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3.1 O vestuário no século XIX

3.1.1 Vestuário feminino

Segundo Boucher (2010), é impossível desassociar o vestuário oitocentista da crinolina8, peça muito característica da moda durante o Segundo Império francês e que “tendemos a [...] atribuir a essa época todos os vestidos de saia volumosa” (BOUCHER, 2010, p. 360), ainda que existiram vários outros tipos de armações para dar volume. Por volta da década de 1850, a crinolina de armação surge como peça

8 Uma anágua feita de crina de cavalo, por isso recebeu o nome de crinolina. No entanto, sofreu

mudanças em sua estrutura, passando a ser feita com barbatanas e materiais metálicos (BOUCHER, 2010).

essencial ao vestuário feminino. Ela era formada por arcos de aço flexível, como mostrada na Figura 1, substituindo ou somando-se às anáguas e diminuindo o peso da vestimenta feminina, (LAVER, 1989).

Figura 1 – Crinolina de armação, século XIX. Acervo do Museu Nacional do Traje de Lisboa.

Fonte: Museu Nacional do Traje de Lisboa (2010). Foto: Beatriz Albarez de Assunção, 2017, acervo particular.

O ápice da crinolina se deu na década de 1860, formando um círculo perfeito. A silhueta da mulher se assemelhava a um triângulo ou pirâmide, com a base reta – formada pela saia armada – cintura afinada pelos corpetes e chapéu na cabeça, completando a forma (LAVER, 1989).

A estrutura de armação demandava, consequentemente, grande quantidade de tecido para a confecção das saias. Köhler (2001) exemplifica que, em 1865, eram necessários de 8 a 10 metros de tecido9 para um vestido, sendo que essa quantidade era insuficiente se a saia tivesse nesgas10. Ele também relaciona a grande quantidade

9 Esta informação deve ser analisada com cautela, uma vez que o autor não especifica a largura do

tecido.

10 Recortes de tecido em formatos triangular, costurados geralmente em saias para aumentar sua

de adornos com a amplitude das saias, proporcionando espaço mais que suficiente para mais extravagâncias no vestir: os babados variavam de 25 a 30 centímetros ou de 50 a 60 (quando feitos de renda). A Figura 2 ilustra diferentes modelos de vestidos cujas saias são volumosas e adornadas com babados, em especial nos dois primeiros vestidos da esquerda para a direita (datados de 1850 e 1850-1860, respectivamente). A

Figura 3 também exemplifica o volume das saias, em um fashion plate francês de 1863.

Figura 2 – Vestuário ao longo do século XIX. Acervo do Museu Nacional do Traje de Lisboa.

Fonte: Museu Nacional do Traje de Lisboa (2010). Foto: Beatriz Albarez de Assunção, 2017, acervo particular.

Figura 3 – Exemplo de vestidos franceses em fashion plate, inverno de 1863.

Fonte: Claremont College Digital Library ([201-?]).

Os corpetes, em 1850, terminavam na altura da cintura, com basque11, separados da saia e com mangas amplas, que ao fim da década foram chamadas “bispo”, com decote fechado nos trajes para o dia (BOUCHER, 2010; WAUGH, 1968b). Waugh (1968b) também menciona os xales e outras peças utilizadas para cobrir o corpo nas atividades ao ar livre, recebendo diferentes nomenclaturas dependendo de sua forma, solta ou ajustada, e da ocasião de uso. Tantas eram as extravagâncias dos vestidos que, conforme comenta Laver (1989), a mulher era um navio que navegava a frente, enquanto o homem era um pequeno escaler que a seguia.

Em 1860, o corpete ainda possui elementos da década anterior, no entanto ficou ligeiramente mais reto na parte frontal, com basque se alongando apenas atrás (WAUGH, 1968b). Já nos anos seguintes, a crinolina começa a sofrer mudanças em sua estrutura, mais flexível, ficando mais reta na frente e fazendo volume somente no traseiro da saia, transformando-se em uma anquinha12 (como na Figura 4), a qual é

11 Uma extensão do corpinho abaixo da cintura, como uma saia (CALASIBETTA; TORTORA, 2003). 12 Essas anquinhas eram também chamadas de tournure, o termo pode ser aplicado para diferentes

tipos de anquinhas que dão volume na parte traseira da saia. No início dos anos 1870 se refere a “seis fileiras de crina de cavalo plissadas e montadas sobre uma base de chita, enrijecida com barbatanas, ligada à uma fita envolvendo a cintura e amarrada na frente” (CALASIBETTA; TORTORA, 2003, p. 464, tradução nossa). Ao longo dos anos ela sofre algumas variações, como no tipo fechamento, mas ainda é conhecida como tournure.

feita de sarja de algodão vermelho, armação e ilhós, tendo fechamento frontal por colchetes e ilhós de metal (MATRIZNET, 2010).

