• Nenhum resultado encontrado

A FRAGILIDADE DO ESTADO NACIONAL BRASILEIRO NO COMBATE À EXCLUSAO

4.1. A constitucionalização dos direitos sociais e seu caráter programático

Em nossos dias, as idéias acerca do neoconstitucionalismo passaram a incentivar as tomadas de decisões políticas através de um número acentuado de manifestações do Poder Judiciário (o papel do Judiciário ao lado da sociedade realizando a implementação da efetividade das normas constitucionais) e, neste sentido, a busca de declarações jurídicas às cobranças advindas da moderna sociedade tem difundido uma perspectiva bastante realista de proteção aos direitos humanos dos excluídos, aliás, o que em certa medida tem afastado a ultrapassada idéia de dirigismo estatal, evoluindo à faceta de dirigismo comunitário dentro daquilo que Bulos1 (2003) chama de constitucionalismo globalizado, apontando que este

totalitarismo constitucional2, que se manifesta no neoconstitucionalismo contemporâneo, sedimenta um importante conteúdo social (ainda que estabelecendo normas programáticas) acentuadamente destacado na Constituição Federal de 1.988.

Como vimos anteriormente, tanto a produção legislativa, como a complementaridade pela via das políticas públicas, vêm preenchendo espaços normativos abertos, com vistas a se alcançar efetividade na proteção dos excluídos. Poderíamos, portanto, classificar esta locupletação da norma por meio de normas-objetivo (outras leis ou mudanças na própria lei) e

normas-programáticas (inclusive políticas), assim chamadas devido à reduzida abstração e generalidade dadas às primeiras. Desafortunadamente, existem também leis positivadas,

inclusive proposições constitucionais, que padecem destas deficiências. José Afonso da Silva3 (s.d.), neste sentido, nos informa que estas normas declamadas por programáticas:

seriam aquelas que em vez de regular direta e imediatamente determinados interesses, limitou-se a lhes traçar os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos) como programas das respectivas atividades, visando a realização dos fins sociais do Estado.

1 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, 5ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2003,

pág. 16.

2 Ibid. pág. 18.

3 AFONSO DA SILVA, José apud BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas

públicas para a concretização dos direitos humanos. São Paulo: Caderno Polis, nº 02, 2001. Citação encontrada a pág. 11.

Portanto, normas programáticas definem fins a serem cumpridos, sem que delas, inicialmente, se integrem medidas executórias. A concretização de políticas sociais, baseadas em componentes finalísticos de evolução, que assegurem a plenitude de gozo da esfera da liberdade, da dignidade da pessoa humana, de solidariedade para com o outro, como deveria ocorrer em essência naquelas direcionadas aos moradores em situação de rua, pode, ainda hoje, ser considerada bastante inoperante em termos de consecução real. Como temos visto, tais políticas sociais específicas para que surtam efeitos na realidade social moderna, ainda necessitariam de maiores aperfeiçoamentos no que tange a: (a) planejamento estratégico, (b)

eleição prioritária de fins, (c) objetivos determinados e (d) escolha dos meios mais adequados, em termos de consecução por parte dos responsáveis por implementá-las, sem que

nos olvidemos de outras informações próprias do tipo: condições pessoais, familiares, de emprego, etc., fornecidas por parte dos próprios beneficiários.

Ramos Tavares (2000) enaltece o constitucionalismo da verdade, ou seja, aquele que busque dar sentido à Constituição, superando seu caráter meramente retórico, encontrando mecanismos para a real e efetiva concretização de seus preceitos. Neste sentido, identifica duas categorias de normas programáticas: aquelas que jamais passarão de programáticas,

pois são, praticamente, inalcançáveis pela maioria dos Estados e aquelas que não são implantadas por simples falta de motivação política dos administradores e governantes responsáveis.4 As normas inatingíveis precisariam ser descartadas de pronto dos corpos constitucionais, enquanto aquelas não implementadas pelos responsáveis a fazê-lo, como ocorre com a maioria das normas ligadas à assistência social, necessitariam ser cobradas com mais força do Poder Público, o que envolve em muitos casos a participação da sociedade na

gestão das verbas públicas e atuação de organismos de controle e cobrança na preservação da ordem jurídica e consecução do interesse público vertido nas cláusulas constitucionais.5

4.2. Novas características das Políticas Sociais de enfrentamento da exclusão e seus limites

Desigualdade, pobreza e exclusão são dimensões que sempre procuraram direcionar e influenciar o papel das políticas sociais no Brasil. Ademais, em especial, a erradicação da

4 RAMOS TAVARES, André. As tendências do direito público: no limiar de um novo milênio. São

Paulo: Editora Saraiva, 2000, pág. 54 e segs.

