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Pesquisas censitárias sobre o morador em situação de rua: características e indicadores de efetivação da cidadania social

ESQUEMA 01 Evolução da regulação jurídica “era” Keynesiana/ “era” globalizada

99 CARVALHO, José Murilo de Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi (2002)

1.4. Pesquisas censitárias sobre o morador em situação de rua: características e indicadores de efetivação da cidadania social

Várias limitações metodológicas têm sido apontadas ao se tentar contabilizar e caracterizar a população das ruas. Como já apontamos anteriormente, a mais importante delas diz respeito à dificuldade de uma conceituação padronizada e operacional de morador em situação de rua e que seja compartilhada pela maioria dos estudiosos da área.

Em função da variabilidade de características, qualquer conceituação desse grupo populacional e o seu número podem variar de acordo com os objetivos dos órgãos responsáveis pela análise censitária. Mesmo com a tentativa de padronização de conceitos, vários estudos têm ainda produzido números divergentes em decorrência da metodologia empregada na coleta dos dados, sem que nos esqueçamos dos atributos mencionados no tópico anterior, que tratam de fatores como a grande mobilidade geográfica e financeira destes grupos populacionais. Neste sentido, enquanto os responsáveis pelas pesquisas não forem os mesmos que coletem e analisem os dados, utilizando-se de metodologias bastante afinadas e

126 Citação constante da exposição de motivos da Política do governo federal para a população de rua.

Mais informações no site [http://www.rederua.org.br/pub/polnac_inclsoc.pdf].

127 "E na rua? Bem, aqui passamos sempre por indivíduos anônimos e desgarrados, somos quase

sempre maltratados pelas chamadas "autoridades” e não temos paz, nem voz." (grifamos). In DAMATTA, Roberto. A casa e a rua: Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, pág. 19.

partirem dos mesmos pressupostos128 para que se consigam conclusões fidedignas não poderá haver convergência de sentidos.

Para analisarmos as metodologias utilizadas na contagem dos moradores das ruas, alguns números merecem ser de conhecimento prévio a qualquer pesquisa nesta área. O Brasil possui, segundo o censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 5.565 Municípios brasileiros na data de 01/08/2.010129, a quantidade de 190.073.788 pessoas130 residentes em domicílios particulares. O Município de São Paulo, por sua vez, possui 11.253.503 pessoas, segundo o censo Populacional 2.010, identicamente realizado pelo IBGE no dia 29 de novembro.

Em ambas as contagens não foram computados, todavia, nosso campo de interesse, ao deixarem de contabilizar a população em situação de rua. Esta população não foi incluída nos censos porque prepondera a coleta de dados na base domiciliar (MDS, Brasil, abril de 2.008131). O referido recenseamento nacional formalizou, todavia, em dezembro do ano de 2.011132 uma divulgação apartada, acerca de outros dados colhidos, em que aponta outras estimativas demográficas dos chamados aglomerados subnormais.133

Segundo o IBGE para que um aglomerado de construções fosse considerado subnormal seria preciso que houvesse, pelo menos, 51 domicílios carentes. A partir daí, todo

128 SILVA, M. L. L. Mudanças recentes no mundo do trabalho e o fenômeno população em situação de

rua no Brasil. Dissertação de Mestrado em Política Social. Departamento de Serviço Social. Universidade de Brasília. Brasília, 2006, pág. 111.

129 In [http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/tabelas_pdf/Brasil_tab_1_1pdf].

Acesso em 28 de setembro de 2011.

130 Dados obtidos e acessados em 26 de setembro de 2011 em

[http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados_preliminares/preliminar_ta b_uf_zip.shtm].

131 Dados obtidos e acessados em 28 de setembro de 2011 em

[http://www.mds.gov.br/backup/arquivos/sumario_executivo_pop_rua.pdf].

132 Dados acessados em 23/02/2012. Para maiores detalhes vide informações constantes em

[http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2057&id_pagina =1].

