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2.2 A TEORIA DE SISTEMAS SOCIAIS DE NIKLAS LUHMANN

2.2.3 Sistemas, Comunicação e Sentido

Luhmann distingue quatro tipos de sistemas (LUHMANN, 2010a, p.104):

(a) sistemas não vivos (máquinas): obedecem a comandos e funções previamente estabelecidos e não são capazes de se autorreproduzirem a partir dos elementos internos do sistema (por exemplo: uma máquina de lavar roupa quando apresenta defeito precisa de assistência técnica para voltar a funcionar e realizar a função para a qual foi criada - lavar roupa);

(b) sistemas vivos (biológicos ou orgânicos): correspondem a todos os seres vivos (homem, animais, plantas etc.) cujas operações básicas dependem do funcionamento fisiológico de órgãos, tecidos, células etc.; essas operações lutam para garantir o funcionamento dos sistemas mesmo em situações críticas, por meio da auto-organização sistêmica.

(c) sistemas psíquicos: são formados pela consciência e têm como elementos internos de funcionamento os pensamentos; a consciência se expressa por meio de pensamentos que geram novos pensamentos e seguem reproduzindo-se (os pensamentos reproduzem-se pelos próprios pensamentos); e

(d) sistemas sociais: são sistemas dotados de sentido, auto-organização e função que operam por meio de processos comunicativos específicos, realizados a partir de seleções que geram novas possibilidades de comunicação. A comunicação existe apenas no âmbito do sistema social e expressa a diferença da diferença resultante da evolução funcional da sociedade; e ainda, é a responsável por manter a identidade do sistema social e reproduzir a sua unidade. Em síntese: comunicação gera comunicação.

Luhmann estabelece uma clara distinção entre os diferentes tipos de sistemas por ele identificados de tal forma que o homem como “matéria” (corpo físico) integra os sistemas vivos (biológicos e orgânicos) e como “consciência” (pensamento) os sistemas psíquicos; e os sistemas sociais, por sua vez, identificados como funcionais e autopoiéticos, são expressões de comunicações viabilizadas por códigos binários específicos a cada sistema social. Neste sentido, os processos comunicativos são unidades elementares da sociedade (Figura 1).

Figura 1 - Teoria de Sistemas Sociais de Niklas Luhmann

Sistemas Autopoiéticos Operações dos sistemas Formas Sociais Sistemas não vivos (máquinas) Sistemas vivos (biológicos ou orgânicos) Sistemas Sociais Sistemas Psíquicos Sistemas

Interação Organização Sociedade

Comunicação Pensamento Fisiológico Sistemas sociais funcionais (direito, economia, arte, religião etc.) Sistema social especial Baixo grau de complexidade

Fonte: LUHMANN, 2010a; MATHIS, 1998, p.4. Elaborado pela autora (2011).

Luhmann afastou-se da visão de sociedade formada por sujeitos (ação) que compartilham um entendimento comum e da existência de um mundo objetivo. No lugar deste entendimento, defende a temporalidade, a recursividade, a autopoiesis e a diferenciação funcional, e introduziu três premissas em sua análise (BECHMANN; STEHR, 2001):

(a) O sistema social não é formado por sistemas vivos nem por sistemas psíquicos (pessoa), estes sistemas pertencem ao ambiente social;

(b) Os sistemas sociais são autopoiéticos e operam por meio de eventos comunicativos; e

c) A sociedade é entendida como sociedade mundial que contém todos os sistemas sociais e representa a unidade sistema-meio.

Quanto a essas premissas de análise.

(a) O sistema social não é formado por sistemas vivos nem por sistemas psíquicos (pessoas), estes sistemas pertencem ao ambiente social.

Este é ponto mais polêmico da teoria de sistemas sociais, pois a definição de Luhmann para sistemas psíquicos diverge dos conceitos tradicionais de indivíduo e de sujeito. Na teoria de sistemas sociais as pessoas são os endereços dos eventos comunicativos e não fazem parte dos sistemas sociais, mas sim de seus ambientes. Luhmann retirou do homem a centralidade social.

