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6. DISCUSSÃO GERAL

6.3 Formulações apropriadas para os neonatos

Os resultados aqui apresentados mostraram que os neonatos foram expostos a medicamentos aprovados para uso adulto, na maior parte dos casos não apresentando formulações adequadas às suas condições. Parte desses medicamentos apresentaram concentrações ou volumes inadequados a serem administrados nesses pacientes que possuem diferenças em sua composição corporal, a depender do seu grau de maturidade. Um desses exemplos esteve relacionado à prescrição de alprostadil 20 mcg frasco-ampola de uso adulto, sendo, no caso dos neonatos, necessárias algumas ampolas a fim de encontrar a concentração ideal para o neonato podendo levar a erros na diluição e na administração do medicamento. Em alguns casos essa situação pôde ser contornada, , quando houve disponibilidade da apresentação de alprostadil 500 mcg em 1 mL de solução injetável importada que requer

Uma formulação ideal deveria apresentar biodisponibilidade suficiente do princípio ativo, ser adequada, conter excipientes não tóxicos e seguros, de fácil administração, acessível economicamente e prover informação adequada de uso. Na prática clínica em neonatologia, há formulações de uso adulto que necessitam ser adaptadas às condições desses pacientes, sendo necessária a utilização de medicamentos não licenciados e usados de maneira não padronizada. Um desses mecanismos observados no presente estudo esteve relacionado à quebra e trituração de comprimidos (captopril, espironolactona, fludrocortisona entre outros) para transformar em soluções a serem administradas por meio de sonda nasoenteral. A biodisponibilidade do medicamento decorrente desse processo praticamente não é conhecida, além de inexistirem dados sobre estabilidade química, física e microbiológica do processo de preparo com potencial em provocar eventos adversos (ANKER, 2005). Essa observação é agravada pelo fato de ser realizado por pessoal não habilitado e em local não apropriado, já que esse hospital não apresenta laboratório de farmacotécnica.

Outros autores também relataram a necessidade de trituração e diluição de comprimidos manipulados pela enfermagem antes de serem administrados a crianças, visto que as farmácias hospitalares da rede pública de saúde raramente apresentam laboratórios de farmacotécnica (SANTOS et al., 2008; SKWIERCZYNSKI; CONROY, 2008; COSTA; REY; COELHO, 2009). Ainda assim, o processo realizado por meio de técnicas apropriadas e pelo farmacêutico não garante que a biodisponibilidade do fármaco no organismo do neonato seja conhecida por haver poucos estudos de farmacocinética de formulações extemporâneas nessa população. Um exemplo recente na literatura reiterou essa preocupação em triturar comprimidos e alterar a biodisponibilidade em relação à formulação original em crianças, no caso da trituração de lopinavir/ritonavir (Kaletra®) administrado a crianças entre 10 e 13 anos de idade (BEST et al., 2011).

As formulações orais, a exemplo de xarope ou solução oral, apresentam diversos inconvenientes para serem administrados pela via enteral aos neonatos. Além da absorção errática, aspectos específicos de relevância são pouco explorados, a exemplo de potenciais interações do fármaco com o leite humano e outras questões relacionadas à utilização de tubos de alimentação (tamanho de partícula, viscosidade, volume, osmolaridade, compatibilidade com o plástico da sonda nasoenteral), bem como da dificuldade em obter concentrações e volumes específicos.

Os medicamentos parenterais foram os mais frequentemente utilizados na UTIN, geralmente por meio de um único acesso venoso controlado por bombas de infusão. Como descrito no início deste tópico, os medicamentos parenterais se apresentaram em formulações

para administração em adultos e contêm concentração elevada, sendo necessário diluí-los para que sejam administrados aos neonatos. Esse fator é agravado devido aos neonatos necessitarem de um grande número de medicamentos que, em sobrecarga de líquidos, pode limitar a taxa de excreção renal, resultando em distúrbio hidroeletrolítico. Além disso, a administração concomitante de medicamentos e de nutrição parenteral em um único acesso venoso pode ocasionar a interação entre fármaco-fármaco ou fármaco-alimento, formando precipitados ou outras incompatibilidades físico-químicas que podem ocluir o catéter ou, em casos mais graves, provocar embolia (KALIKSTAD et al., 2010). A acurácia dos volumes em pequenas quantidades é particularmente importante, e erros de administração e preparo de medicamentos podem ocorrer, a exemplo da escolha inapropriada de solventes, cálculos incorretos de dose, rápidas taxas de infusão, incompatibilidades entre os componentes, entre outros erros que, na prática, podem resultar em desfechos fatais (AGUADO-LORENZO et al., 2013; ALLEGAERT, 2013; UPPAL et al., 2011).

O desenvolvimento de formulações apropriadas ao uso pediátrico, especificamente para neonatos, pode apresentar diversas vantagens nos desfechos clínicos desses pacientes. Em um estudo comparativo, Allegaert et al., (2006) verificaram diferenças significativas na biodisponibilidade e em outros parâmetros farmacocinéticos entre duas formulações de amicacina para uso adulto e pediátrico usadas em neonatos, cuja biodisponibilidade foi menor entre o grupo que utilizou a formulação adulta, sugerindo imprecisão na diluição desse medicamento. Com a utilização de formulações adultas, o risco de haver imprecisão das doses administradas é aumentado, seja sobredose ou subdose, com potencialidade da ocorrência de efeitos adversos. Em relação à amicacina, foi verificado que duas formulações foram prescritas no presente estudo, sendo uma delas apropriada ao uso em neonatos (100 mg/2 mL) demonstrando a necessidade em padronizar processos de prescrição, dispensação e administração de medicamentos nesse hospital.

A ausência de formulações apropriadas à população pediátrica é justificada pela indústria farmacêutica, principalmente, por haver uma população-alvo pequena e os investimentos realizados não terem retorno financeiro (NAHATA; ALLEN, 2008). Diante disso, os neonatos, dentro dessa população heterogênea que vai de 0 a 17 anos de idade, devem ser vistos como população específica que necessita de ações estratégicas entre governos, instituições de pesquisa, órgãos reguladores de medicamentos e iniciativas de investimentos globais. Algumas iniciativas têm sido tomadas pelos EUA, União Europeia e OMS, no entanto, como explicitado anteriormente, ainda não apresentaram benefícios que

sucedidas na disponibilização de medicamentos apropriados aos neonatos envolvendo segurança da formulação, excipientes seguros, administração adequada e qualidade assegurada do produto.