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Fotojornalismo: entre a notícia e a obra de arte

24 1– A notícia.

Desde o descobrimento da fotografia, dois ramos de uma mesma árvore se desenvolveram paralelamente: de um lado, aqueles que abraçam a nova técnica estão empenhados em estabelecê-la no mesmo patamar das artes clássicas, tentando fazer com que aquela esteja em paralelo com a pintura; de outro lado, aqueles que enxergaram nas possibilidades da câmera uma janela para conhecer e possuir o mundo, através do maior verismo possível.

No decorrer dos anos, com o desenvolvimento das técnicas fotográficas, a diminuição do tamanho da máquina e da aparelhagem necessária para a captação da imagem, bem como os avanços nas técnicas de impressão propiciaram a introdução da fotografia em publicações periódicas.53 Este é um processo paulatino, que se inicia na Europa e nos Estados Unidos com publicações como

Illustration (1843), surgida em Paris, e The Illustrated American (1890), nos Estados Unidos, até que

em 1904 o jornal britânico Daily Mirror se converte no primeiro, em todo mundo, a ser ilustrado exclusivamente com fotografias. Estas publicações, entre muitas outras, definiram as pautas do que virá a ser um dos grandes gêneros fotográficos: o fotojornalismo.

Na imprensa, a competição derivada da cobertura da Guerra Hispano-Americana (um guerra em que os jornalistas não se limitaram a reportar as notícias: fizeram notícias), a partir de 1898, vai insentivar as empresas jornalistas dos E.U.A a uma política de investimentos que alarga a utilização do halftone e promove definitivamente a fotografia ao estatuto de News Medium. 54

O ganho de credibilidade da fotografia em relação à realidade fará com que as imagens fotográficas sejam apreciadas, grosso modo, como provas fidedignas de acontecimentos noticiosos, chegando a criar uma relação indissociável entre elas e os mais reconhecidos jornais e revistas.

―Erich Salomon teve um papel importante na fundamentação do fotojornalismo, não só como fotógrafo, mas também como articulador das bases para a profissionalização. Em torno dele se reuniam vários fotógrafos trabalhando em regime de 'free lancer'. Nessa época as fotos publicadas em grande parte da imprensa alemã já traziam os créditos do autor. O fotojornalista ganhava individualidade e um papel social definido (...). Assume-se que a imagem fotográfica é construída segundo uma estruturação ideológica explícita. A grande imprensa passa, então, a se utilizar cada vez mais da fotografia, respaldando suas manipulações ideológicas na pretensa imparcialidade da imagem fotográfica.‖ 55

A América Latina incorporará, gradualmente, este processo de reformulação do papel da

53 Depois de várias experiências de diversos inventores, em julho de 1871 o jornal sueco Nordisk Boktryckeri Tidning publicou uma fotografia impressa conjuntamente com o texto, graças a uma impressão em halftone com uma trama de linha. Carl Carlemam, o inventor do processo (que será usado, depois na imprensa de outros países, como na revista francesa Le Monde Illustré a partir de 10 de março de 1877) sublinhou que seria somente dessa forma que a fotografia poderia penetrar massivamente no publico e tornar-se o meio mais poderoso para elevar culturalmente a humanidade. SOUZA, Jorge Pedro. Op. Cit. (2004). Pág. 42.

54 SOUZA, Jorge Pedro. IDEM. Pág. 46. 55 SOUZA Jorge Pedro. IDEM. Pág. 101.

25 imagem fotográfica como novo meio de comunicação de massas.

―A primeira reprodução fotográfica a meio tom apareceu em 4 de março de 1880 no New York Daily Graphic. Em Cuba isso ocorreu três anos mais tarde, em 25 de março de 1883, na revista El Museo, onde foi publicado o retrato do advogado Don Nicolás Azcárate (1828-1894) devido à perícia técnica de Pereira e Taveira. Entre as primeiras publicações periódicas cubanas com serviço fotográfico destaca-se El Fígaro (1885-1929), na qual foi reportada com grande número de imagens a visita da Infanta Eulalia de Bourbon a Havana em 1892, dentre outros fatos relevantes.‖ (tradução livre). 56

No caso específico do Brasil, a fotografia será introduzida gradualmente nas páginas de publicações como a Revista da Semana, Ilustração Brasileira e Kosmos.

