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3.2 A AVALIAÇÃO COMO MECANISMO DE GESTÃO PÚBLICA

3.2.3 Formatos avaliativos em territórios distintos: Colômbia e Chile

Superada a fase inicial de avaliação de políticas públicas, capitaneada pelos EUA, o desenvolvimento da avaliação assumiu nuances diferenciadas nos territórios globais, a reboque, também, do movimento de Reforma do Estado, desencadeando mudanças no sistema político administrativo e na modernização das organizações.

Desse modo, o desenvolvimento recente do processo avaliativo apresenta formatos singulares, de acordo com as contingências políticas vivenciadas e as prioridades estratégicas estabelecidas pelos governos de vários países (Quadro 8).

Em um primeiro momento, no período 1960-1970, a avaliação esteve ligada ao planejamento e programação de países europeus, dentre os quais Suécia e Alemanha, assumindo a função de informação. Nesse período, a Grécia criou órgãos de pesquisa e outras agências governamentais, tendo a avaliação como atividade principal.

Na década de 1980, as avaliações passaram a preocupar-se com as questões de resultados e distribuição de recursos orçamentários, i.e., com a natureza alocativa dos recursos, em países como Inglaterra, Países Baixos, Noruega e Suécia. Não havia preocupação explícita com o impacto das ações governamentais e a avaliação tornou-se preocupação também do Poder Legislativo ou do Parlamento.

Nesse período, destaca-se a reforma administrativa inglesa, com a substituição da administração burocrática pela “gerencial”, atuando em três dimensões: (a) na redução do poder do serviço público; (b) na introdução de práticas gerenciais no setor público; e (c) nas restrições de escolha dos cidadãos quanto à entrega de serviços públicos.

A Grécia procedeu à sistematização das atividades avaliativas ligando-as ao processo orçamentário e realizou avaliações independentes, visando à tomada de decisão. Estabeleceu a obrigatoriedade dos órgãos públicos apresentarem Relatório Anual com a demonstração dos resultados e revisões periódicas a cada três anos (ajuste da política), podendo realizar avaliações aprofundadas mediante a solicitação dos ministérios.

Quadro 8 - Avaliação: Fases nos espaços territoriais

Fase/Período Local Função

1ª. Fase

1960 e 1970 Alemanha e Suécia (1) EUA (2)

- Planejamento e programação.

-Informação: uso instrumental da avaliação para melhoria de políticas e programas (feedback).

2ª. Fase 1980 Reino Unido, Países Baixos, Noruega e Suécia Nova Zelândia. Austrália EUA

- Busca de resultado e distribuição de recursos orçamentários (gerencial).

- Avaliação integrada à gestão e ao planejamento das organizações e programas; os gerentes dos programas realizam as avaliações. - Alocação racional dos recursos; perda do interesse pela avaliação.

3ª. Fase A partir da década de 1990 América Latina EUA Europa - Suécia

- Apoio à Reforma do Estado.

- Implantar sistemas de tecnologias de informação para melhorar a eficiência do governo.

- Sistemas de avaliação europeus foram influenciados pelas normas e práticas institucionalizadas da União Européia (áreas de desenvolvimento, pesquisa e política tecnológica e programas financiados por Fundos).

- Sistematização da avaliação e ações avaliativas vinculadas ao processo orçamentário.

- Países Baixos - Finlândia - Irlanda, Espanha, Alemanha Nova Zelândia

- Avaliações realizadas no nível ministerial

- Avaliação ad hoc, mas alguns setores fazem uso sistemático de procedimentos.

- Incentivo à avaliação de política pública.

- Avaliação para fins de aumento da transparência do governo. Fonte: FARIA (2005); CUNHA (2006); GUBA; LINCOLN (2011).

(1) Na Suécia, as primeiras avaliações foram realizadas na década de 1950 (CUNHA, 2006).

(2) Os EUA têm tradição em avaliar políticas e programas públicos nos três níveis de governo e o Congresso legisla sobre o tema.

Elaborado pela autora (2011)

Nos anos 1990, a avaliação espraiou-se para vários países, principalmente para a América Latina, assumindo diferentes nuances, dependendo do grau de centralização ou regionalização dos governos, mas sempre com a obrigação legal de informação do Executivo ao Legislativo. Nesse período destacam-se:

(a) Nos Países Baixos, as avaliações são realizadas no nível ministerial, sob responsabilidade do Ministério da Fazenda e diretorias orçamentárias, nos formatos externa, interna, ex-ante, nível intermediário e ex-post, cabendo ao Tribunal de Contas a responsabilidade de proceder ao exame da gestão (eficiência), a organização das avaliações e a divulgação dos resultados;

