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Francisco: Uma consciência política para a vida!

5. Histórias Posit(hiv)as: Sentidos e Potências para a Vida!

5.3. Francisco: Uma consciência política para a vida!

No dia 08 de Abril de 2018 encontrei Francisco. Professor, Homossexual, Negro de 32 anos que recebeu seu diagnóstico em 2016 depois de algumas suspeitas sobre um antigo relacionamento em que também se infectou com sífilis.

De início, Francisco relatou que o diagnóstico da doença foi muito impactante no sentido de pensar que a morte estava próxima, como se tivesse recebido uma sentença de morte, que depois de um mês ele iria falecer. Por conta disso, o mesmo quebrou a barreira do sigilo sorológico e contou sobre o que estava acontecendo para sua família e amigos.

No início, o participante conta que estes deram muito apoio, porém com o passar do tempo e vida se ajeitando, o participante disse ter percebido o quanto de preconceito as pessoas ainda tinham, seja nos pequenos gestos como compartilhamento de talheres, receio de toques pele a pele e até mesmo nas piadinhas. Com isso, Francisco foi percebendo diversas questões que envolviam a doença, pois considerava-se era um tanto que ignorante.

“Eu já tinha ouvido falar mas eu não queria falar. Eu era uma pessoa totalmente preconceituosa em relação a HIV/Aids. Eu pensava que as pessoas transmitiam por brincadeira isso aí. Eu era uma pessoa totalmente ignorante, mas porque eu queria mesmo ser ignorante, porque eu não queria saber do assunto então eu formava meus preconceitos. Iam formando isso dentro de mim, eu procurava não esclarecer, até que aconteceu comigo, aí foi daí que eu vi que o HIV ele pode ser um monstro se você quiser que ele seja, mas se você souber viver com isso e se cuidar direitinho você poder ter uma sobrevida bem legal.” (Francisco, 32 anos, Homossexual, Negro

e Soropositivo).

Além disso, Francisco expõe a relação com os serviços de saúde e até mesmo do sigilo sorológico em que a sociedade ainda não está preparada para o acolhimento as pessoas soropositivas.

“É difícil você conviver com essa realidade pessoal e essa realidade social, até

porque quando a gente chega no estabelecimento, no SAE, a gente encontra bastante rostos conhecidos né, então isso já é algo a se pensar né. Até onde a minha sorologia pode ser vista? Algo que não tem domínio sobre isso, cedo ou mais tarde, por mais que você esconda vão descobrir” (Francisco, 32 anos,

Homossexual, Negro e Soropositivo).

A medida que o participante, através do seu ato de contar, ia montando suas linhas narrativas e seus repertórios sobre o HIV era possível perceber que eles recaíam em três dimensões de sentido: Primeiro como uma Fatalidade, segundo como um Cuidado e o terceiro como uma Transformação Pessoal:

Tabela 7 – Repertórios Interpretativos de Francisco

HIV Fatalidade HIV Cuidado HIV Transformação Pessoal

Crise Apoio Familiar Força Interior

Morte Psicoterapia Consciência Crítica

Medo Medicação Resistência

Desolador Direitos Sociais Igualdade

Preconceito Prevenção Sexual

Ignorância Engajamento Político

Vulnerabilidade

do Sistema Exigência nas Relações

Francisco tomava o HIV como uma fatalidade quando expunha o impacto do diagnóstico em sua vida e o imaginário da morte que rondou este processo. Lembrou dos

conflitos que teve com o serviço de saúde para marcação de consultas e falta de medicamentos, além dos efeitos colaterais dos remédios que influenciaram na sua adaptação: “ele me deixava louca por causa da substância, me deixou louca por uns tempo”.

“Isso foi algo que marcou bastante né e tem marcado atualmente, eu nunca, nunca chegou acontecer comigo, e eu chegar lá e não ter medicação mas certa vez eu cheguei e não tinha funcionário pra me atender, e eu passei, eu passei um dia ou dois dias sem tomar medicação porque não tinha funcionário para me dar o remédio, isso pra mim foi bastante significativo, porque como um vírus que é tão letal, precisando de um tratamento constante não tem um funcionário pra me dar, pra me dar o frasco de remédio, achei isso um descaso. Desrespeito até, não só comigo, mas com a humanidade em si”.

