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FOUCAULT, Michel La verdad y las formas jurídicas Barcelona: Gedisa, 1978 p.14.

A METODOLOGIA DA PESQUISA

31 FOUCAULT, Michel La verdad y las formas jurídicas Barcelona: Gedisa, 1978 p.14.

continuidade entre conhecimento e coisas (ruptura com a teologia ou com o princípio divino que garantia a harmonia nesta relação) ou numa continuidade entre conhecimento e instinto ( ruptura com o cartesianismo ou com princípio do sujeito soberano e uno assegurada pela sintonia entre desejo de saber e saber). Rompe-se com a idéia de naturalidade e harmonia na relação homem-coisa a conhecer, para uma visão de violação e dominação (maldade radical do conhecimento) como sendo o núcleo desta relação, ou seja, o impulso que está na raiz do conhecimento e de sua produção é o de “destruição” do objeto. A construção de um objeto é também a sua violação enquanto coisa posta à conhecer.

Destruição e construção - destruindo-se o mistério do dado real constrói-se o dado artificial do saber -, mentira arrogante de tornar verdade uma invenção imperfeita, urdida na violação do objeto e com um início pequeno e inconfessável. Verdade que tenta ocultar sua precariedade, ser artifício e invenção, e também sua força, ser criadora de subjetividades.

Com este rápido diálogo entre Foucault e Nietzsche pretendeu-se introduzir uma das mais importantes referencias de um processo de pesquisa, a postura teórico-metodológica do pesquisador.

O percurso adotado pelo pesquisador, suas estratégias e modos de confrontação com o objeto de estudo são elementos que constituem a metodologia científica. Não basta apresentar o produto de um trabalho científico, em termos de conhecimento novo, novas abordagens e problemáticas de uma tema ou saber em permanente construção; é preciso dizer como se chegou àquele produto, sob que bases se deu o processo de pesquisa e qual foi o papel do pesquisador no mesmo.

Assim como não foi livre de intenções iniciar este capítulo com um ponto provocante de reflexão, qual seja, o da própria idéia de verdade, conhecimento e da relação do homem com o real, o propósito de tornar claros alguns fundamentos da postura teórico-metodológica adotada neste estudo faz com que seja destinado um especial momento para a explicitação destes mesmos fundamentos.

O que efetivamente sucumbiu às explosões sucessivas dos quanta, da relatividade, das relações de incerteza, do renascimento do problema cosmológico, do indecidível matemático, não são simplesmente concepções específicas determinadas, mas a orientação, o programa e o ideal da ciência galileana, no fundamento da atividade científica e no cume de sua ideologia durante três séculos: o programa de um saber constituindo seu objeto como processo em si independente do sujeito, reconhecível num referencial espaço- temporal válido para todos e privado de mistério, determinável em categorias indiscutíveis e unívocas (identidade, substância, causalidade), exprimível, enfim, numa linguagem matemática de poder ilimitado, da qual nem a pré-adaptação miraculosa ao objeto nem a coerência interna pareciam causar problema.32

Desta discussão de Castoriadis podem ser extraídos alguns dos eixos fundamentais de uma explicitação metodológica: a constituição do objeto, a determinação de categorias filosóficas e a linguagem de expressão do conhecimento. Assim, serão abordados três aspectos que conformam a postura teórico-metodológica desta pesquisa, são eles: a relação sujeito-objeto; as categorias teóricas e a linguagem científica e, ainda, subjacente a estes dois pontos, a noção de processualidade da pesquisa.

Estes pressupostos mais genéricos constituem o arcabouço epistemológico que sustenta todas as outras decisões, de caráter mais operacional ou estratégico. Deste modo, o enfrentamento das dificuldades inerentes à elaboração de um instrumental adequado à novidade desta proposta, mais do que nunca determina a relevância da explicitação de uma postura teórico-metodológica que não deixe perder o ideal projetado. Os princípios que sintetizam esta postura, embora nunca se revelem suficientes e definitivos, podem ser expressos como a seguir.

A relação sujeito-objeto: “A ciência trabalha com uma realidade construída”.33

Demo, apontando para um erro comum no pensamento científico, a confusão entre o plano da lógica (o que se pensa) e o plano da ontologia (a realidade pensada), aceita a idéia de que “a ciência trabalha com uma realidade construída” ou que “a realidade científica é simplesmente o mundo que a ciência

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se imagina.

Esta posição, longe de tentar simplificar a realidade, concebe-a em sua complexidade, sobre a qual as áreas de conhecimento e disciplinas estabelecem diversos recortes ou maneiras de conhecer, ou seja, constroem objetos diversos, de acordo com sua capacidade e tradição de “olhar” para esta realidade. Além disso, o pressuposto da construção do objeto ou da realidade construída se contrapõe tanto ao objetivismo empirista que defende o primado do dado que impõe-se ao sujeito, quanto ao relativismo subjetivista que dá total supremacia ao sujeito sobre o objeto.

A fantasmagoria do “Grande objeto” e do “Sujeito Puro” é criticada por Chauí35, numa perspectiva merleau-pontyana, como atitudes da ciência e da filosofia de desqualificação do mistério da realidade e de sua posse intelectual condicionada ao “cativeiro do mundo na identidade do costumeiro”:

A ciência começa por afastar das coisas tudo quanto lhes advenha por seu contato conosco - é a condição para que haja o Grande Objeto do qual, com o avanço das pesquisas, seremos uma parcela. A filosofia começa por nos afastar de tudo quanto nos advenha do contato com as coisas - é a condição para que reine o Sujeito Puro do qual, com o avanço da análise, as coisas serão uma parcela. Mais do que uma catarse, ciência e filosofia realizam um assepsia do mundo, encapsulando-o no objeto ou na redoma do sujeito. 36

33 DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo:Atlas, 1985. p. 18. 34 Ibidem, p.20.

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