5 RAMOS TAVARES, André. Curso de Direito Constitucional, 8ª edição revista e atualizada. São

pobreza e a redução das desigualdades sociais, objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil (art.3º da CF/88), sempre estiveram intrinsecamente relacionadas com o

bem-estar e a participação dos cidadãos no cotidiano social.

Nesta cadeia de fatos, a idéia de redução da pobreza vem, evolutivamente, se mantendo associada a dois fatores socioeconômicos: crescimento econômico e diminuição do grau de desigualdade do povo. Destaque-se que no Brasil o grau de pobreza, que atingiu seus valores máximos durante a recessão do início dos anos 80, quando a porcentagem de pobres entre os anos de 1.983/84 ultrapassara 50% da população6, com renda inferior à linha de pobreza e sobrevivência digna, vem diminuindo em nossos dias encontrando-se hoje no patamar de 30% (2000 e 9% em 2011), magnitude, ainda, extremamente alta e incompatível com a de contornos mínimos para a elevação do bem–estar no país. Dois outros subfatores explicariam a perversa estrutura de pobreza brasileira em termos de crescimento econômico:

desigualdade na distribuição de renda e escassez de oportunidades no mercado de trabalho.

Neste sentido, o geógrafo britânico David Harvey (2011) nos aponta que todos estes fatores e subfatores configurariam características de transposição da modernidade à pós-

modernidade na cultura contemporânea7, levando em consideração, especificamente no caso

das formas de organização do trabalho e suas influências sobre o grau de pobreza, a reestruturação produtiva (político-econômica) do capitalismo no final do século XX, passando do modelo fordista ao modelo de acumulação flexível. Fica evidente, observando-se de hoje para ontem, que a partir de um dado momento uma severa ruptura tornou clara a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as tradições inerentes ao capitalismo, baseando as dificuldades em um único entendimento: a rigidez do sistema. Assim, a acumulação flexível que surge tenderia a se apoiar na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, produtos e padrões de consumo, fazendo surgir setores de produção inteiramente novos,

dotados de maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.8

6 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (PNAD). Para maiores dados sobre a evolução

temporal da pobreza no Brasil consultar tabela 1 de PAES DE BARROS, Ricardo et al.. Pobreza e política social in Evolução recente da pobreza e da desigualdade: marcos preliminares para a política social no Brasil. Artigo do mesmo Autor. São Paulo: Cadernos Adenauer, nº 01, 2000, pág. 15.

7 HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Trad.

Adail U. Sobral e Maria S. Gonçalves. São Paulo: Loyola, 21ª edição de 2011, pág. 13/19.

Justamente neste sentido, as mudanças econômicas advindas da condição pós- moderna exigiriam transformações nos discursos que davam sustentação à natureza

ideológica do trabalho, que a partir de agora somente poderia ser entendido por meio das experiências de espaço-tempo9, referindo-se às mudanças decorrentes estruturalmente das transformações tecnológicas, políticas e sociais, desde o início da modernidade, até a sua retratação na pós-modernidade. Por meio desta reestruturação pondera que, ao contrário do momento iluminista, onde a noção do vir-a-ser10 teria uma importância central na percepção social do tempo e do espaço, na condição pós-moderna, ao afastar-se desta busca e instaurar a hegemonia do ser, o que surgiria seriam as crises de representação, que dinamizadas pela lógica da acumulação flexível, passariam a equiparar potencialidades econômicas e

necessidades humanas.11

Resumidamente, para que isto pudesse acontecer, Harvey vislumbra quatro desafios a serem enfrentados na pós-modernidade, em plena era de acumulação flexível: (1) reforço no tratamento da alteridade (para com o outro) como algo que deve estar presente em toda tentativa de mudança social; (2) reconhecimento e análise da produção de imagens, discursos, práticas estéticas e culturais como atos importantes na reprodução e transformação de toda ordem simbólica; (3) reconhecimento das dimensões do espaço/tempo e do materialismo histórico ao se aplicar as geografias da ação social no âmbito da lógica global do desenvolvimento capitalista; (4) interpretação do materialismo histórico-geográfico não como uma afirmação de verdade total, mas sim, como uma tentativa de se chegar a um acordo com as verdades históricas e geográficas que caracterizam o capitalismo.

Retomando a idéia das características das políticas sociais de enfrentamento da exclusão: o primeiro fator, crescimento econômico, representaria, ainda, uma das vias mais importantes para combate da pobreza. Segundo Paes de Barros (2000) um crescimento de 3%

ao ano na renda per-capita tende a reduzir a pobreza em um valor aproximado de um ponto percentual a cada dois anos12, demonstrando duas situações opostas: que a via do

9 Ibid. pág. 187. 10 Ibid. pág. 303. 11 Ibid. pág. 305/309.

12 PAES DE BARROS, Ricardo et.al.. Evolução recente da pobreza e da desigualdade: marcos

preliminares para a política social no Brasil in Pobreza e política social. São Paulo: Cadernos Adenauer, nº 01, 2000, pág. 27.

crescimento econômico, apesar de conduzir à redução da pobreza, necessita durar um longo período de tempo para produzir uma transformação relevante em sua magnitude.

