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5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.1 Seção 1 Pacientes inseridos durante o período de janeiro a junho de 2012

5.1.2 Medicamentos não licenciados, de uso de medicamentos não padronizado,

No presente estudo, a utilização de medicamentos de uso não padronizado foi maior em relação ao uso de medicamentos não licenciados por ter sido utilizado o consenso de Neubert et al. (2008) incorporando todas as categorias de medicamentos de uso não padronizado. O uso de medicamentos não licenciados esteve associado às condições doença metabólica óssea, erro inato do metabolismo e persistência do canal arterial. O uso NP resultou em um maior número de medicamentos com ação no trato alimentar e nos sistemas nervoso e respiratório, tendo maior número de prescrições entre os neonatos mais imaturos, cujo principal motivo esteve relacionado à idade. A maior parte desses medicamentos não apresentou informação de uso em neonatos e essa observação é agravada ao verificar que o uso foi maior naqueles com menores idades gestacionais, a exemplo de polivitamínicos sem minerais e aminofilina, o que reflete a ausência de estudos clínicos ou a não atualização das bulas de medicamentos. A prescrição contraindicada para neonatos também reflete a lacuna existente quanto à necessidade clínica e o desenvolvimento de medicamentos apropriados, a exemplo do uso de dipirona ser o único antipirético disponível na forma injetável no Brasil (BRASIL/MS/SCTIE/DAFIE, 2013), cuja utilização pode provocar reações de agranulocitose em crianças (BMJ, 2012).

Dose/frequência foi a segunda categoria de uso NP mais recorrente. Isso alerta para o risco de toxicidade, a exemplo de polivitamínico com acetato de tocoferol apresentar dose acima da recomendada pelo fabricante (06 gotas ao dia). Ampicilina e gentamicina apresentaram esquema de administração com diferentes dosagens e intervalos, a depender da IG diferente do recomendado pelo fabricante (administração diária); evidências justificam a

utilização desse esquema em decorrência da imaturidade renal com diminuição de reações adversas, mas alerta para a possibilidade de erros de prescrição (FJALSTAD et al., 2013).

As bulas apresentaram poucas informações sobre uso das substâncias em neonatos, principalmente as de medicamentos que atuam no trato alimentar e metabolismo, anti- infecciosos sistêmicos e sistema nervoso, abrangendo mais de 50% dos medicamentos de uso NP. A maior parte deles foi recomendada pelo BNFC e Micromedex, embora algumas divergências tenham sido observadas, a exemplo de domperidona ser indicada para uso neonatal pelo fabricante, não sendo por tais fontes devido a relatos de efeitos extrapiramidais.

O BNFC apresentou maior disponibilidade de itens com informação de uso em neonatos em relação ao Micromedex e bulas dos medicamentos. A frequência de itens prescritos categorizados como indicados foi maior no BNFC (86,8%) em comparação ao Micromedex (66,8%). Medicamentos de uso NP (n = 66) categorizados como Indicados pelo BNFC (n = 52) foi maior em relação ao Micromedex (n = 34). Domperidona, apesar de licenciado no Brasil, foi considerado como não indicado pelas fontes consultadas. Outro ponto importante está relacionado às informações referentes ao grau de maturidade do neonato que a maior parte dos medicamentos não apresentou informações para uso em pré- termo, exceto para gentamicina, polivitamínicos sem minerais e vancomicina.

Quanto aos medicamentos de uso NP, as fontes consultadas apresentaram divergências em relação aos medicamentos não indicados. O Micromedex apresentou maior número de medicamentos não indicados com atuação no sistema nervoso, anti-infecciosos de uso sistêmico e sistema cardiovascular, a exemplo de dipirona, meropenem e dobutamina.

A análise do potencial nocivo do medicamento se baseou na exposição de produtos constantes na lista do Institute for Safe Medications Practices (ISMP) pela potencialidade de eventos adversos fatais decorrentes do uso desses fármacos. Praticamente todos os MPP tiveram uso NP aos quais a maioria dos neonatos esteve exposta, principalmente nos extremos inferiores de IG e a medicamentos com ação no sistema cardiovascular e nervoso. Todos os MPP tiveram recomendação de uso pelo BNFC, embora cinco medicamentos não tenham sido recomendados pelo Micromedex por não apresentarem segurança estabelecida nesse grupo (cetamina, metadona, metoprolol e norepinefrina), ou pela ocorrência de taquicardia e haver outro medicamento mais apropriado (dopamina) para aumentar a pressão arterial em neonatos

Outro aspecto explorado foi a exposição a Excipientes Nocivos, uma vez que há necessidade de avaliar o potencial nocivo da formulação não apenas sob o ponto de vista do ingrediente ativo farmacêutico. A maioria dos neonatos, particularmente os mais imaturos, foi exposta a formulações contendo excipientes nocivos, principalmente parabenos e polissorbato 80, com consequências a longo prazo ainda pouco conhecidas. A exposição a esses excipientes se deu principalmente por meio de formulações contendo medicamentos de uso questionável, a exemplo de polivitamínicos com acetato de tocoferol e domperidona, ambos soluções orais. Nossos achados reforçam os resultados de Lass et al. (LASS et al., 2012) e outra nossa publicação (SOUZA et al., 2014), além de destacar a necessidade de se desenvolver formulações sem excipientes ou, na prática clínica, que as informações sobre dados quantitativos desses excipientes sejam disponibilizados pelo fabricante, a fim de que os profissionais possam avaliar o melhor risco/benefício.