―A fotografia na imprensa brasileira surgiu no início do século: Revista da Semana em 1900, Ilustração Brasileira em 1901 e Kosmos em 1904. Junto a essa fotografia de reportagem incipiente apareceram as primeiras fotos de publicidade ligadas ao crescimento do mercado interno e à estruturação do setor terciário da nossa economia. Nossos primeiros repórteres fotográficos eram provenientes das classes populares, pessoas sem formação e com instrumental técnico inadequado à sua atividade. Durante quarenta anos essa foi a realidade da fotografia de imprensa no Brasil. A situação só se modificou a partir da reformulação da revista O Cruzeiro, na década de 40, o que modificou definitivamente o estatuto social do fotógrafo de reportagem.‖ 57

Efetivamente, será somente a partir da década de 40 que o fotojornalismo, como gênero essencial da fotografia, passará a ocupar um lugar de destaque no universo nacional brasileiro, ainda que de modo incipiente, coincidindo com o inicio do processo de especialização dos fotógrafos de imprensa. Esses primeiros fotógrafos 'profissionais', começaram a disputar espaços com os autores dos clubes fotográficos como o Photo Club Brasileiro, fundado no Rio de Janeiro em 1923, e o Foto Clube Bandeirante, fundado em São Paulo em 1939 e posteriormente conhecido como Escola Paulista. Os foto-clubistas seguidores da corrente do pictorialismo viam na fotografia uma possibilidade de expressão de suas inquietudes artísticas, um hobby para as horas vagas do qual não dependia seu sustento na vida e na sociedade; ainda que de reconhecido valor, as obras dos integrantes deste tipo de organização serão eclipsadas pelos novos fotojornalistas.

―A revista semanal O Cruzeiro foi a mais importante contribuição para o fotojornalismo brasileiro e para a construção da imagem de um país moderno e sintonizado com a informação internacional e os avanços tecnológicos. De circulação nacional, seu período áureo aconteceu entre 1944 e 1962. A chegada do fotógrafo francês Jean Manzon (1915-90), da revista francesa Paris Match, em 1944, coincidiu com a formação de um grupo de fotógrafos brasileiros, influenciados pelas revistas ilustradas estrangeiras e sintonizados com o movimento fotográfico internacional.58 José Medeiros, Marcel Gautherot, Pierre Verger, Ed Keffel, Luciano Carneiro, Luiz

56 VALLE, Rufino Del. Opus Habana. Vol. VIII, No. 3, 2004-2005, sexta-feira, 03 de março de 2006. Pág. 41. No original: ―La primera reproducción fotográfica a medio tono apareció en el 4 de marzo de 1880 en el New York Daily

Graphic. En Cuba tuvo lugar tres años más tarde, el 25 de marzo de 1883, en la revista El Museo, donde se publicó el

retrato del abogado Don Nicolás Azcárate (1828-1894) gracias al concurso técnico de Pereira y Taveira. Entre las primeras publicaciones periódicas cubanas con servicio fotográfico sobresalió El Fígaro (1885-1929), en la que se reportó con gran despliegue de imágenes la visita de la Infanta Eulalia de Borbón a La Habana en 1892, entre otros hechos relevantes.‖

57

Idem. Pág. 103.

58 Em 1947 se publica pela primeira vez a revista Íris, a mais antiga revista de fotografia do Brasil em atividade até 1998. Foi fundada pelo austríaco Hans Korangi.

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Carlos Barreto, Indalécio Wanderley, Peter Scheier, Flávio Damm, entre outros, transformaram a revista O

Cruzeiro na mais surpreendente experiência da fotografia brasileira documental. Suas reportagens, baseadas no

estilo das estrangeiras Life e Paris Match, abriram espaços generosos para a fotografia, que passa a ser a principal informação da revista, iniciando uma narrativa visual inédita para as publicações nacionais até então.‖ 59

Em Cuba a fotografia irá se integrando harmonicamente com as publicações periódicas, que se multiplicam com a chegada do século XX. Ainda que fortemente inclinado ao pictorialismo, o movimento foto-clubista terá seus ecos no “Club fotográfico de Cuba” (1939), fundado em Havana, e no “Club Fotográfico de Santiago de Cuba” (1947). Ambas as organizações aportaram às publicações periódicas da Ilha importantes colaboradores, dentre os quais podemos mencionar: José Gonzáles Álvarez, conhecido como Tito Álvarez (1916- 2002), Rafael Pegudo Gallardo (1899), Joaquín Blez Marcé e Tomás Padró Álvarez (1900-1975).