O segundo fator, diminuição do grau de desigualdade do povo, conforme visto no capítulo primeiro deste trabalho, representado pelo nível de renda per-capita nacional, não credencia o Brasil, como já dissemos, a ser considerado um país pobre no cenário internacional, todavia, apesar de ser relativamente rico também há de ser considerado um país

extremamente desigual, pelos consideráveis índices apontados. Destaque-se que o mais alto

grau de desigualdade dos últimos tempos ocorreu em 1.998, com índices bastante similares aos observados no final da década de 70, que sem qualquer tendência de declínio apontou no ano de 2.010, para uma perversa simetria social deslocada, onde o 1% mais rico da população detém uma parcela de renda superior à apropriada por metade de toda a população brasileira.

Quais seriam, portanto, as novas formas de enfrentamento da exclusão brasileira? Como devem ser as atuais políticas sociais para que possam ser portadoras de certa dose de efetividade?

As receitas crescimento e diminuição das desigualdades não podem ser tomadas como as únicas formas de combate à pobreza, sob pena de se inviabilizar quaisquer outras estratégias para se obter uma parcial equidade social. A estratégia de combate à pobreza, além do crescimento econômico, que tem efeitos muito lentos e vem sendo insuficiente para atingir em tempo a diminuição da pobreza e das oportunidades de participação dos cidadãos excluídos, necessita combinar políticas públicas redistributivas estruturais (acesso a créditos) com políticas redistributivas compensatórias (programas de renda mínima) como concepções do papel do Estado benfeitor e provedor de meios que permitam à população satisfazer suas necessidades básicas.

Ao mesmo tempo, dentro da concepção neoliberal de aumento do papel da iniciativa privada e do mercado como subsídios para a demanda social, a idéia de políticas de

focalização, que concentram os recursos disponíveis naqueles que apresentam as maiores

carências, implementadas através de instrumentos setoriais13, altamente especializadas em

13 Atualmente fala-se em programas intersetoriais, que intensificam/desafiam a estrutura

classicamente setorial do Estado, buscando desenvolver a gestão social diferente, com uma política de

suas respectivas matérias e orientadas pela necessidade, merecem ser coadunadas às políticas

universais. Logicamente, por fim, tais políticas com caráter promovedor precisariam ser

harmonizadas com entidades de resguardo e auxílio advindas da sociedade civil, em especial, dos movimentos sociais dos próprios grupos sociais prioritários, ou seja, em condições de acentuada vulnerabilidade social.

Toda esta modernização do século XXI no âmbito social amplia e aprofunda os mecanismos democráticos na tomada de decisões, em especial, no controle de gestão social, tanto em nível nacional, como local. Neste sentido Villalobos (2000) já sustentava no início deste século a necessária análise das diferentes características sociais, para que tais políticas sociais pudessem aproximar-se da efetividade. Tais políticas, portanto, sempre dependeriam dos objetivos que se queriam alcançar, bem como do grupo específico ao qual se dirigiam, de modo que assim vem propor conforme o esquema a seguir colacionado, uma análise das políticas sociais a partir do ponto de vista das estratégias de intervenção:

a) Política compensatória: caracterizada por objetivos que tenderiam a tratar paliativamente necessidades básicas insatisfeitas. Ações do tipo assistenciais que,

geralmente, se concentram em uma área de necessidade;

b) Política normalizadora: também de cunho assistencial, difere-se da primeira devido

ao que chama de discriminação positiva.14 As ações assistenciais poderiam ser complementadas com outras ações (até mesmo paliativas) e através do fator de

satisfação dos membros do grupo atendido, passariam a oferecer oportunidades para

que as pessoas pudessem melhorar, por si sós, suas condições de vida;

c) Política habilitadora: ainda dentro de uma linha evolutiva, atuaria como um

aperfeiçoamento da política normalizadora, no sentido de que também seriam transferidas aos beneficiários a habilitação efetiva do grupo e sua autonomia para resolver, por si mesmos, seus problemas e necessidades. Política própria, com seus próprios critérios de seletividade;

d) Política integrativa: caráter eminentemente promovedor. Com suas capacidades

implementadas participaria de ações conexas de investimento social, com vistas a

14 VILLALOBOS, Verônica Silva. O Estado de bem-estar social na America Latina: necessidade de

favorecer a autonomia plena dos sujeitos e sua reinserção social. Estratégia uniformizadora, que integraria além da mera superação das condições de vulnerabilidade (que ocorrem com a transferência de capacidade), aquelas que tendessem a causar a exclusão posterior dos grupos atendidos.