Mas, é evidente que não existem sistemas sociais sem o homem, pois este é a condição de possibilidade da comunicação desses sistemas; isto quer dizer que, embora os sistemas sociais e os sistemas psíquicos possuam autonomia e sejam independentes entre si, os

Códigos binários de comunicação: poder/ não poder;

dinheiro/não dinheiro etc. Exigência de pré- requisitos para participar; regras de entrada e de saída; e sistemas psíquicos acoplados Presença corporal dos participantes; linguagem comum (presencial ou virtual).

sistemas sociais necessitam dos sistemas psíquicos (consciência) para realizarem a comunicação (Figura 1).

Essa situação de dependência dos sistemas sociais em relação aos sistemas psíquicos foi transformada por Luhmann (2010a) em uma categoria de análise denominada de

acoplamento estrutural. O acoplamento é a relação que ocorre entre dois sistemas

autopoiéticos em que ambos, ou apenas um deles, necessita da presença do outro para seu funcionamento. Por exemplo: as organizações. Qualquer empresa pública ou privada necessita do homem para implantar suas ações, atos e decisões. Neste sentido, o sistema social “organização” opera em situação de acoplamento estrutural com os sistemas psíquicos que o integram22.

Por esta razão, Lumann (2010) recebeu críticas severas e foi considerado “anti- humanista”, no sentido de “contrário ao homem”. Contudo, Neves (2009) defende que Luhman assumiu um anti-humanismo metodológico apenas, ao argumentar que o homem é um problema para a sociedade e a sociedade é um problema para o homem, diante da autonomia psíquica e biológica do ser humano e da autonomia autopoiética dos sistemas sociais23.

Nesse sentido, enquanto os sistemas não vivos (máquinas) não possuem autonomia autopoiética, porque não são capazes de realizar a sua autorreprodução ou auto-organização sistêmica a partir de seus próprios elementos, os sistemas vivos, psíquicos e sociais são produzidos e reproduzidos a partir desta propriedade.

(b) Os sistemas sociais são autopoiéticos e operam por meio de eventos comunicativos

O termo autopoiesis, originário da biologia, refere-se à produção e reprodução do sistema a partir de relações recursivas com seus próprios elementos; significa autorreprodução ou auto-organização e implica na produção e reprodução dos limites e da estrutura do sistema de forma autorreferenciada (ASSCHE; VERSCHRAEGEN, 2008, p.266).

22 Este ponto será retomado no item específico da Organização como sistema social.

23 Para Bechmann e Stehr (2001, p.192), o processo de banimento do homem para o ambiente da sociedade, perpretado por Luhmann, completou a “descentralização da cosmologia humanista”, da qual participaram Darwin, com a Teoria da Evolução, e Freud, com a perda de autonomia e controle do homem. Este banimento evidencia que a sociedade não tem um caráter de sujeito, não é o endereço para apelos da ação humana e nem o lugar para reinvindicar igualdade e justiça em nome de um sujeito autônomo.

Luhmann (2010a) incorporou esse conceito na teoria de sistemas sociais nas décadas de 1980, quando entrou em contato com a teoria da cognição formulada por Maturana e Varela. Esta iniciativa apoiou-se na postura interdisciplinar de Luhmann e na sua expectativa de construção de uma teoria social abrangente, pois, a seu ver, a sociologia encontrava-se em estado de estagnação.

Luhmann (2010) assimilou e ampliou a abrangência da autopoiesis para (a) sistemas psíquicos (consciência), cuja operação de funcionamento refere-se aos pensamentos; e (b) sistemas sociais, cuja operação básica é a comunicação (Figura 1). Nestes sistemas, as operações produzem e reproduzem novos elementos a partir das operações anteriores que ocorrem no interior dos sistemas e estas são condições para as operações futuras; ou seja, pensamentos produzem pensamentos e comunicação gera comunicação.