(b) A Finlândia iniciou com avaliações independentes e construiu, no período de 1995- 1997, programas de avaliação composto por 12 estudos, com a finalidade de fortalecer a cultura de avaliação e sistematizar as informações sobre as reformas do setor público;

(c) A Irlanda, Espanha e Alemanha, sob influência da União Européia, viabilizaram a integração entre orçamento e avaliação (demonstrativo financeiro e plano avaliativo); desenvolveram novos programas de avaliação ex-ante; renovaram as avaliações anteriores; realizaram seminários de treinamento e manuais normativos, estabelecendo o procedimento de que sem avaliação não há alocação de recursos financeiros. E, ainda, desenvolveram práticas institucionalizadas de avaliação em áreas como desenvolvimento, pesquisa, política tecnológica e programas financiados por fundos internacionais.

No caso específico da América Latina, no final da década de 1990, o Conselho Científico do CLAD identificou como um dos objetivos da reforma gerencial o controle sobre

os resultados da ação governamental55. Neste sentido, apontou que os países latino- americanos precisavam construir sólidos sistemas de avaliação de desempenho caso quisessem transformar as estruturas da administração pública (CLAD, 1998, p.17). E Bozzi (2000, p.4) identificou a necessidade de três processos de reforma na América Latina: a descentralização fiscal, política e administrativa; a democratização e as reformas eleitorais; e a modernização do Estado e sua administração pública.

A partir da década de 1990, observa-se uma preocupação nos países latino-americanos em implantar a gestão pública orientada para resultados, de caráter geral, e em desenvolver processos e sistemas tecnológicos de avaliação de desempenho das ações governamentais que, embora tenham resultado em formatos estratégicos e avaliativos diferenciados, mantiveram o objetivo comum de mensurar o cumprimento de metas de objetivos previamente estipulados. A seguir apresenta-se, resumidamente, duas dessas experiências desenvolvidas em países da América Latina:

(1) Colômbia: a partir da Reforma constitucional (1991), o governo colombiano criou, em 1993, o Departamento Nacional de Planejamento que, desde o princípio, priorizou a criação do Sistema Nacional de Avaliação de Resultados da Gestão56 (SINERGIA). Segundo Bozzi (2000), este sistema configurou-se como ferramenta gerencial e contribuiu para a modernização da gestão pública e para a tomada de decisões organizacionais, pautadas em critérios mais técnicos que políticos.

Em 1998, a concepção desse sistema de avaliação estava avançada, mas havia problemas quanto à sua operacionalidade que enfrentava um lento processo de implementação. O desenho do sistema teve por princípios: (a) o entendimento de que a avaliação da gestão era a melhor ferramenta para propiciar a troca da cultura burocrática para gerencial; (b) a avaliação como elemento estimulador da gestão por resultados; e (c) a avaliação como resposta aos preceitos da Constituição de 1991, contribuindo tanto para a modernização do Estado como para a democratização dos sistemas social, político e econômico (BOZZI, 2000).

O interessante desse sistema de avaliação é o princípio de interligação e interdependência entre os diferentes níveis de avaliação que, embora requeiram horizontes de

55

O documento “Una nueva gestión pública para America Latina” (1998) constitui um marco para o desenvolvimento e a compreensão da lógica da avaliação enquanto prática administrativa desejável da gestão pública (BOZZI, 2000, p.3).

56 Sistema Nacional de Evaluación de Resultados de la Gestion (SINERGIA), além de ser o nome do sistema de avaliação, constitui, também, uma expressão metafórica (BOZZI, 2000, p.8).

avaliação diferenciados, possibilitam a troca de informações e a comparação entre as diversas organizações, a saber (Quadro 9):

Quadro 9 - Colômbia: Níveis de avaliação diferenciados.

Níveis de avaliação Descrição

Macro (mais amplo) Avaliação do desempenho do governo como um conjunto de organizações comprometidas com a implementação de políticas públicas, desenhadas de forma democrática.

Macro (mais restrito) Avaliação do desempenho dos programas que englobam várias organizações.

Intermediário (Função gerencial do planejamento estratégico organizacional)

Avaliação do desempenho das organizações públicas que implementam políticas públicas.

Micro (Gestão de recursos humanos)

Avaliação de desempenho dos funcionários das organizações públicas.

Fonte: BOZZI (2000, p.9-10). Elaborado pela autora (2011).

Com base nesse formato avaliativo foram elaborados os Planos Indicativos57 das organizações que estipulavam as metas e objetivos, bem como produtos, impactos e indicadores de desempenho das ações organizacionais para um período de quatro anos. Estes Planos tinham como referência macro as políticas de desenvolvimento dispostas no Plano Nacional de Desenvolvimento58, formulado pelo Departamento Nacional de Planejamento (DNP), para o mesmo período, que utilizava as informações constantes nos Planos Indicativos para tomada de decisão e ajuste das políticas públicas (BOZZI, 2000).

