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Na vida e no trabalho o mais interessante é converter-se em algo que não se era a

princípio. Se é sabido, ao com eçar um

livro, o que se ia dizer ao final, crê você que se teria valor para escrevê-lo? O que é verdade dos escritos e da relação am orosa tam bém é verdade da vida. O jo g o vale a pena na medida que não se sabe com o vai te rm in a r126

Os deuses do Olimpo foram convidados a abrir este estudo e a circularem pelos espaços do trabalho em saúde. Neste mundo humano situaram territórios imaginários e mostraram seus domínios. Domínios sutis e difusos, embrenhados uns nos outros, revelados em gesto e ato, reservados em pensamento e afeto silencioso. Estes deuses esqueceram-se de seu estatuto divino e humanizaram-se frente a dor e finitude da existência terrena. A doença e a morte, a existência humana em si, desafiou todos as atributos divinos a neste mundo permanecerem. Os olímpicos nunca resistiram a um desafio e , logo eles, tão afeitos a todas as qualidades e limitações humanas, reassumem seus papéis de simbolicamente representar e encarnar o destino mesmo deste homem.

Agora são estes homens trabalhadores que são convidados a imaginariamente ausentarem-se do mundo do trabalho e a ele regressarem como estranhos alienígenas. Com este olhar de espanto e estranheza tentam compreender os personagens que se mostram. Neste momento, são reconhecidas, também, as “míticas entidades” revividas em histórias e fragmentos do cotidiano do trabalho.

Prometeu, simbolizando a abnegação, o esforço, a persistência e a boa vontade é o primeiro a se mostrar:

126 FOUCAULT, Michel. Tecnologias del yo y otros textos afines. Barcelona: Paidós Ibérica, 1990. p.

“São uns loucos... seres com a pretensão de ajudar os outros nas suas existências. Lidam com a pobreza, o sofrimento, os limites desta vida; sentem isso bem de perto e pensam que podem ajudar em alguma coisa. Não é a toa, por acaso, que alguém escolhe este caminho". (Mercúrio)

"... alguns trabalhadores são abnegados. Eles fazem coisas até a mais do que deveriam fazer, para pelo menos fazer uma coisa boa para a população [...] tiram leite de pedra..." (Ônfale)

“Não entendi nada do que eles fazem. Estão lá ajudando os doentes, procurando ajudar. São pessoas que estão ali para ajudar.” (Tália)

“É aquele que se doa para seu próximo [...] escolheu trabalhar diretamente com outra pessoa, sendo que esse próximo vai depender totalmente da capacidade que ele tenha para ajudar [...] é a pessoa que se veste para ajudar.” (Esfinge)

“Eu diria que essas pessoas são muito corajosas e têm um coração suficiente para trabalhar com as pessoas doentes. É, coragem e bom coração.” (Telêmaco)

“Pessoas que tentam se doar e que o país não dá condições [...] querem perder o seu tempo com o paciente, mas a coisa não dá, deixa tudo mecânico [...] elas ficam aflitas, a gente vê no olhar... porque querem fazer algo...” (Electra)

Apoio e Atena têm suas lições de beleza/sabedoria/perfeição e razão/justiça/estratégia relativizadas pela face da frieza e da dúvida sobre certas fraquezas que os homens mascaram sob o digno perfil destes deuses:

“Outros são indiferentes, não demonstram aversão nem prazer de estar fazendo aquilo, mas estão lá e desempenham sua atividade, fazem o que tem de fazer..." (Marte)

“Esses olhos só enxergam algumas coisas... porque têm um objetivo. O outro lado é ignorado... se toma rotineiro epassa desapercebido.” (Menelau)

“É uma coisa limpa, organizada... até mais desumana [...] Gostaria de ter as duas coisas, um equilíbrio entre eficiência e qualidade com carinho e conforto..." (Eurídice)

“Eles estão fazendo experiência, eles estão testando [...] não estão chegando a lugar nenhum. Vão continuar ali... com a impressão de serem felizes [...] muita busca e muita frieza por causa da busca. Muita estampa. Poucos transmitem sinceridade, firmeza no que estão fazendo... captei muita frieza, tudo automático [...] todo mundo entende tudo e ninguém faz coisa nenhuma.” (Níobe)

