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Fotografia 2: uma visita à vila de São Paulo em 1862

A fotografia é apresentada na Figura 46, sendo de autoria de Militão Augusto de Azevedo e datada de 1862 (informações sobre o registro são apresentadas no Quadro 3). O registro foi feito na Chácara Loskielli, localizada na região do Brás e é parte do Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo, organizado por Militão. A fotografia original faz parte do acervo do Museu Paulista. Nela observa-se a casa ao

fundo, e pode-se ver três áreas para plantações ou jardins, possivelmente, na frente. Cinco pessoas foram registradas: em primeiro plano uma mulher, que aparenta ser de boa condição social, provavelmente moradora e senhora da chácara. Próximo à ela está um homem, talvez o senhor, e mais atrás um homem negro e duas mulheres negras, possivelmente escravos.

Por meio de similaridades ou diferenças entre trajes paulistas e cariocas, procura-se abordar nessa análise a forma, silhueta e principais peças do vestuário de uma elite paulista da década de 1860. O vestuário registrado também se classifica como traje civil social, conforme definição proposta por Fausto Viana (ITALIANO; VIANA, 2015). Para esta análise focou-se nas figuras com maior visibilidade dos trajes, o homem à esquerda e a mulher em primeiro plano.

Figura 46 – Fundo da chácara de Leonardo Loskielli, por Militão Augusto de Azevedo, 1862.

Fonte: Azevedo (1862).

A

B

Quadro 3 – Informações sobre a figura 46.

Fotografia do fundo da chácara de Leonardo Loskielli Fotógrafo Militão Augusto de Azevedo

Data 1862

Local São Paulo

Disponível em Fernandes et al (2012) Fonte: Adaptado de Fernandes et al (2012, p. 184).

ANÁLISE DO TRAJE DA FIGURA FEMININA (A)

Tal como a moda no Rio de Janeiro, a mulher possui silhueta em ampulheta, conferida pelo corpinho ajustado na cintura fina e saia volumosa. Ainda que de difícil distinção, na Figura 47 vê-se o corpinho do vestido, em tom claro e com mangas tipo pagoda amplas e compridas. A saia apresenta grande volume, similar ao modelo analisado na fotografia 1, possivelmente sobre uma crinolina e anáguas. Dada a semelhança de peça e impossibilidade de descrever com precisão os detalhes e elementos do corpinho, a análise desta figura tem como foco as mangas tipo pagoda.

Figura 47 – Figura feminina (A) em destaque.

Segundo Waugh (1968b), as mangas pagoda são características da década de 1850, justas no antebraço e abrindo amplas até o punho, no entanto, já por volta de 1856 surgem as mangas bispo para substituí-las. A fotografia data do início da década de 1860, quando a autora coloca que acontece a transição entre estilos: “No início dos anos 1860 a manga pagoda estava sendo substituída pela manga bispo [...]” (WAUGH, 1968b, p.141, tradução nossa). Vê-se, assim, dois modelos de manga diferentes coexistindo no vestuário feminino, não significando que uma ou outra fosse considerada ultrapassada.

Em relação à modelagem dessa manga Arnold (1972a) apresenta dois vestidos da década de 1850 com mangas pagoda. Na Figura 48 é possível notar, nas ilustrações, a amplitude desse tipo de manga na região dos punhos bastante similar ao traje da mulher fotografada por Militão. As respectivas modelagens são vistas logo abaixo e pode-se identificar a forma arredondada conferindo a abertura no punho.

Figura 48 – Modelos de vestido da década de 1850, com destaque para modelagem das mangas.

Fonte: Arnold (1972a, p. 67-69).

Em um cenário nacional, a modelagem desenvolvida por Italiano e Viana (2015), apresentada na análise da fotografia 1, também exemplifica a manga pagoda

compondo o corpinho do modelo de vestido de 1860 estudado pelos autores. Na Figura 49 elas são indicadas pelos números 5 e 6, identificadas respectivamente como “folha inferior” e “folha superior”. As instruções para costura, na referida publicação, indicam o corte duplo em tecido e em forro.

Figura 49 – Modelagem parcial de vestido década de 1860, no Brasil, com destaque para corpo e mangas.

Fonte: Italiano e Viana (2015, p. 180).

Este mesmo modelo de manga é visto, também, em publicações da época. nas páginas do Jornal das Famílias, em 1863, data próxima da fotografia de Militão. Na Figura 50 estão representadas, à direita, uma publicação no periódico Jornal das Famílias, de 1863, na qual a senhora à direita veste um casaco longo com mangas pagoda, muito amplas no punho, deixando à mostra parte da manga da camisa utilizada por baixo. A ilustração da esquerda foi publicada periódico Semana Ilustrada, em 1861. Nesta imagem, vê-se dois modelos de vestido: o da esquerda, provavelmente, um vestido para festa ou jantar formal e o da direita apresenta corpinho com manga pagoda.