Após a elaboração, os Planos Indicativos passavam por auto-avaliações anuais, com a expectativa de estimularem aprendizagens organizacionais. Os resultados dos processos avaliativos eram encaminhados aos respectivos Ministérios, que os remetiam ao DNP. Este Departamento, por sua vez, procedia a cinco ou seis avaliações ex-post em organizações e programas estrategicamente selecionados de modo que, o conjunto do processo avaliativo e as proposições de ajustes eram encaminhados ao Congresso Nacional que, após aprovação, convertia-se no documento orientador das ações de todas as organizações governamentais (BOZZI, 2000).

É importante ressaltar que, visando à implantação de uma cultura orientada para resultados, foram criados os Acordos de Eficiência59, compromissos formais entre os

57 O “Plan Indicativo” atua de modo similar ao Plano Plurianual brasileiro, sendo que são estabelecidas metas no âmbito da política nacional, e também de acordo com a missão organizacional.

58 “Plan Nacional de Desarrollo” (BOZZI, 2000, p.10). 59

Ministérios e o Presidente. Desse modo, a ênfase do processo avaliativo colombiano concentrava-se no aspecto macro (políticas e programas) em articulação com nível intermediário (organizações), e não contemplava o desempenho individual da gestão de recursos humanos. Na visão de Bozzi (2000, p.11, tradução nossa): "o sistema conta com certa coerência ‘vertical’ ao articular o problema do desempenho organizacional com o das políticas públicas, mas carece de certo grau importante de coerência ‘horizontal’ no sentido de que não está bem articulado com outras entidades encarregadas de regular a avaliação do desempenho individual".

Todavia, problemas relativos à governabilidade recente vivenciada por esse país impediram a consolidação desse modelo de avaliação.

(2) Chile: inicialmente, a preocupação com a avaliação surgiu como um esforço do executivo em modernizar a gestão pública60. Em 1994, este esforço foi assumido pelo Comitê Interministerial de Modernização da Gestão Pública (CIMPG) do Ministério da Secretaria Geral da Presidência (SEGPRES), com apoio técnico do Ministério da Fazenda, que já trabalhava com atividades de mensuração das ações governamentais (avaliação), inclusive no que se refere à formatação de sistemas de aferição de resultados (BOZZI, 2001).

Nesse caso, o governo chileno enfatizou a criação de um programa sistemático de modernização da gestão pública, “cujas múltiplas iniciativas incluíam acordos institucionais que requeriam um forte componente de avaliação de desempenho” que orientavam o processo decisório de duas organizações, uma de caráter mais político e outra de orientação mais técnica (BOZZI, 2000, p.5, tradução nossa).

Diferentemente do formato colombiano, o processo de avaliação chileno iniciou com os níveis micro e intermediário, i.e., com a avaliação individual e organizacional, no formato de baixo para cima, e em um contexto de aplicação da metodologia de planejamento estratégico ao setor público (BOZZI, 2000).

Nesse sentido, a aferição dos compromissos dispostos nos Programas de Melhoramento da Gestão (PMG)61, assumidos pelas organizações para ampliar, quantitativa e qualitativamente, os serviços públicos ofertados, ocorriam por meio de um sistema de mensuração negociado junto à associação de funcionários públicos, articulando o desempenho

60

Os governos da “Concertación” enfatizaram a mensuração do impacto das ações governamentais na sociedade (BOZZI, 2000, p.9).

61 Antes dos “Programas de Mejoramiento de la Gestión” (PMG), o governo chileno implementou os “Convenios de Desempeño”, acordos voluntários com as agências, e os “Compromisos de Modernización”, acordos estabelecidos entre as entidades públicas e o Presidente (BOZZI, 2000).

individual com o desempenho organizacional. Esse processo culminou com a promulgação de uma lei que estabeleceu incentivos aos funcionários que alcançassem os objetivos e metas estipulados nos PMGs62 (BOZZI, 2000).

Assim, similar à Colômbia, em 1998, o Chile dispunha de um sistema operacional nacional em fase inicial de concepção, pautado em quatro dimensões da gestão: (a) econômica (custo/benefício); (b) eficiência (custos dos produtos); (c) eficácia (cumprimento dos objetivos); e (d) qualidade dos produtos e serviços ofertados (usuários). Para cada dimensão foram estabelecidos indicadores de mensuração do desempenho, com a finalidade explícita de aferir em que medida os recursos dos processos, produtos/serviços e impactos, assim como as estratégias, cumpriram com os objetivos inicialmente propostos.