“Tentam traçar um rigor de conduta ou de performance, até de vestimentas, que atrapalha o convívio das pessoas... se mantêm num ambiente muito estruturado, de uma maneira desfa vorá vel às pessoas... ” (Minos)

Também se mostra o mito de Sísifo, o carregador de pedra, seja pelo seu trabalho, nem sempre inútil, mas extenuante, repetitivo e penoso, que tenta impor à “pedra” a vontade humana e se faz prisioneiro dessa vontade; seja pela sua associação a um ritmo natural e infatigável, como as marés ou torrentes que nunca deixam de se movimentar, de jorrar, de ir e vir, ativa e despertamente, mas sem jamais ultrapassar as margens 127:

“Ficam perdendo tempo desse jeito... a raça fica assim esperando dias melhores [...] não sei se adianta essa luta toda. Eu boto fé nela, eu penso que adianta [...] mas é tão contra a maré [...] Eu vou ficar aqui até me acabar, vamos fazer o quê ?” ( Mercúrio)

“Por isso estão aqui, por necessidade, por opção. Em outros ambientes vão entrar num círculo vicioso de tristezas e frustrações e achar que embora existam coisas boas, elas não são boas e são ruins e mais ruins ainda." (Minos)

“São pessoas agitadas, preocupadas... vivem correndo, preocupação em fazer as coisas, tudo no seu horário, sempre com reloginho. O reloginho não pode faltar.” (Tétis)

“São trabalhadores estressados [...] Quando você olha para as pessoas... tá todo mundo pedindo água... é uma luta.” (Afrodite)

“São pessoas às vezes cansadas... outras vezes se mostram muito pequeninos, que se limitam mesmo, limitam a si e as coisas que estão vendo, porque estão enxergando muito pouco [...] Fazem um arcabouço de dificuldade, eu não sei se é para se supervalorizarem ou por uma fragilidade. ” (teste)

Mas talvez o que mais se vislumbra seja a diversidade, o caótico universo de sentimentos e movimentos humanos que não esconde seus defeitos e suas virtudes. Assim, como numa conflitante relação entre múltiplos mitos, numa dionisíaca mutação, o trabalhador fala de si como se não fosse ele próprio:

127 Sobre a metáfora do mito de Sísifo na discussão do trabalho da Enfermagem ver: REZENDE, A. L. M. de.

O mito da abnegação e do sofrimento no trabalho da enfermagem. In: Jornada mineira de Enfermagem,

“As pessoas são alegres, o lugar é diferente, é estranho, meio bagunçado; as pessoas dizem coisas que nem sabem o que são... só que o trabalho delas é bonito, é legal." (Têmis)

“Pessoas extremamente tristes, frustradas e pessoas alegres, contentes e realizadas no que estão fazendo [...] O doente precisa de uma pessoa alegre e disponível e não alguém tão doente quanto ele.” (Minos)

“Pessoas que apesar de tudo gostam do que fazem [...] a maioria do pessoal é super legal." (Ônfale)

‘Tem de tudo dentro do posto de saúde... os mal-humorados, os que estão ali obrigados, outros felizes, que gostam e se dedicam, os tristes, os realizados e os não realizados... tem de tudo um pouco.” (Marte)

“São pessoas que além de gostarem de si mesmas, gostam muito dos outros, numa totalidade. ” (Esfinge)

Algumas pessoas não são preparadas [...] cada indivíduo é um ser à parte.” (Menelau)

Com certeza o “passeio” pelos terrenos desabitados e interditados dentro de cada trabalhador e o retorno aos caminhos trilhados diariamente nas rotas estabelecidas do trabalho só ganha sentido como anúncio da possibilidade de escolha e construção de outros rumos e do próprio destino. Talvez por isso os deuses prefiram continuar encarnados em homens, pois no Olimpo não podem fugir de seu destinos nem sonhar outros sonhos.

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