Ao adaptar a organização autopoiética dos seres vivos ao desenvolvimento dos sistemas sociais, Luhmann tornou estes sistemas autorreferenciais, porque a produção e reprodução do sistema social ocorre no nível dos elementos do próprio sistema, sem interferência de elementos externos. Desse modo os sistemas sociais operam em estado de

fechamento operacional ou clausura operativa que é também a base para a abertura dos

sistemas.

Mathis (1998, p.6) esclarece que “um sistema autônomo é independente do seu meio no que diz respeito à estrutura básica da sua orientação interna e à forma de processar complexidade, mas dependente do seu meio no que diz respeito a dados e constelações que servem como base de informação para o sistema”.

Quanto ao fechamento operacional, este mecanismo garante a reprodução interna dos elementos do sistema sem a influência de elementos externos, oriundos do ambiente, ao mesmo tempo em que propicia a produção interna de sentido e mantém aberta a possibilidade de criação de novos elementos no sistema. Desse modo, garante a autonomia operacional do sistema e assegura que as operações sistêmicas aconteçam de forma recursiva, resultado das operações internas do próprio sistema.

As relações entre os elementos do sistema garantem a reprodução não apenas das estruturas (tradição funcionalista), mas também a reprodução de antigos e novos elementos, em uma rede de interação circular e recursiva, de modo que as construções operacionais do sistema lhe possibilitam desenvolver a independência com relação ao ambiente, característica

dos sistemas autopoiéticos, e alto nível de complexidade interna (MATURANA, 2000; MATHIS, 2005; NEVES, 2005).

O fechamento operacional é o responsável pelo estabelecimento e manutenção da diferença sistema-meio que conduz às questões (a) da complexidade: o ambiente é sempre mais complexo que o sistema e cada sistema tem seu próprio meio; e a inferioridade da complexidade do sistema é contrabalançada por estratégias de seleção no âmbito do próprio sistema; e (b) da diferenciação funcional dos sistemas sociais.

O conceito de comunicação de Luhmann difere radicalmente da teoria tradicional que, em linhas gerais, divide o processo comunicativo em três elementos autônomos: Emissão (emissor), Mensagem e Recepção (receptor ou destinatário) e apóia-se na transferência da informação do emissor para o destinatário, sem investigar a possibilidade da existência da comunicação em si.

A comunicação a que Luhmann se refere (a) não é a transferência de uma representação mental de um emissor para um destinatário ou receptor e (b) não existe fora dos sistemas sociais. Neste sentido, (a) os pensamentos são externos à comunicação e (b) os sistemas sociais não são baseados em ação ou atores, mas sim em comunicação.

Nesse sentido, a comunicação é um processo formado por três seleções indissociáveis, mas distintas: (a) informação; (b) enunciado, participação ou expressão comunicativa da informação; e (c) compreensão. A comunicação se completa quando todos os três elementos estão reunidos (Figura 2).

Figura 2 – Sistemas Sociais: comunicação como operação de funcionamento

Fonte: Elaborado pela autora (2011).

A informação é uma seleção dentre várias possibilidades (estímulos) existentes na memória partilhada, de modo que tudo o que tem sentido para o sistema – a partir dos elementos internos e da organização do sistema - é passível de ser selecionado e transformado em informação; constitui a matéria-prima ou a novidade do processo comunicativo e, portanto, do funcionamento do sistema.

O enunciado ou a participação é a expressão comunicativa ou o meio comunicativo selecionado (linguagem oral ou escrita, jornal, televisão, sistemas de informação e comunicação etc.) para comunicar a informação, uma vez que esta pode ser comunicada de formas distintas; o enunciado constitui o momento intermediário do processo comunicativo e ocorre de forma intencional ou não.

A compreensão nada mais é do que a diferença entre a informação e o enunciado. A partir do repertório (autorreferência) disponível no sistema, este atribui um sentido à diferença, gerando um novo elemento que é incorporado ao próprio repertório do sistema.

