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Uma das formas de observar os limites e possibilidades da avaliação de políticas públicas reside na distinção sistema/meio no âmbito do sistema político. Para tanto faço as seguintes considerações:

1. Ambos os instrumentos, a constituição Federal (1988), que estabelece novos parâmetros ao planejamento nacional, e o PDRE (1995), influenciado pelo movimento mundial de reforma do Estado apoiado no managerealism, conferiram centralidade à avaliação de políticas públicas sob a alegação da necessidade de modernizar o sistema político administrativo, a fim de mensurar o desempenho e garantir a transparência das ações governamentais, como forma de promover a auto-organização do sistema político.

2. A constituição Federal é a síntese das decisões coletivas do sistema político e extrapola as fronteiras deste sistema, regulamentado tanto os direitos individuais e coletivos quanto os sistemas sociais. O PDRE, por sua vez, propôs nova organicidade ao sistema político administrativo separando as funções de (a) caráter exclusivo do Estado, (b) de serviços não exclusivos do Estado, (c) funções descentralizadas e (d) produção de bens e serviços ao mercado; reduzindo a centralidade do sistema político diante dos outros sistemas funcionais, em especial do sistema economia.

62 No Brasil, o Estado de Minas Gerais estabeleceu incentivos financeiros ao desempenho individual e organizacional dos funcionários públicos. Sobre este tema, ver SILVA, J. et al. Avaliação de Desempenho Individual.

3. As constituições estaduais repetiram os parâmetros relativos ao planejamento, dispostos na constituição federal; e o PDRE influenciou a auto-organização do sistema político-administrativo de vários estados dentre os quais o Pará, no que se refere privatização, desestatização, descentralização e flexibilização, sob a denominação de “modernização administrativa”.

4. Quanto ao termo “política pública”, este engloba dois tipos de política: (a) as econômicas, de caráter cambial, fiscal e monetário; e (b) as sociais, relativas à saúde, educação, transporte, assistência social etc. As políticas econômicas têm mecanismos próprios e consolidados de avaliação, construídos ao longo do período de dominação do modelo de planejamento apoiado em princípios econômicos; enquanto que as políticas sociais, embora apresentem relativo consenso com relação aos conceitos e instrumentos necessários para avaliar uma política pública, ainda é um tema em construção quanto aos elementos e variáveis utilizados no processo avaliativo, sendo crescente o interesse do sistema ciência e do sistema político administrativo com relação a este assunto.

Nesse sentido, os programas avaliados analiticamente no âmbito dos planos plurianuais 2004-2007 e 2008-2011 englobam temáticas de caráter estritamente social, como

Atenção de Média e Alta Complexidade, Bolsa Trabalho, Nossa Casa, Educação Pública de Qualidade para Todos etc., mas também, programas de infraestrutura econômica e social

como Caminhos para o Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação para o

Desenvolvimento etc. e programas de estímulo à produção, caso do Programa de Modernização da Agricultura Familiar. Nenhum dos programas refere-se a políticas

econômicas propriamente ditas.

5. A avaliação de políticas públicas, em geral, é entendida como a fase final do ciclo de planejamento, apartada das fases de formulação e implementação. Todavia, entende-se que a avaliação é passível de integrar todas as fases do planejamento, assim como as demais fases do planejamento integram a avaliação, pois para proceder-se a um processo avaliativo é necessário antes formulá-lo e depois executá-lo, realizando o devido monitoramento de sua execução e, por fim, avaliá-lo (meta-avaliação). Não existe uma linearidade no processo de planejamento ou uma relação causa-efeito, mas sim uma circularidade entre seus componentes, de modo que cada um dos eventos comunicativos do planejamento (poder/não poder) carrega dentro de si todos os outros eventos.