133 São considerados aglomerados subnormais as favelas e habitações populares (loteamentos

populares, conjuntos habitacionais de limitação indeterminada - invasões, cortiços, etc.) e seus assemelhados (comunidades palafitas, baixadas, mocambos ou grutas - regiões habitadas que ocupam áreas de areia nas praias e ocorrem geralmente no litoral nordestino brasileiro). Os aglomerados subnormais caracterizam-se como domicílios deste tipo ao se analisarem quatro fatores: abastecimento d'água, coleta de esgoto, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica. Fonte:

o restante poderia ser considerado domicílio subnormal dentro de um bairro134. Assim, a favela como parte de uma cidade ilegal e espaço de exclusão social, não assistida pelo planejamento oficial, se insere nesta discussão e que Maricato135 (2000) aborda como o lugar fora das idéias, um universo urbano ilegal na documentação de propriedade, na ausência da aprovação de qualquer projeto arquitetônico pelos órgãos competentes ou no descompasso entre o projeto, quando aprovado, e sua implantação.

Outras considerações merecem ainda destaque: o Brasil não possui uma pesquisa censitária que contabilize os moradores em situação de rua distribuídos pelo território nacional. Segundo Motta Costa136 (2005) trata-se de uma população sem visibilidade para os

órgãos oficiais de contagem populacional. A pesquisa pioneira que realizou estudos, por

amostragem, destes indivíduos, abrangeu apenas 71 Municípios137 (48 deles com mais de 300 mil habitantes e 23 capitais, independentemente de seu porte populacional) e identificou 31.922 pessoas em situação de rua vivendo em “calçadas, praças, rodovias, parques,

viadutos, postos de gasolina, praias, barcos, túneis, depósitos e prédios abandonados, becos, lixões, ferro-velho ou pernoitando em instituições (albergues, abrigos, casas de passagem e de apoio e igrejas)” (MDS, Brasil, abril de 2008, pág. 06138). As características desta fatia da população nacional foram, portanto, traçadas com base apenas nesta amplitude amostral colhidas pelo território brasileiro.

Pesquisas afeitas, caracterizadoras dos moradores das ruas que, efetivamente, contabilizem os indivíduos do grupo, via de regra, foram efetuadas pelos Municípios brasileiros. Ademais, não há censos efetuados em nível estadual que indiquem o número destes indivíduos dentro de seus limites territoriais. Qualquer mensuração relacionada à quantidade de indivíduos em nível nacional ocorrerá sempre mediante a somatória de valores obtidos nas estimativas parciais ocorridas em nível municipal.

134 Cláudio Stenner, Gerente da Coordenação de Geografia do IBGE. In IBGE

[http://pt.scribd.com/doc/76589607/IBGE-Aglomerados-Subnormais]. Acesso em 21/05/2012.

135 MARICATO, E. et al. A cidade do pensamento único. Rio de janeiro: Vozes, 2000, pág.121/123.

136 MOTTA COSTA, Ana Paula. População em situação de rua: contextualização e caracterização.

Revista Virtual Textos e Contextos, nº 04, ano IV, dez. 2005, pág. 05.

137 Entre as capitais brasileiras não foram pesquisadas São Paulo, Belo Horizonte e Recife, que haviam

realizado pesquisas semelhantes em anos recentes, e nem Porto Alegre que solicitou sua exclusão da amostra por estar conduzindo uma pesquisa de iniciativa municipal simultaneamente ao estudo contratado pelo MDS. Fonte: MDS.

138 Dados disponíveis em [http://www.mds.gov.br/backup/arquivos/sumario_executivo_pop_rua.pdf]

Como afirmado anteriormente, o Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (MDS) realizou no período compreendido entre os anos de 2.007 e 2.008, em acordo de cooperação assinado com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o único censo brasileiro por amostragem, em nível federal, cujo intuito foi quantificar e caracterizar socioeconomicamente o grupo de viventes das ruas, tudo no melhor intuito de se orientar a elaboração de Políticas Públicas mais eficazes.

Para obtenção do número total de moradores das ruas que se encontram no território brasileiro os dados até hoje colhidos em pesquisas diretas são insuficientes, mas estimativas do próprio MDS demonstraram em 2006, portanto anteriormente ao censo federal a que nos referimos, durante o Fórum Nacional de Direitos Humanos, ocorrido naquele mesmo ano, que dos aproximadamente 180 milhões de habitantes brasileiros existentes à época, entre 0,6% a 1% se enquadraria na categoria de população de rua.139 Atualmente, se extrapolarmos estes mesmos índices, aplicados à população de aproximadamente 190 milhões de habitantes existente no território nacional (tabela abaixo) estimaríamos em aproximadamente 1,8 milhões de moradores em situação de rua140 no Estado Nacional.

