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Para melhor caracterizar o uso da fotografia, Kossoy (2002) separa a produção fotográfica no século XIX em dois tipos: 1) como representação social do indivíduo e família (retrato de estúdio, post mortem e retrato de adorno), com o intuito de registro para uso pessoal, muitas vezes trocado entre famílias e amigos, como recordações, principalmente com a popularização da fotografia pelos cartões de visita; 2) como meio de documentação e divulgação comercial, cultural ou estética, utilizada principalmente pelo governo para registro de obras de modernizações e por comerciantes, para divulgar seus estabelecimentos e serviços.

A fotografia como representação social do indivíduo foi basicamente impulsionada e intensificada pelos já comentados cartões de visita. Porém, para além de suas características estéticas, tiveram importante papel social e econômico, uma vez que permitiram a popularização de algo que só era possível através da pintura: a imortalização. Por um preço mais acessível que as pinturas, um maior número de pessoas passa a ter a oportunidade de ter seu retrato eternizado (KOSSOY, 2014).

Tal popularização, de início mais lenta devido aos preços dos daguerreotipo – mais baratos que a pintura, contudo ainda caros pela técnica – intensificou-se conforme o processo se aprimorava e os preços diminuíam. Um daguerreotipo no Rio de Janeiro, em 1842 custava 5$000, caindo para 4$000 em 1850 – o equivalente, aproximadamente, a três gravatas de cetim (KOSSOY, 2002). Em 1869, o cliente podia adquirir, pelo mesmo preço – ou por até 3$000, de acordo com Vasquez (2002) – uma dúzia de cartões de visita, as quais um operário podia pagar com o correspondente de um dia de trabalho (FABRIS, 1991; KOSSOY, 2002; VASQUEZ, 2002).

Ainda sobre os primeiros anos da daguerreotipia, o grande tempo de exposição levou os fotógrafos a procurarem soluções para problemas simples como olhos fechados, imagem tremida, devido a movimentações do cliente, entre outros. Vasquez (2002, p. 27) chama os estúdios fotográficos de uma “espécie de câmara de tortura”, pois alguns dos instrumentos que garantiam a estabilidade do cliente eram, também, utilizados como objetos hospitalares, como a forquilha, por exemplo, para segurar a cabeça em uma mesma posição, ilustradas na Figura 25. O autor cita, também, a expressão dos retratos da época como espantados ou muito sérios, pela preocupação e esforço em não piscar (VASQUEZ, 2002).

Figura 25 – Ilustração de suporte para corpo e cabeça, à esquerda, e apoio de cabeça em uso num estúdio fotográfico, à direita.

Por esses e outros pontos, pode-se dizer que os retratos oitocentistas eram como uma performance desempenhada diante da câmara segundo o status social do retratado (KOSSOY, 2002) – em conformidade com o que Fabris (1991) apresenta como teatralidade – nos quais os elementos da cena criada para o retrato são basicamente o vestuário e penteado, o mobiliário, fundo pintado e iluminação. Há o que Kossoy (2014, p. 122) chama de “relação de cumplicidade entre o fotógrafo e seus contratantes: os clientes, ou melhor dizendo, seus personagens”. É interessante o uso do termo “personagens”, enfatizando, mais uma vez, a teatralidade da pose no estúdio fotográfico.

O segundo tipo de produção fotográfica oitocentista, segundo Kossoy (2014) é a fotografia de documentação, que abrange, principalmente, as fotografias de vistas e paisagens. Partindo do pressuposto do testemunho visual de um fragmento do real visível, assim como os retratos, as fotografias de vistas, paisagens e ruas são parte desse tipo, não apenas em relação ao lugar fotografado, mas também quanto a todos os elementos nela presente, como costumes, relações, hábitos sociais e indumentária. Desde 1840 a fotografia de paisagem foi muito comum no Brasil, talvez pelo fato de que grande parte dos fotógrafos aqui estabelecidos fossem estrangeiros e a paisagem do país causasse curiosidade aos seus olhos criadores. Com o passar do tempo a paisagem construída pelo homem mesclava-se nas composições fotográficas – como na Figura 26, fotografia de Marc Ferrez – inspiradas pelo anseio do desenvolvimento urbano que aos poucos acontecia nas principais cidades e vilas brasileiras (FABRIS, 1991).

O Brasil império, vivendo em comparação constante com o estrangeiro, vê nas vistas um meio de propaganda e disseminação de um desenvolvimento urbano capaz de equiparar as cidades brasileiras – principalmente a capital, Rio de Janeiro – com grandes cidades europeias. A mescla entre o exótico e as vistas urbanas representaram diferentes aspectos do país que valorizaram uma visão burguesa construída do Brasil e que, assim, o levou para as Exposições Universais – como espaços públicos, ferrovias, fazendas de café (FABRIS, 1991).

Figura 26 – Visita do imperador Dom Pedro II à estrada de ferro que ligava Minas Gerais e o Rio de Janeiro, no Túnel da Mantiqueira. Marc Ferrez, 1882.