Nesse sentido, a avaliação, uma das expressões comunicativas do planejamento, distingue-se dos eventos de formulação e monitoramento da execução por estar condicionada: (a) pelo objeto da avaliação (observado); (b) pelo avaliador (observador); (c) pela infraestrutura da observação (base de dados/comunicação); (c) pela informação; e (d) pela especificidade do código binário utilizado no âmbito dos sistemas sociais funcionais. No caso do sistema político, pelo código poder/não poder.

6. Se a avaliação é passível de integrar todos os eventos do planejamento, e se o entendimento predominante é que avaliar implica em julgar ou emitir um juízo de valor (sucesso ou fracasso) sobre dado programa ou política pública, a partir da comparação com determinado parâmetro considerado adequado, com o objetivo de apreender se as metas foram alcançadas (eficiência), a que custos (eficácia) e quais os processos ou efeitos foram gerados (efetividade), a formulação e o monitoramento também envolvem a emissão de um juízo de valor. Ou seja, o que faz com que determinado problema seja selecionado e integre a Agenda da Organização é um juízo de valor relacionado à importância dada pelo sistema político ou pelo sistema político administrativo diante das pressões ou não imputadas pelos sistemas sociais ao tema. O que faz com que uma atividade seja destacada para efeito de monitoramento da execução em detrimento de outra atividade é também um juízo de valor, uma vez que, em geral, não existe padronização no monitoramento das atividades. Neste sentido, o juízo de valor está presente nos eventos de formulação e monitoramento da execução, não sendo exclusivo da avaliação.

7. A avaliação de políticas públicas, grosso modo, está imersa em dois tipos de comunicação: (a) a material propriamente dita, que envolve a informação relativa à ação ou não-ação (ausência) das organizações governamentais, expressa pela linguagem técnica repleta de codificações vigente entre os planejadores. Esta linguagem é realizada de forma presencial ou virtual (sistemas tecnológicos de informação, intranet e internet), e caracteriza a forma social que Luhmann denomina de interação63; e (b) o processo comunicativo bem mais abrangente expresso não pela linguagem comum, mas sim por códigos binários (sim/ não) que realizam a comunicação no âmbito dos sistemas sociais funcionais e que no sistema político- administrativo revelam e encobrem relações de poder entre organizações. Sob este enfoque, a

63 O conceito de interação de Luhmann limita-se ao aspecto presencial, entretanto, devido às mudanças tecnológicas recentes que permitem, inclusive, a visualização do interlocutor durante o processo de comunicação da linguagem, penso que este conceito deve ser expandido também para o aspecto virtual que envolve esta modalidade de comunicação.

comunicação material é resultante deste processo comunicativo mais abrangente e a avaliação é, primordialmente, um evento comunicativo.

8. No que se refere à comunicação material, o ato de avaliar e a avaliação só são possíveis mediante a transformação de dado em informação, e desta em “comunicação material”, processada em determinado sistema (tecnológico ou não). Neste caso, sem informação não se inicia o processo avaliativo e não se emite um juízo de valor (enunciado).

Nesse sentido, a diversidade de métodos e técnicas avaliativas existentes representa uma “babel” de alternativas com as seguintes características: (a) incorporação de práticas de gestão originárias da iniciativa privada e adaptadas às organizações e setores públicos; (b) internalização pelas organizações públicas de racionalidades conflituosas: mercado versus social, possivelmente guiadas por práticas clientelistas; (c) incorporação da variável “política”, a exemplo do Planejamento Estratégico Situacional (PES) (falsa dicotomia entre técnica/política); (d) variedade de critérios (tipologias) que abordam a avaliação a partir de diferentes pontos de observação; e (e) metodologias diferenciadas conforme o sistema social funcional (educação, saúde etc.).

No caso específico do planejamento paraense, o sistema político administrativo exercita a redução da complexidade do seu ambiente com a implantação de sistemas tecnológicos de informação e comunicação (TIC) que geram novas complexidades, no âmbito das atividades de formulação dos planos plurianuais e orçamentos anuais, monitoramento da execução orçamentária e avaliação dos programas que integram os planos plurianuais.

