.

Grande parte daqueles que rechaçam a proposta da terceirização ou de PPP dos presídios brasileiros tem como ponta de lança de argumentação o fato de ser monopólio do poder público o controle da execução penal. Tal questão é pacífica, ninguém a discute. Ao poder público, consubstanciado tanto no Executivo quanto no Judiciário, compete a gestão do

sistema, com prerrogativas indisponíveis.

Entretanto, toda a sociedade pode vir a colaborar para a melhoria da execução da pena, entendimento este, aliás, respaldado pelo artigo 4º da Lei de Execução Penal. E a administração dos presídios, não importa se no sistema misto ou essencialmente público, deverá ser supervisionado pelo Departamento Penitenciário Nacional, o qual, aliás, já possui tal atribuição, segundo o art. 72, inciso II, da Lei de Execução Penal. (BARATTA, 1999).

Assim, casos de má administração em presídios terceirizados, que firam o interesse público, farão com que os contratos eventualmente estabelecidos entre o poder público e as empresas privadas possam ser imediatamente rescindidos, vez que tal opção se configura como direito da administração pública, uma das cláusulas exorbitantes, por meio de ato fundamentado e observado o devido processo legal.

Em suma: se for irregular a administração dos presídios sob os cuidados de entes privados, o poder público terá todo um rol de prerrogativas para fazer com que o interesse público se sobreponha aos interesses dos particulares. Sempre deve-se buscar a autosustentabilidade das unidades prisionais, com o objetivo de alocar, cada vez menos, recursos estatais para o funcionamento do estabelecimento prisional. O trabalho do sentenciado, incluindo remuneração e período de descanso, dentre outros fatores, deve ser definido e regulado em conformidade com a Lei de Execuções Penais. (BOBBIO, 1995).

Outrossim, a doutrina apresenta pensamentos contrários à tese da privatização, sob o argumento da exploração do trabalho do preso pela empresa privada, caracterizando trabalho forçado, e de obter lucro na exploração do sofrimento do homem encarcerado, além do possível apego ao lucro excessivo.

Ocorre que o ócio absoluto, e isso é comprovado na experiência histórica dos presídios, animaliza os indivíduos, bloqueando a construção e a manutenção de ambientes humanos. O trabalho indigno ou superexplorado, da mesma forma, desumaniza. Restam, daí, as cogitadas benesses da laborterapia, por meio da qual a relação indivíduo-ambiente parece ganhar maior equilíbrio.

Parece, aqui, necessário dar breve notícia sobre a evolução histórica do trabalho carcerário, associado às mudanças que acometeram o próprio sistema penal ao longo dos séculos. Chegando-se, enfim, aos modelos prisionais que vigoram na atualidade, mais sólida será compreensão de qual é o papel que o trabalho desempenha nos presídios de nosso tempo.