―O desenvolvimento e crescimento da capital do país traz consigo novas exigências para os criadores da lente. A partir da década de 50 prolifera a chamada fotografia social, aquela encarregada de informar a população dos eventos importantes da sociedade de seu tempo. A fotografia documental, a de moda e a fotografia publicitária cobrem as páginas de múltiplas e diversas publicações como as revistas Bohemia, Carteles e o periódico Diario de

la Marina, entre muitas outras. Esta etapa também esteve marcada pela aproximação de figuras que serão

consideradas na seguinte década como os mestres da fotografia cubana.‖ (tradução livre). 60

A segunda metade do século XX apresenta-se como um período de convulsivas mudanças no contexto universal, onde inúmeras nações se vêem envolvidas em enfrentamentos que incorporam vários setores da população – pode-se dizer que é um período de grandes tensões sociais onde a consciência cidadã se manifesta através de diversas lutas e organizações na procura de reivindicações político-sociais das mais variadas índoles. O mundo terá sua imagem refletida como em nenhuma outra etapa da história da humanidade através da fotografia, numa sucessão de fatos que se acumulam um atrás do outro, ligados ou não entre si, despertando em si tanto uma nova forma de pensamento que se aproxima das desconformidades de tipo social, assim como uma consciência do poder transformador da imagem que nunca havia sido vista. Os fotógrafos estarão ali para compartilhar com o mundo seus olhares, ficarão para sempre na memória: A 1ª grande mobilização do movimento estudantil nos EUA na Universidade de Califórnia em Berkeley, em 1964-1965, lutando pelo direito de organizar atividades políticas no campus; a tomada da Sorbonne em Paris pelos estudantes, em 1968, na luta pela liderança

59 FERNANDES J., Rubens: Op. Cit. 2004. Pág. 143.

60 VILLARES Ferrer, Monica. ―Fotografia cubana, Paisaje en los inicios del siglo XXI‖. Tese de licenciatura em História da Arte, Univeridad de Oriente, Cuba. 2005. Pág. 25. No original: ―El desarrollo y crecimiento de la capital del país trae consigo nuevas exigencias para los creadores del lente. A partir de la década del 50 prolifera la llamada fotografía social, aquella encargada de informar a la población eventos importantes de la sociedad de su tiempo. La fotografía documental, de moda y la fotografía publicitaria cubren las páginas de múltiples y diversas publicaciones como las revistas Bohemia, Carteles y el periódico Diario de la Marina entre muchas otras. Dicha etapa también estuvo marcada por el acercamiento de figuras a la creación que serían considerados en la siguiente década, los maestros de la fotografía cubana.‖

27 nas decisões dentro de sua alma mater e na sociedade, seguida pelos enfrentamentos entre os estudantes e os policiais em vários países do globo, como Egito e Senegal, aonde se chega a decretar Estado de Sítio; as ocupações de universidades como nas cidades espanholas de Madri, Bilbao, Barcelona e Sevilha; O rosto de Mao Tsé Tung levado adiante pelos seguidores da Revolução Cultural na China em 1965-66; a Primavera de Praga e o excesso de poder da URSS contra a Checoslováquia em 1968; os assassinatos de John F. Kennedy (1963) e de Martin Luther King Jr. (1968); a luta pelos direitos das minorias negras nos Estados Unidos; as manifestações em oposição à Guerra do Vietnã; a violência exercida pelos governos em nome da luta contra o perigo da mareia vermelha do comunismo e a instauração de ditaduras por toda a América Latina, como o Golpe de Estado na Argentina em 1966, o quarto governo militar na América do Sul que determinou a época dourada do renascer do fotojornalismo como gênero dominante na fotografia do decênio.

―Só a partir dos anos 60 é que a fotografia evoluirá, com maior pujança, por um lado, para a polissemia e por outro, embora não necessariamente dissociado, para a análise, o comentário, o que se consubstancia na tomada decidida de posição entre o ―justo‖ e o ―injusto‖, o ―certo‖ e o ―errado‖, o ―mal‖ e o ―bem‖, como é particularmente visível em McCullin. A honestidade começará, nos anos sessenta, a contrapor-se à objetividade. A foto ―começará a ver‖.61

Este breve percurso histórico serve como pequeno preâmbulo para iniciar nossa aproximação ao fotojornalismo desenvolvido em Cuba e no Brasil na década de 60 no âmbito do que o especialista no tema Jorge Pedro Souza, têm qualificado como a renovação do fotojornalismo.