Fonte: Ferrez (1882). Acervo: Biblioteca Nacional.

Considerando tal cenário, as principais vistas urbanas foram feitas em cidades de importância política ou que possuíam algum tipo de beleza, em sua maioria capitais ou que contavam com “belas composições que expressam a convivência feliz entre construções e natureza” (FABRIS, 1991, p. 161). Como exemplos, pode-se citar Recife, Salvador e Ouro Preto, fotografadas por Marc Ferrez e Revert Henrique Klumb, principalmente. Klumb tem grande produção fotográfica do Rio de Janeiro (Figura 27), uma vez que era a capital do país e, portanto, com atividade urbana mais intensa e diferente das demais, assemelhando-se mais ao padrão europeu da época. São Paulo só irá receber atenção da fotografia de vista a partir da década de 1860, com Militão Augusto de Azevedo (Figura 28), que registrou o desenvolvimento da cidade até 1887 (FABRIS, 1991; KOSSOY, 2002).

Figura 27 – “Le Jardin Public: Avenue Prinçipale”, por Klumb, Rio de Janeiro, [ca. 1860].

Fonte: Klumb ([ca. 1860]). Acervo: Biblioteca Nacional.

Figura 28 – Rua da Imperatriz, por Militão Augusto de Azevedo, Álbum Comparativo da cidade de São Paulo 1862–1887, 1887.

5 UM ESTUDO DE VESTUÁRIO DO SÉCULO XIX BASEADO EM REGISTROS FOTOGRÁFICOS

Conforme estabelecido no objetivo principal do presente trabalho, este capítulo apresenta os registros fotográficos selecionados para o estudo de aspectos construtivos e estilísticos do vestuário, usado nas regiões de São Paulo e Rio de Janeiro, no Brasil oitocentista. São apresentadas, também, algumas informações introdutórias sobre cada registro, a fim de proporcionar um primeiro olhar ao material selecionado, e os critérios utilizados para as análises.

A pesquisa bibliográfica realizada previamente sobre a fotografia no Brasil oitocentista possibilitou estabelecer diretrizes para a busca de registros fotográficos, tanto em acervos físicos como digitais. Como resultado, foram encontradas mais de duzentas fotografias que se enquadravam no tipo de registro estabelecido para este estudo – fotografias de vista e/ou paisagem da segunda metade do século XIX que tivessem, em seu conteúdo visual, registro de pessoas e vestuário. Dessas, foram selecionadas 8 imagens, listadas no Quadro 1 em ordem cronológica, mais relevantes e interessantes para discussão. Considerou-se, também, além do assunto fotografado, a qualidade da imagem.

Quadro 1 – Relação das fotografias analisadas.

Fotografia Figura Data Fotógrafo Título

1 29 1860 Revert Henrique Klumb Avenue des Lapuí de la

China

2 46 1862 Militão Augusto de Azevedo

Fundo da chácara de Leonardo Loskieli 3 56 [18--] Revert Henrique Klumb Família Imperial em visita a quinta de Marino Procópio

de Ferreira

4 81 1889 Otto Hees Família Imperial em frente à casa da princesa Isabel e conde d’Eu

5 121 [189-] Juan Gutierrez e Marc Ferrez

Cais Pharoux e Mercado da Praia do Peixe 6 136 1897 Anônimo Manifestação popular na rua

Paulo Barbosa 7 154 1897 Anônimo frente ao antigo Hotel do Ciclistas veranistas, em

Comércio 8 174 [ca. 1902] Anônimo D. Emília de Paiva Meira Fonte: Elaborado por Beatriz Albarez de Assunção, 2018.

Assim, as oito fotografias selecionadas abrangem o período entre 1860 e 1902, nas regiões de São Paulo e Rio de Janeiro, com registros visuais de mulheres, homens e crianças. Nem todas as fotografias, porém, tem indicação do nome do fotógrafo ou do(s) fotografado(s). Além disso, algumas fotografias não são datadas precisamente. Nestes casos, a pesquisadora buscou trajes similares na bibliografia (considerando, também, o contexto histórico e social aparente) e, por comparação, estabeleceu uma década provável ao registro fotográfico.

Para os critérios do estudo, como já mencionado na seção de procedimentos metodológicos, são feitas análises de aspectos visuais (forma, silhueta, volume, caimento, composição com ornamentos e outros elementos), de modelagem e de sua relação sociocultural nos respectivos períodos dos registros. Foram considerados os elementos visuais de vestuário e acessórios presentes nos registros, suficientemente nítidos para fundamentar uma discussão acerca do que se vê. Ainda que o olhar esteja direcionado para o vestuário, não se excluem das análises outros elementos que compõem a cena retratada e que possam ser considerados complementos importantes para estabelecer, também, relações entre o indivíduo retratado, o vestuário, o ambiente e o momento histórico.