Este novo elemento (compreensão) é o pressuposto para a formação de outros elementos, todavia: (a) as informações externas não se configuram como elementos operacionais do sistema, são apenas alternativas para descoberta de novos sentidos e possibilidades de seleção no interior do sistema; (b) os elementos selecionados (informação/compreensão) apresentam-se de modo contingente na comunicação e nunca isoladamente; e (c) não existe relação de hierarquia e causalidade entre os elementos responsáveis pelas operações internas do sistema.

A seleção da informação (que é sempre uma novidade) pela compreensão torna-a passível de integrar a autopoiesis do sistema: (a) reestruturando ou desestruturando a auto- organização sistêmica, via realização de operações internas; (b) fortalecendo ou não a

(novidade) (meio comunicativo) (realiza a comunicação)

Condicionantes: código binário/acoplamento estrutural/dupla contingência

identidade e a estabilidade do sistema em relação ao ambiente (diferenciação); e (c) elevando a complexidade do sistema por meio de sua divisão, formando subsistemas.

O processo seletivo da compreensão é o ponto fundamental de distinção com relação à comunicação tradicional, pois: (a) a comunicação ocorre quando os três elementos estão presentes; (b) o destinatário é quem determina se a comunicação realiza-se ou não, pois somente o entendimento da informação decide sobre o sucesso da comunicação, com a ressalva de que entendimento não implica em aceitação ou rejeição, estes constituem novos processos comunicativos; (c) o destinatário não será mais o mesmo depois da comunicação realizada. Em síntese: a não realização da compreensão inviabiliza o processo comunicativo.

A comunicação, que é síntese dessas três diferentes seleções, reduz o caos comunicacional generalizado do ambiente que o envolve e mantém um espaço de tranquilidade para a produção comunicativa e a evolução (mudança) do sistema.

Para Stockinger (2003, p.12), a comunicação é mais parecida com a Torre de Babel do que com uma linha de transmissão, uma vez que nasce do desequilíbrio entre Alter e Ego, entre mim e você: “nós nos comunicamos porque há necessidade de fazê-lo, porque estamos expostos a ‘ambientes desequilibrados’ e a um futuro incerto a cada momento”.

Duas ressalvas: (a) conforme mencionado anteriormente, a compreensão não implica em aceitação ou rejeição da informação comunicada, estas configuram-se como outros (novos) processos comunicativos; e (b) o processo comunicativo não se resume a uma liguagem, entendida como um conjunto de combinações de regras, sons e imagens.

Cada um dos eventos comunicativos processados pelos códigos binários dos sistemas sociais reproduz as fronteiras sistema-meio e gera uma rede de futuras operações na qual são produzidos os limites do sistema; o que equivale dizer que (a) a fronteira do sistema é operacional; (b) a fronteira estabelece a distinção dentro-fora do sistema; e (c) os sistemas não são capazes de transcender suas próprias fronteiras (BECHMANN; STEHR, 2001; LUHMANN, 2006b).

Para Luhmann (2010, p.294): “[...] a comunicação é uma sucessão de efeitos multiplicadores: primeiramente, um a tem, e depois, dois, e logo ela pode ser estendida a milhões, dependendo da rede comunicacional na qual se pense, como por exemplo, a televisão”. Por esta razão, não existe garantia de sucesso comunicativo e para que a compreensão aconteça é necessário que a informação esteja presente no quadro referencial do destinatário (repertório do sistema) enquanto sentido, pois só assim é passível de realizar-se;

antes de participada (compreendida/rejeitada) não passa de um ruído, o qual pode ou não ser convertido em comunicação (LUHMANN, 2006a; 2006b; 2010; SOARES, 2006).

A contigência do mundo é uma categoria presente no processo comunicativo e constitui estímulo importante para o fechamento operacional do sistema. Vale lembrar que o fechamento operacional reduz a complexidade do mundo desorganizado e a própria contigência do sistema, por meio da criação de operações e elementos que passam a integrar o repertório e a autorreferência do sistema.