―Depois dos anos sessenta, senda do Novo Jornalismo e das inovações trazidas por fotógrafos como Frank, vários autores tentaram mostrar que, no campo da semiótica e da epistemologia, uma imagem fotográfica seria sempre subjetiva por natureza, como foi o caso de Susan Sontag (...). A autora chama a atenção para que a escolha de variáveis como o ângulo e o plano de abordagem já implicam escolhas subjetivas que, neste sentido, tornam a fotografia num instrumento de interpretação do mundo (...). É precisamente na altura da Guerra do Vietnã, há vinte anos, que se opera o que designamos como segunda revolução no fotojornalismo.‖ 62

Nossas análises nas páginas seguintes estarão norteadas pelas idéias que regem o fotojornalismo como gênero fotográfico, estabelecendo relações ao longo de nosso discurso entre as produções de Cuba e do Brasil com a realidade político-social em que as mesmas se desenvolvem, assim como pela tentativa de explorar suas possíveis relações com o contexto internacional e com outras produções dentro e fora do período.

61 SOUZA, Jorge Pedro. Op. Cit. Pág. 83. 62 SOUZA, Jorge Pedro. IDEM. Pág. 150-152.

28 1.2 - Um olhar reflexivo sobre a Épica Revolucionária.

―Na vida quotidiana as nossas ações não nos aparecem como momentos de triunfo ou derrota, mas como acidentais e fragmentárias expressões de existência. Só o artista é capaz de sentir e revelar o sentido humano destes fenômenos isolados que, vistos em conjunto e unanimemente, atingem uma dimensão épica insuspeita. A arte deposita no receptor sua heroicidade inerte.‖ 63

A Revolução Cubana teve na fotografia o melhor veículo para sua divulgação e confirmação, não só dentro da Ilha, mas, também, perante os olhos da opinião pública internacional. A derrota da ditadura de Batista, em 1º de Janeiro de 1959, deu lugar ao desenvolvimento de um processo vertiginoso de mudanças, em que a fotografia terá um papel fundamental, um fenômeno que será conhecido posteriormente pela historiografia como 'Épica Revolucionaria', em referência à fotografia desenvolvida em Cuba a partir de 1959 e que se estende aproximadamente até 1970.

Do ponto de vista dos aspectos formais, a Épica Revolucionária pode ser catalogada dentro do gênero Fotografia documental. O conceito de fotojornalismo, considerado por alguns especialistas como um subgênero deste, será utilizado por nós em nossa análise crítica das obras, dentro de seu contexto histórico. Levando em conta o desenvolvimento de tal conceito, a partir das mais recentes publicações sobre o tema, nossa perspectiva terá como principal objetivo determinar as relações entre a fotografia Épica e o início de um processo político ditatorial.

―Fotojornalismo (lato sensu) (...) [é a] atividade de realização de fotografias informativas, interpretativas, documentais ou ―ilustrativas‖ para a imprensa ou outros projetos editoriais ligados à produção de informação de atualidade. Neste sentido, a atividade caracteriza-se mais pela finalidade, pela intenção, e não tanto pelo produto; este pode estender-se das spot news (fotografias únicas que condensam uma representação de um acontecimento e um significado) às reportagens mais elaboradas e planeadas, do fotodocumentarismo às fotos ―ilustrativas‖e às

feature photos (fotografias de situações peculiares encontradas pelos fotógrafos em suas deambulações). Assim,

num sentido lato podemos usar a designação fotojornalismo para denominar também o fotodocumentarismo e algumas fotos ilustrativas que se publicam na imprensa.

Fotojornalismo (stricto sensu) (...) [é a] atividade que pode visar informar, contextualizar, oferecer conhecimento, formar, esclarecer ou marcar pontos de vista (―opinar‖) através da fotografia de acontecimentos e da cobertura de assuntos de interesse jornalístico. ―Este interesse pode variar de um para outro órgão de comunicação social e não tem necessariamente a ver com os critérios de noticiabilidade dominantes.‖ 64

Levando em conta estas definições, podemos dizer que nosso interesse se centra nas obras realizadas sob os critérios do fotojornalismo dentro do marco de uma cobertura noticiosa, mesmo quando as imagens não respondam à captura do 'fato jornalístico', em seu sentido estrito. Como já foi

63 D´ALÉSSIO Ferrara, Lucrecia. A estratégia dos signos. São Paulo: Perspectiva, (2ª edição) 1986. Pág. 35. 64 SOUZA, Jorge Pedro. Op. Cit. (2004). Pág. 12.