“Eu senti revolta, senti revolta mesmo pela questão do desrespeito, descaso, porque como é que você vê a vida do outro né, é como a forma que você enxerga a vida do outro, um funcionário até me disse: Ah, passar um dia sem tomar, dois dias não morre não. Então você só toma, você só tem alguma coisa depois de quinze dias. Aí eu disse: É, mas não é você que ta com ele né, é fácil falar quando você ta de fora, mas quando você convive com o vírus dentro de você é difícil pensar assim. Infelizmente é o nosso país né (risos)” (Francisco, 32 anos, Homossexual, Negro e Soropositivo).

Neste percurso, relatou que obteve apoio de alguns familiares e amigos enquanto outros se afastaram por conta da carga estigmatizante que a doença ainda carrega. Além disso, o participante apontou se sentir vulnerável não por si e pela doença, mas por conta da própria vulnerabilidade do sistema político e da política de HIV/Aids no Brasil.

“Eu me sinto vulnerável muitas vezes, me sinto vulnerável. Se não fosse pela força que eu sei que eu tenho, eu acho que eu já tinha deitado pra muitas situações na minha vida mas eu me sinto vulnerável pelo sistema, pelo próprio sistema porque eles nos colocam num lugar de vulnerabilidade muita grande no social, principalmente quando nós estamos precisando de um certo auxilio e nos é negado, quando nós precisamos de um certo apoio e não tem profissional pra isso. Então é uma situação vulnerável, eu me sinto, como atualmente eu tenho me sentido vulnerável pela questão do desmonte do SUS né, como eu venho acompanhando e vendo muita coisa de privatização, a questão disso, a questão daquilo, eu vejo que por eu ser pobre, LGBT e soropositivo eu não vou ter condições de bancar devido a algo que foi privatizado, algo que já vai ser cobrado pra mim. Não, eu me sinto muito vulnerável” (Francisco,

32 anos, Homossexual, Negro e Soropositivo).

Neste aspecto, o participante quando questionado sobre o que mudaria em sua vida caso surgisse uma cura para o HIV demonstra certo altruísmo e condescendência informando

que daria preferência às pessoas que estariam em situações de vulnerabilidade maior que a sua.

“O que mudaria? Se surgisse a cura agora? Olha eu vou dizer a você, eu quero ver pra crê, eu quero viver pra ver né e pra crer também, mas eu creio que se aparecesse uma cura agora muitas vidas iam ser salvas né, e eu não me priorizaria por isso, não ia me sentir prioridade nisso não, até porque eu sei que eu sou soropositivo, mas tem pessoas que estão em situações pior, pior do HIV do que eu, então pra mim a prioridade são essas pessoas, na minha vida, o que ia mudar era um detalhe que ia sair da minha vida (risos), um detalhe que meu corpo ia expelir, mas na vida dessas pessoas eu acredito que ia ser uma, ia ser mais significativo, principalmente porque, pela questão de vulnerabilidade, de camada social, tem pessoas muito pobre vivendo com HIV e em situações de miséria mesmo, de calamidade, por não ter benefício do INSS, por não ser mais um algo que pese no benefício e por não ter emprego também pra essas pessoas. Eu acho que essas pessoas ia ficar bastante feliz por ter a sua vida de volta” (Francisco, 32 anos, Homossexual, Negro e Soropositivo).

Contudo, ainda que o impacto do diagnóstico tenha sido muito grande, o participante ao refletir sobre sua história de vida, percebeu o quanto de positividade podia tirar deste processo. Neste momento, o HIV passa de um Cuidado para uma Transformação Pessoal no sentido de que o participante desenvolveu singular amadurecimento com a experiência, obter mais consciência e engajamento crítico político sobre a vida, além de se mobilizar para o campo da resistência e luta por igualdade

“Não tem o porquê eu dizer eu não queria ter HIV, não, foi preciso eu ter né. É preciso eu ter, não quero que: Ah pegue HIV que você vai ser feliz. Não! Há vidas e vidas né, mas pra mim o HIV, eu soube tirar a positividade disso, não é só um nome soropositivo, eu tirei positividade disso né, eu não me coloquei no lugar negativo do HIV não”(Francisco, 32 anos, Homossexual, Negro e Soropositivo).