Nosso estudo apresentou maiores taxas de prescrições contendo medicamentos não licenciados semelhantes a outros autores na Itália (12,0%) (DELL’AERA et al., 2007) e menores em relação a estudo mais recente na Estônia (22,0%) (LASS et al., 2011). Em relação a prescrições contendo medicamentos de uso NP, nosso estudo apresenta maior percentual em relação aos demais que se situam acima entre 35,2 a 65%, possivelmente devido a termos incluído apenas neonatos que apresentassem prescrição de medicamentos no nosso estudo (DELL’AERA et al., 2007; DESSI et al., 2010; LASS et al., 2011; CARVALHO et al., 2012). Embora ao avaliar a exposição de neonatos a medicamentos não licenciados e usado de modo NP, verificou-se que nossos achados se aproximam de estudo semelhante realizado por Lass et al. (2011) entre 2008 e 2009 em duas UTIN da Estônia, em que 98,0% de 490 neonatos estiveram expostos.

Em outro estudo realizado em UTIN especializada na Alemanha entre 2004 e 2005, com 183 neonatos, observou-se que esse percentual foi menor (79,9%) embora tenham evidenciado que todos os neonatos com IG inferior a 28 semanas (26) estiveram expostos a esses medicamentos (NEUBERT et al., 2010). Deve-se considerar que tais autores avaliaram o uso NP apenas sob o ponto de vista idade, o qual pode ter levado a diferenças entre os resultados. A taxa de uso de medicamentos não licenciados ou de uso NP varia de acordo com o país, tipo de UTIN e de metodologia, apresentando taxa de uso de medicamentos não licenciados entre 9,9 a 12,0% e, em relação ao uso NP, 47 a 90% (NEUBERT et al., 2010; LASS et al., 2011; KIERAN et al., 2014).

Apesar de termos utilizado as bulas como fontes de informação, a falta delas sobre o uso neonatal em bases oficiais também foi relatada em estudos recentes na Alemanha (NEUBERT et al., 2010) e na Estônia (LASS et al., 2011), alertando sobre a necessidade da atualização de informações relacionadas a medicamentos que apresentem alguma evidência pelas respectivas agências reguladoras de medicamentos, a exemplo dos nossos achados sobre o uso de zidovudina que não apresentou informação de uso neonatal. Porém, há amplo consenso sobre seus benefícios na profilaxia do Vírus da Imunodeficiência Humana (TAHA et al., 2003). Medicamentos que não apresentam informações e evidências sobre seu uso em neonatos precisam ser inseridos em programas estratégicos, a fim de proporcionar a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos mais seguros para esses pacientes negligenciados ou esquecidos pela indústria farmacêutica.

O trabalho apresenta limitações, dado seu caráter retrospectivo, e por ter sido realizado em uma única unidade especializada no atendimento de prematuros, refletindo o estado crítico dos neonatos envolvidos no estudo. No entanto, deve-se considerar que a análise de 3.290 prescrições de 192 neonatos deu confiança ao estudo. É possível generalizar os achados desse estudo para outras UTIN’s públicas do Brasil, embora existam diferenças regionais e locais em termos das características dessas populações e das práticas dos serviços.

Verificou-se que neonatos mais imaturos são expostos a medicamentos não licenciados, de uso NP, medicamentos potencialmente perigosos e formulações contendo excipientes nocivos, se comparados a outros subgrupos. O que pode explicar essa realidade é o nível de criticidade desses pacientes, sendo-lhes prescritos mais medicamentos para a manutenção ou melhora do estado em que se encontram, o que reflete, em parte, o pouco conhecimento sobre o manejo de algumas doenças nesse subgrupo. Reconhece-se a necessidade de haver difusão de informações relacionadas ao uso de medicamentos em neonatos, especialmente no que concerne à potencialidade de riscos de modo a promover o uso racional e o monitoramento de eventos adversos, como rotina em UTIN (GIACOIA et al., 2012). Apesar dos esforços internacionais em promover melhores medicamentos para crianças, a exemplo do TEDDY network na Europa (MELLADO PENA et al., 2012), os neonatos ainda não foram plenamente beneficiados, justificando o uso NP de medicamentos como alternativa, visto que sem esse arsenal seria impossível a sobrevivência dos recém- nascidos. São necessários incentivos à pesquisa clínica relacionada aos efeitos de

seguros aos neonatos, além de medidas internacionais estratégicas a solucionar tal problemática, incluindo o Brasil.