Figura 50 – Ilustrações publicadas nos periódicos cariocas Jornal das Famílias, em 1863, à esquerda, e no periódico Semana Illustrada, em 1861.

Fonte: Jornal das Famílias (1863, [entre p.64 e p. 65]), Semana Illustrada (1861a, p. 4).

ANÁLISE DO TRAJE DA FIGURA MASCULINA (B)

Em destaque na Figura 51, o homem fotografado pelas lentes de Militão veste uma sobrecasaca com comprimento na altura dos joelhos, em conjunto com calça larga no mesmo tom escuro. Sob a sobrecasaca veste uma peça clara, provavelmente uma camisa e um colete, traje bastante comum neste período. Como acessório, usa um chapéu em tom mais claro, de copa baixa e aba larga.

Figura 51 – Figura masculina (B) em destaque.

Fonte: Elaborado por Beatriz Albarez de Assunção, 2019.

A peça que confere a silhueta reta do traje do homem nesta fotografia é, sem dúvidas, a sobrecasaca. A partir de 1860 ela é parte constante do vestuário masculino, comumente utilizada em diferentes ocasiões durante o dia, até o final do século XIX, quando então um tipo de paletó, denominado lounge jacket, passa a substituí-la pouco a pouco (BOUCHER, 2010; LAVER, 1989). Enquanto as mulheres tinham a França como inspiração para se vestir, os homens tinham a Inglaterra, sendo assim, diversos elementos de trajes brasileiros são vistos em ilustrações de origem inglesa, tanto em periódicos da época, quanto em publicações referentes aos trajes ingleses.

É interessante notar que a sobrecasaca, na década anterior à fotografia em análise, apresentava silhueta bastante diferente. No Brasil, o periódico Novo Correio das Modas publicou ilustrações de moda masculina durante a primeira metade da década de 1850. As sobrecasacas são, na maioria dos registros, com cintura ajustada.

A Figura 52 mostra dois momentos de registros de sobrecasacas da década de 1850. A imagem à esquerda é de uma edição de 1852 e à direita, uma edição de 1854, já mostrando uma silhueta masculina levemente mais reta, além do comprimento mais

longo que a de 1852. Por outro lado, elementos como a gravata, a cartola e o chamado chapéu castor não apresentam modificações relevantes nesse intervalo de dois anos.

Figura 52 – Vestuário masculino, publicado no periódico Novo Correio das Modas Rio de Janeiro, edições de 1852 e 1854.

Fonte: Novo Correio das Modas (1852) e Novo Correio das Modas (1854),

Desta forma, é possível ver as variações nos modelos da sobrecasaca ao longo dos anos, tanto no comprimento quanto na modelagem, que vão transformando-a em uma peça mais reta, a medida em que se aproxima de um modelo característico da década de 1860, largo no corpo e corte reto das peças. Na Figura 53, pode-se perceber essa modificação em modelagem (à esquerda, década de 1850 e à direita, década de 1860).

Figura 53 – Vestuário masculino do final da década de 1850 e início de 1860, destaque para sobrecasacas.

Fonte: Davis (1994, p. xxi).

Dois exemplos de sobrecasacas da década de 1860 podem ser observados na Figura 54, em fotografias nas quais são vistos modelos de sobrecasacas de corte reto e mangas largas, propiciando ao corpo maior volume e evidenciando a forma em “H”, muito similar ao homem na fotografia em análise. À esquerda são retratados um homem em pé e uma mulher sentada. Embora não datada, é possível que este registro seja da década de 1860, com base nas características do traje feminino. Na fotografia à esquerda, datada de 1864 e de autoria de Joaquim José Insley Pacheco, são retratados a princesa Isabel – com traje semelhante à mulher sentada – e conde d’Eu que também veste uma sobrecasaca, porém sua silhueta possui menor volume por razão de seu tipo físico.

Figura 54 – Sobrecasacas usadas no Brasil, à esquerda, homem na década de 1860 e, à direita, conde d’Eu em 1864.

Fonte: Souza (1987, p. 120) e Lago e Lago (2013, p. 85).

A Figura 55 mostra a modelagem de sobrecasaca na década de 1860, na qual fica evidente o pouco ajuste na cintura, que confere corte reto à esta peça. Uma ligeira curvatura de ajuste na cintura pode ser observada nos pontos 23 e 27, além de um ajuste no centro das costas indicados pelo ponto 5. São ajustes pequenos que fazem com que a peça fique menos acinturada.

Figura 55 – Traçado de sobrecasaca da década de 1860.

Fonte: Davis (1994, p. 54).

5.3 Fotografia 3: um passeio com a família imperial à Juiz de Fora, na