9. Mas, ainda que a abordagem seja técnica (tanto na formulação quanto no monitoramento da execução e na avaliação), não existe a possibilidade de realizar-se uma avaliação de modo puramente instrumental ou neutra quando o resultado esperado é a emissão de um juízo de valor. Para tanto, é necessário estabelecer critérios de avaliação que permitam dizer por que uma política ou programa é preferível a(o) outra(o) e, nesse caso, é inevitável o enfrentamento de aspectos de caráter político-decisório, ou seja, de relações de poder e não poder, definidas por Luhmann como “comunicação”.

10. No que se refere às pessoas (sistemas psíquicos) que viabilizam a comunicação: (a) nem sempre os tomadores de decisão nas organizações (cargos) ou os implementadores conhecem de fato o programa; (b) quando conhecem o programa, podem discordar das prioridades e estabelecer as suas próprias prioridades; e (c) e quando conhecem e concordam

com o programa podem não dispor de condições institucionais e organizacionais favoráveis para realizar os objetivos previstos.

11. Quanto às abordagens metodológicas apresentadas neste capítulo, os detentores de cargos, no âmbito da SEPOF, ao longo do período pesquisado, demonstraram pouco conhecimento sobre essas ou outras distintas tipologias de avaliação.

12. A sistematização ou consolidação da avaliação nas organizações públicas esbarra no estabelecimento de critérios de ordem prática relativos: (a) à concepção do modelo de gestão governamental, com maior ou menor relação com o ambiente social; (b) à concepção da avaliação propriamente dita, se “gerencial”, focada na eficiência, eficácia e efetividade dos programas do sistema político administrativo, ou “não-gerencial”, com ênfase nas relações intersistêmicas entre os sistemas sociais.

Quanto a esse ponto, embora concorde-se que o modelo de gestão adotado é capaz de influenciar a concepção e a realização da avaliação, observa-se que avaliação gerencial versus a avaliação não-gerencial apresenta-se como falsa dicotomia, uma vez que a busca por eficiência, eficácia e efetividade na execução de programas públicos não inviabiliza as relações políticas entre os sistemas sociais, e vice-versa.

O ato de avaliar e o resultado gerado, a avaliação, são fotografias das relações de poder e não poder que se processam entre os sistemas sociais e as organizações e que compõem o planejamento, de onde se pressupõe que a avaliação é um dos possíveis mecanismos de auto-organização do sistema político administrativo. Mas, interessa ao sistema político a sua auto-organização segundo o mecanismo da avaliação?

A Constituição (1988) e o Plano Diretor de Reforma do Estado (1995) estimularam o desenvolvimento de instrumentos gerenciais de controle social de cunho eminentemente tecnicista e indiscutivelmente necessários para acompanhar e mensurar o desempenho quantitativo e qualitativo de políticas e programas, a exemplo de tecnologias de informação e comunicação (TIC) como governo eletrônico etc., mas, ao pretender deslocar o controle dos processos: (a) reforçou, de um lado, a neutralidade burocrática dos processos operacionais que, aliada ao universalismo de procedimentos, exclui a política de suas ações, visando à “boa” aferição dos resultados e do desempenho governamental; e (b) de outro, quanto ao controle do desempenho das ações governamentais, buscou incorporar o caráter político na

avaliação ao estimular a formação de policy makers64 enquanto gerentes de programas, no âmbito do novo modelo de planejamento.

64

Policy makers referem-se aos tomadores de decisão das políticas públicas. H. Simon criou o conceito de racionalidade limitada dos policy markers “por problemas como informação incompleta ou imperfeita, tempo para tomada de decisões, autointeresse dos decisores etc., podendo ser minimizada pelo conhecimento racional e maximizada pela criação de estruturas que modelem o comportamento dos atores e os resultados desejados” (SOUZA, 2007, p.67).

4 PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL, GESTÃO E TECNOLOGIA NO