29 dito, a Épica Revolucionaria tem como fonte de inspiração os fatos e personagens principais do processo revolucionário cubano em seus inícios, o qual determina o forte caráter nacionalista desta produção. Trata-se, por assim dizer, de tirar do abstrato, para o povo, os rostos de seus novos líderes- heróis, de converter estes em algo mais do que nomes. Tendo em conta que o primeiro perceptor- destinatário destas obras era, na sua grande maioria, analfabeto, o poder da imagem é sobre- dimensionado, tomando conta dos meios de comunicação impressa, através de revistas e jornais. As obras possuem um caráter anedótico e significam a confirmação de fatos da realidade. São ao mesmo tempo obras de arte e documentos históricos, através dos quais se pode narrar à história da nação. A fotografia converteu-se, deste modo, na maneira mais rápida, simples e eficaz de comunicação, e a imprensa em seu canal de distribuição.

―Parece mais fácil acreditar numa imagem de pessoa do que em idéias abstratas. A imagem identifica uma individualidade, alguém que personifica as idéias. Aparentemente os povos precisam dessas imagens para ‗conhecer‘ aqueles que se propõem a conduzir seus destinos, a construir um mundo melhor, aqui ou além ou, simplesmente, para iludi-los. O rosto identifica uma pessoa e evoca seu modo de ser, sua personalidade e, eventualmente suas idéias.‖ 65

No entanto, é importante assinalar que a produção Épica não se direciona exclusivamente ao povo cubano, mas, como tínhamos mencionado, se dirige também à opinião pública internacional. A linguagem empregada pelos artistas condiz com uma intencionalidade abarcadora, que terá como resultado a identificação de muitas outras pessoas ao redor do mundo com o resultado fotográfico. A estética das obras se inclui dentro do desenvolvimento do fotojornalismo ocidental, no que se refere ao valor da imagem fotográfica de âmbito noticioso, em que a mesma não se apresenta como mera ilustração da escrita, mas revela uma eloqüência própria, que se complementa com o texto, garantindo a máxima eficiência na comunicação. O papel desempenhado pela opinião pública internacional no processo revolucionário cubano é fundamental. Estas fotografias coadjuvam a legitimação do novo governo no poder, reafirmam o apoio das massas ao mesmo, e garantem as bases para a futura condenação de qualquer ato interventor dentro do país. Tais imagens se tornarão, em breve, bandeiras da luta social ao redor do mundo. ―Na sociedade do espetáculo, como a denomina Guy Debord, as

grandes demonstrações de descontentamento só ganham sentido se ganharem os olhos e emoções dos cidadãos que possam convertê-las em reivindicação política.‖ 66

Os criadores que formam parte da Épica são muitos e o nível de suas obras tem promovido o interesse de numerosos pesquisadores ao redor do mundo. No entanto, visando em nossa pesquisa um

65 KUBRUSLY, Cláudio. O que é fotografia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2005. Pág. 35.

30 objetivo mais abrangente, que se estende além por três décadas, e as complexas ligações entre as obras e o período em si, selecionamos doze obras de dois autores, considerados tanto pela historiografia, quanto pela crítica, como as mais importantes figuras dentro da Épica. Referimo-nos, em primeiro lugar, a Alberto Díaz Gutiérrez (Korda), o mais reconhecido fotógrafo cubano em nível internacional, imortalizado para a história do meio como o criador do 'Guerrillero Heróico' ou retrato do Che. O segundo escolhido para nosso estudo é Raúl Corrales, conhecido como o fotógrafo oficial de Fidel Castro, cuja obra está marcada pela perspectiva de um caçador de imagens e defensor da fotografia jornalística do mais alto nível estético. A seleção das obras de ambos os fotógrafos está determinada por sua grande qualidade estética e pela estreita relação das mesmas com os eventos históricos ocorridos nos primeiros anos do processo revolucionário, assim como pela proximidade de ambos os artistas com os principais líderes da Revolução e a vinculação daqueles com os meios de comunicação de massa, através da imprensa e outras publicações periódicas.

Alberto Díaz, que logo se autodenominará Korda, apelido que se converterá em sua assinatura,

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