A dupla contigência ocorre no âmbito da relação entre os sistemas sociais, enquanto acoplamento estrutural24. Neste sentido, o processo de estabilização e evolução do sistema é resultado "[...] do funcionamento de seus elementos, do crescimento da complexidade interna e da eficácia de suas diferenciações. A estabilização e a sobrevivência dos sistemas geram, progressivamente, ainda mais aumento da complexidade interna, entrando em um ciclo que resulta, muitas vezes em nova diferenciação interna e na fragmentação do sistema em subsistemas" (NEVES, 2005, p.48).

A estabilidade do sistema está atrelada a sua possibilidade de evolução, na medida em que a incorporação de novas informações pelo sistema aumenta o portfolio das soluções passíveis de serem selecionadas por meio de novos processos decisórios que ampliam o repertório de elementos e a complexidade do sistema25.

Por essa razão, para Luhmann (2006), a comunicação, ao mesmo tempo em que é um processo de seleção entre muitas possibilidades, apresenta-se como improbabilidade: (a) é improvável que a comunicação ocorra por meio da compreensão da diferença entre enunciado

24

A partir de meados a década de 1980, Luhmann utiliza apenas o termo acoplamento estrutural para definir as relações que ocorrem entre diferentes sistemas sociais ou psíquicos.

25 Essas categorias são melhor visualizadas por meio da analogia com jogos de tabuleiro, como cartas, xadrez, dama etc.: (a) o jogador A cria uma expectativa com relação ao jogador B e estabelece uma estratégia para vencer o jogo; (b) durante a partida, a cada rodada, o jogador A analisa as possibilidades de jogada de seu adversário e aposta em um determinado comportamento do jogador B, a partir do qual decide sua própria jogada; (c) paralelamente, o jogador B define suas próprias expectativas com relação ao modo de agir de A e ao seu próprio comportamento; (d) ambos jogadores criam expectativas com relação ao entendimento de suas jogadas pelo outro; e (e) o jogador A ganha o jogo, a partir de jogadas planejadas previamente; ou o jogador B surpreende o jogador A com jogadas imprevisíveis e improváveis que o levam à vitória. Se após a primeira partida os jogadores A e B criam um repertório de decisões (estratégia) a partir do comportamento do outro, restringindo suas próprias decisões futuras, ainda que sob alto grau de instabilidade e de probabilidade dessa relação ser desfeita (fim de jogo), a cada nova jogada novos movimentos tornam-se possíveis de serem realizados, transformando a estrutura da relação. Neste tipo de jogo, existe uma relação interativa entre os jogadores segundo a qual, necessariamente, a tomada de decisão leva em consideração o comportamento do outro; mas esta relação pode ser desfeita no momento em que um dos jogadores deixar de considerar a expectativa do outro: esta é a situação propícia para a criação de um sistema social (NEVES, 2005, p.37-38).

e informação; (b) é improvável que o enunciado alcance o destinatário; e (c) é improvável que a comunicação seja aceita pelo destinatário (LUHMANN, 2006a; 2006b).

Tonar o improvável em provável requer artifícios, como: (a) utilizar a mesma língua, para fins de minimizar o problema da compreensão; (b) utilizar meios de comunicação simbolicamente generalizados (medium), visando à aceitação da comunicação; e (c) utilizar meios de comunicação midiáticos (mídia) com a finalidade de ampliar o alcance territorial e a quantidade dos destinatários da informação (LUHMANN, 2006a).

A linguagem é o caso exemplar de transformação do improvável em provável, enquanto que o medium é utilizado de duas formas: (a) indiscriminadamente pelos diversos sistemas sociais, não constituindo um elemento de distinção sistema-ambiente, mas sim um meio de dotação de sentido ao processo comunicativo, para fins de diferenciação do sistema e apresentação de sua forma; e (b) como estrutura de diferenciação do sistema-meio, gerando sentido a partir de operações anteriores, embora continue sendo um meio à tomada de decisão (seleção) do sistema.

