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FOTOGRAFIA COMO COLAGEM

CAPÍTULO 2: COLAGEM E IMAGENS TÉCNICAS

2.1. FOTOGRAFIA COMO COLAGEM

O senso comum insiste em entender a fotografia como recorte do real, ou seja, como a apreensão de um pedaço do mundo. Característica esta que suscita o fascínio por essa forma de comunicação que é a imagem fotográfica. Muitos pensadores conceituados teceram afirmações a respeito deste recorte fotográfico, devido, sobretudo, ao caráter indicial deste meio.

Flusser vai um pouco adiante e classifica como recorte do real qualquer tipo de imagem e não apenas a fotografia. “Imagens são superfícies que pretendem representar algo. (...) Imagens são, portanto, resultado do esforço de se subtrair duas das quatro dimensões de espaço-tempo, para que se conservem apenas as dimensões do plano” (FLUSSER, 2001, p. 7).

Sontag, por exemplo, diz compreender a fotografia não como manifestação do mundo, mas como pedaços dele, “miniaturas da realidade que qualquer um pode fazer ou adquirir” (SONTAG, 2004, p. 13).

A autora dá continuidade ao seu argumento de identificação da fotografia com o recorte ao afirmar que “fotos podem ser mais memoráveis do que imagens em movimento porque são uma nítida fatia de tempo, e não um fluxo” (SONTAG, 2001, p. 28).

Neste mesmo sentido, Kossoy expõe o fato de que a fotografia, por meio deste recorte, permite a memorização de detalhes, o registo de um tema em tempo e local determinados. Assim, a fotografia permitiria o conhecimento de “microaspectos dos cenários, personagens e fatos; daí sua força documental e expressiva, elementos de fixação da memória histórica indi- vidual e coletiva ”(KOSSOY, 2007, p. 35).

Avançando em seu texto, o autor enxerga na fotografia a junção de dois fenômenos: o recorte do espaço e a presença dos diferentes tempos a que a imagem está sujeita.

A perpetuação da memória é, de uma forma geral, o denominador comum das imagens fotográficas: o espaço recortado, fragmentado, o tempo paralisado; uma fatia de vida (re)tirada de seu constante fluir e cristalizada em forma de imagem. Uma única fotografia e dois tempos: o tempo da criação, o da primeira reali- dade, instante único da tomada do registo no passado, num determinado lugar e época, quando ocorre a gênese da fotografia; e o tempo da representação, o da segunda realidade, onde o elo imagético, codificado formal e culturalmente, persiste em sua trajetória na longa duração (KOSSOY, 2007, p. 133).

Essa sobreposição de tempos em um mesmo espaço, o suporte fotográfico, pode ser en- tendida também como colagem.

à mutação, à abstração.” (KRAUSS, 2010, p. 162)

Explicando como este efeito é conseguido por meio da revelação química, Krauss afirma que o afastamento de tais imagens das convenções fotográficas faz com que estas deem a im- pressão de renegar a linguagem fotográfica. No entanto, para ela, a contribuição destes nus está na revelação que mantém com um dos traços essenciais da fotografia, seu parentesco com a colagem (KRAUSS, 2010, p. 166).

Isso porque a colagem, como técnica artística, consiste a fixação de um elemento “real”28 na superfície de uma pintura ou desenho, semelhante ao que acontece com a fixação de uma imagem no papel fotográfico. E, esse elemento passa tanto a ser ele mesmo, quanto a representar algo:

De forma mais acentuada, mais aparente que os elementos tradicionais da imagem – uma mancha de cor, por exemplo, ou um borrado de tinta -, o pedaço de colagem afirma sua existência enquanto objeto real e, ao mesmo tempo, sua capacidade de representar, significar, substituir algo mais. Porém é precisamente por ser um pedaço da realidade que ele toca em algo inerente

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Irving Penn (1917-2009) foi um fotógrafo norte-americano. Iniciou sua carreira em meados da década de 1940 e ficou famoso por seus trabalhos para a revista Vogue.

28 Conforme mencionado no capítulo anterior, colagens englobavam materiais cotidianos como tecidos, jornais, fotografias, embalagens, etc.

Figura 32: Irving Penn Nude #18, 1949-50

impressão em gelatina e prata

San Francisco Museum of Modern Art, São Francisco

ao próprio processo de representação. Pois o elemento da colagem é sempre, ou quase sempre, um fragmento, e se for um objeto inteiro – como uma caixa de fósforos ou um maço de cigarros -, tratar-se-á com toda evidência de um ob- jeto desenraizado, arrancado de seu próprio mundo. Sua condição de fragmento é essencial para a colagem, permite-lhe agir nas pretensões à integralidade de toda representação. A mais realista das representações sempre põe em risco um conjunto de ausências: o volume do modelo original, sua textura, sua escala – nenhum destes elementos está presente. O elemento colado, por sua imperiosa condição de fragmento, chama a atenção para esta qualidade de ausência, torna a própria ausência presente, por assim dizer, e revela a verdadeira natureza da representação, que não passa de aparência, redução, substituta, signo. Com a colagem, o “real” entra no campo da representação enquanto fragmento, e frag- menta a realidade da representação (KRAUSS, 2010, p. 167).

Da mesma forma, Krauss reconhece os fragmentos que compõem os nus de Irving Penn. São curvas corporais, dobras de panos, pelos pubianos sobrepostos a um fundo branco numa estética que remete à colagem. Essa qualidade de fragmentação se apropria de cada detalhe in- terno da imagem e é reforçada pelo enquadramento do conjunto, que corta o corpo e só deixa parte dele à mostra (KRAUSS, 2010, p. 167).

A colagem vai contra o ideal de unidade na obra de arte, contrapõe-se a sua autorrefe- rência e autonomia ao agregar objetos à tela. E é neste ponto em que Krauss enfatiza:

Acontece que a fotografia é quem melhor fala a linguagem da colagem (no sentido mais conceitual do que técnico). Sendo forçosamente fotografia do mundo, ela sempre chega até nós como fragmento: as diversas texturas reuni- das no campo da imagem captam nosso olhar pela sua densidade e tendem a se separar umas das outras, de forma que, no mais das vezes, lemos as fotografias pedaço por pedaço, elemento por elemento. Além do mais, na medida em que cada fotografia traduz uma cena ou um objeto que realmente existiu em dado lugar e em dado momento (...) a “presença” da imagem fotográfica sempre é modificada pelo seu estatuto de testemunha, traço, vestígio. (KRAUSS, 2010, p. 167)

Entender que a fotografia está estritamente ligada à colagem torna claro o motivo da recorrente utilização da fotomontagem. Após o Cubismo, todas as vanguardas subsequentes que fizeram uso da colagem - Dadaísmo, Surrealismo, Construtivismo, Arte Pop - fizeram-no com a utilização da fotografia.

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