Figura 4 – Exemplo de anquinha de 1880. Acervo do Museu Nacional do Traje de Lisboa.

Fonte: Museu Nacional do Traje de Lisboa (2010). Foto: Beatriz Albarez de Assunção, 2017, acervo particular.

Na década de 1870, com a popularização da máquina de costura e tintas à base de anilina, o vestuário feminino ficou ainda mais extravagante, com maior gama de cores e estampas nos tecidos, além dos adornos em fitas e rendas já utilizados antes. O busto era bem modelado pelo corpete cuirasse13, que também afinava a cintura ao máximo, dificultando os movimentos das mulheres (BOUCHER, 2010; LAVER, 1989). As saias eram confeccionadas em diferentes tecidos, para contraste com o corpete, podendo ter sobressaias com drapeados, avolumadas pela anquinha – peças ilustradas na Figura 5, da coleção do Museu do Traje de Lisboa. A construção dessas peças era variada, como, por exemplo, a segunda peça (da esquerda para a direita) é de sarja de algodão, estruturada horizontalmente por quatro grupos de barbatanas de metal; enquanto que a terceira anquinha (também da esquerda para a direita) é de tafetá de algodão vermelho, estruturada por três molas de aço (MATRIZNET, 2010).

Figura 5 – Exemplos de anquinhas oitocentistas (com datas aproximadas) da esquerda para a direita: anquinha infantil, 1870-1880; anquinha de 1880; anquinha de 1880-1890. Acervo do Museu Nacional

do Traje de Lisboa.

Fonte: Museu Nacional do Traje de Lisboa (2010). Foto: Beatriz Albarez de Assunção, 2017, acervo particular.

Em 1880, ainda se vê o uso de tecidos lisos e estampados, assim como trajes em duas cores. A Figura 6 ilustra esse vestuário: as saias são bastante adornadas e possuem drapeados horizontais e volume na parte traseira. Nessa década, a cintura afina-se, as golas ficam altas, adornadas com rendas, e as mangas ganham volume conforme se aproxima do fim do século (LAVER, 1969).

Figura 6 – Vestuário francês em fashion plate, outono de 1882.

Os chapéus assumiram diferentes formatos entre as décadas de 1870 e 1880, passando de estreitos e pequenos para mais altos e colocados sobre a testa, não necessariamente encaixando na cabeça. Um outro tipo, redondo com abas, surgiu entre as mulheres mais jovens, sendo que a touca permaneceu como para uso interior e saídas de manhã (BOUCHER, 2010).

Em 1890, as anquinhas desapareceram, os vestidos ficaram lisos e as longas saias ganharam um formato de sino com uma cauda. As golas eram altas e adornadas com babados rendados e laços, e, até mesmo as anáguas, usadas por baixo das saias, receberam babados para ficar a mostra quando as saias fossem levantadas ao atravessar a rua (LAVER, 1989). Souza (1987) coloca a silhueta feminina na década de 1890 com base nas linhas da década de 1830, exceto pelas mangas amplas: a balão e a presunto (MAIA, 1907). Os chapéus se tornam grandes e extravagantes, completando o traje feminino do final do século (BOUCHER, 2010).

O século XX teve início com a silhueta feminina mais acentuada e leve: os corpinhos justos já não marcavam tanto a cintura como antes, as golas continuavam altas e as mangas eram soltas nos braços e justas no punho. Por sua vez, as saias marcavam os quadris e desciam até o chão em formato de sino, já diminuindo cada vez mais de comprimento. Nesse período, os chapéus são altos e adornados como na década anterior (BOUCHER, 2010; LAVER, 1989).

A Figura 7 apresenta uma síntese das transformações na silhueta e no vestuário feminino, em um contexto internacional, ao longo da segunda metade do século XIX e início do século XX.

Figura 7 – Moda feminina oitocentista em um cenário internacional, entre 1850 e 1910, baseado em

fashion plates.

Fonte: elaborado por Beatriz Albarez de Assunção, 2018, imagens baseadas em Claremont College Digital Library ([201-?]).