Esta mesma contabilização poderia ser feita, desde que mantidas as taxas indicadoras para os moradores de rua, para diversas épocas em que os censos demográficos brasileiros foram realizados (tabela 2 abaixo). Outro dado interessante: caso não haja políticas públicas efetivas de inclusão social, o crescimento do povo da rua se aponta numa relação

diretamente proporcional ao aumento populacional, o que possibilita a demonstração reflexa

de um crescimento positivo exponencial da população que vive nas ruas em qualquer época.

139Dados: [http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=700&Itemid=2]

Acessado em 29/09/11.

140 Dados disponíveis em [http://moradoresderua.org.br/estimativa-de-moradores-de-rua-no-brasil]

TABELA 02 – Recenseamentos da população brasileira

A título de ilustração, levando em conta a dificuldade brasileira em quantificar os moradores em situação de rua, demonstramos o tecido social composto por esta faixa de excluídos em alguns outros países do planeta e sua relação com a população quantificada censitariamente em determinadas épocas. Os Estados Unidos apesar de em 1.989 já contarem com uma população superior à brasileira possuía apenas 0,1% da população vivendo nas ruas.

Em tempo: a tabela a seguir colacionada poderá ser atualizada ao ser (re)arranjada com as novas estimativas do IBGE. As recentes apurações estimativas que demonstram ter o Brasil ultrapassado 192 milhões de habitantes (nas mesmas condições do censo de 2010, ou seja, contabilização, apenas, de indivíduos com residência fixa) apontam para a evolução do número de moradores em situação de rua, quando submetidas estas novas cifras sobre os percentuais médios anteriormente apresentados. Nestas condições a inclinação da reta de apuração crescente de indivíduos mantém-se igual.

TABELA 03 - Estimativa do número de moradores de rua em países/cidades pelo mundo

País e cidade População

(em época específica) População de rua (nº)

(%) Holanda (Schabel, 1992) 15.010.000 10.000 (0,06) EUA (Rossi, 1989) (Hoje 313 mi) 12/11 - 350.000 263.437.000 . 300.000 (0,11) Londres (Cohen, 1994) 6.803.100 20.140 (0,29) Brasil (Estim. MDS 2008) (Hoje 195 mi) 12/11 – 1.900.000 190.073.788 (IBGE 2010) 1.800.000 (0,6 a 1- média 0,8)

Fonte: RODRIGUES, JÁ e SILVA FILHO, D. S. População de rua, Agenda Pública – Drama Social. Rio de Janeiro: Faperj, 1999. Com adaptações do Autor desta dissertação.

Na medida em que não se possui uma contagem efetiva dos moradores em situação de rua em nível federal, nem em níveis estaduais, uma possibilidade de caracterização e análise destes excluídos ocorreria caso projetássemos para cada Município contabilizador uma media de seus diversos índices sobre a população. Outra forma seria a apuração realizada através de índices estaduais combinados e que formatassem com maior precisão o verdadeiro índice de exclusão social. Na verdade, este índice representativo da exclusão social aparece bem formalizado no Atlas da Exclusão Social no Brasil, que abordaremos a partir de agora.

O que ocorre, na verdade, é que este índice obtido, composto de sete índices parciais (pobreza, emprego, desigualdade, alfabetização escolaridade, juventude, violência) cada índice variando entre 0 (o tecido econômico e social na pior condição possível) e 1 (o tecido econômico e social na melhor condição) e três dimensões (vida digna, conhecimento e vulnerabilidade) multiplicadas, ainda, por fatores matemáticos viabilizam de forma mais

consistente a caracterização do grupo de excluídos, abarcando características suficientemente sustentáveis de análise acerca da exclusão brasileira. Outros índices, embora atualmente utilizados, passariam à condição de superficiais, tendo em vista que não conseguiriam apreciar todas as características envolvidas pela fórmula utilizada no Índice de Exclusão Social apontado.