A codificação binária facilita e generaliza o uso do medium e, ao mesmo tempo, estrutura e estabiliza os processos comunicativos de acordo com a contigência do mundo (reduzida à criação de mecanismos de seleção de operações que passam a integrar o repertório do sistema e de um meio de comunicação simbolicamente generalizado), aumentando a chance de ocorrer novas comunicações favoráveis à realização do processo autopoiético e à evolução do sistema.

Para tanto, o medium evolui, formatando um novo código binário secundário (é o caso do método como expressão secundária da ciência) que oferece outras opções de redução da complexidade, ao mesmo tempo que, ao possibilitar a ampliação das operações comunicativas, aumenta a complexidade do sistema (NEVES, 2005, p.32-33).

O meio de comunicação simbolicamente generalizado: (a) é o responsável pela realização das operações internas do sistema; (b) garante a preservação da forma do sistema; e (c) garante a diferenciação do sistema em relação ao ambiente.

Com relação a esse meio de comunicação: (a) não existe um meio de comunicação simbolicamente generalizado comum (único) para toda a sociedade; (b) cada sistema social funcional tem uma marca, um traço característico, uma forma, um código comunicativo singular e binário que organiza, delimita e mantém a identidade e as relações internas do sistema; e (c) os sistemas sociais funcionais relacionam-se de forma independente e autônoma

com os sistemas biológicos e psíquicos, de modo que o homem (em sua expressão orgânica e psíquica) constitui ambiente dos sistemas sociais.

É importante destacar que o desenvolvimento de meios de comunicação simbolicamente generalizados ocorre, apenas, em sistemas de alta complexidade (elementos e linguagem complexos); e os códigos binários, ao mesmo tempo em que preservam a forma do sistema (definida pela comunicação que resulta na diferenciação sistema-meio), criam uma estrutura de comunicação (medium) que tem dupla função: (a) realizar as operações internas do sistema; e (b) garantir que essas operações observem a diferenciação da forma (NEVES, 2005, p.29).

Neves (2005, p.29) reforça que "tanto o medium quanto a forma têm de garantir essa diferenciação entre sistema e ambiente", mas, no caso da forma, "os elementos estão conectados estritamente, ou seja, compõem uma estrutura definida e observável, os sistemas sociais e suas fronteiras"; e no caso do medium, "os elementos se conectam sobre determinadas estruturas, mas a conexão se desfaz no momento seguinte, já que o medium funciona como um excipiente de sentido, de processos comunicativos e da forma".

Nesse sentido, para Luhmann (2010a, p. 293-301):

(a) A comunicação não se desfaz de algo, ao contrário, ela tem um caráter de multiplicação e não de perda;

(b) A identidade da comunicação não está na qualidade da informação, mas sim na igualdade ou semelhança referencial entre os envolvidos no processo comunicativo, de modo que “o ato de entender a comunicação atesta uma distinção entre o valor da informação e o seu conteúdo, separando-o das razões que foram selecionadas para partilhar a referida informação” (LUHMANN, 2010a, p.297); e

(c) Ao invés da simultaneidade do ato de comunicar, a ilusão da simultaneidade do não simultâneo, a partir do desenvolvimento da escrita e, na contemporaneidade, com modos de comunicação que desafiam a temporalidade da informação, uma vez que ficam armazenadas em “memórias virtuais coletivas” como a internet e outras redes de infomação e comunicação específicas. Sendo assim, para Stockinger (2003, p.9):"[...] sem comunicação, a informação efetiva, aquela que realmente ‘faz a diferença’, fica encoberta, indistinguível, apenas armazenada em memória psíquica e arquivos mediáticos . Ela é apenas informação potencial, e não chega a ser significativa, ela não se torna real, cinética, movimento”. Para

este autor a informação não tem outra maneira de se movimentar e se expressar a não ser em