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A fronteira antes da fronteira: o que antecedeu a ocupação dirigida no território

Fotos 98 e 99 – Camponesa assentada tecendo uma rede PA Padre Ezequiel – Mirante da

3.2 A fronteira antes da fronteira: o que antecedeu a ocupação dirigida no território

No momento em que o território rondoniense foi efetivado como fronteira de ocupação prioritária, a partir de 1970, as terras livres limitadas pelos rios Guaporé/Mamoré e Madeira não estavam, de fato, tão livres assim. Em verdade, desde o período colonial, essa região já era habitada por uma diversidade de sociedades indígenas, entre as quais algumas estavam compostas por etnias autóctones e outros por grupos desterritorializados pela violência colonizadora nas áreas mais próximas do litoral. De acordo com as estimativas do CIMI (2002), no início do século XIX, os indígenas presentes nestas terras compunham uma população total de 80 mil pessoas.

Para além da ocupação indígena, a região passou a ser percorrida por colonizadores apenas em meados do século XVII, quando bandeirantes paulistas avançaram na prospecção de minas de ouro e missões religiosas se instalaram às margens dos rios Guaporé e Madeira. Os bandeirantes, além de buscarem a identificação de áreas ricas em metais preciosos, cumpriram a função de delimitar a posse portuguesa nas Américas, como foi o caso da Bandeira de Antônio Raposo Tavares, iniciada em 1647. Os missionários, por sua vez, procuraram construir territórios para a transformação dos selvagens em camponeses cristãos.

Essas comunidades22, como relatou Hugo (1959), ocuparam-se da extração artesanal de

borracha e de outras drogas do sertão, com destaque para o cacau. Sua área de abrangência, contudo, se limitava às margens imediatas dos rios Guaporé/Mamoré e Madeira, e ao baixo curso de seus afluentes.

Essa ocupação rarefeita durou até meados do século XIX, quando ocorreu o primeiro avanço efetivo da economia capitalista, durante o primeiro ciclo da borracha, que, na região, foi mais intenso entre os anos de 1870 e 1920. Nesse período, teve inicio a apropriação das terras e dos recursos naturais rondonienses, assim como o massacre de seus povos indígenas. O alto valor atingido pela borracha no mercado internacional promoveu a criação de centenas de áreas de exploração gomífera nos rios do estado, assim como vinha acontecendo em todo o vale amazônico. Empresas de capital nacional e estrangeiro, normalmente ligadas aos mesmos

22 No vale do Guaporé já estavam constituídas, no século XVIII, as comunidades missionárias espanholas

Exaltação, Santo Inácio, São Xavier, Santíssima Trindade, Loreto, São Murtinho, Santa Maria Madalena, Nossa Senhora da Conceição, São Nicolau, São Gabriel, São Borges, São Simão, São Miguel, e Santa Rosa. Os portugueses fundaram, no século XVIII, apenas a missão de Casa Redonda, localizada na foz do rio Corumbiara (LIMA, 1997).

grupos que já exploravam o produto em terras bolivianas, conseguiram do Estado brasileiro concessões de extensas áreas, abrangendo regiões com grande ocorrência de seringueiras.

Algumas destas concessões foram apropriadas na forma de títulos definitivos ou

provisórios, com documentos expedidos pelos estados do Amazonas e Mato Grosso23 que até

1943, quando foi criado o Território Federal do Guaporé, congregavam as terras do atual estado rondoniense. Destacadamente, a partir do início do século XX, a emissão dos títulos alienou uma imensa parcela do território. Essas terras foram vendidas ou cedidas

aleatoriamente a preços irrisórios. Como exemplifica Meireles (1983), somente no segundo semestre do ano de 1917, o governo do estado do Mato Grosso vendeu, a valores simbólicos, 612.000 hectares de terra, localizadas no atual estado rondoniense. Na tabela 1, podemos observar a amplitude que assumiu a venda indiscriminada das terras do atual estado de Rondônia, durante toda a primeira metade do século XX.

Tabela 1 - Títulos definitivos ou provisórios de seringais, obtidos a partir de compra ou concessão, entre os anos de 1900 e 1943

Empresa/Proprietário Local/Região Área (Hectares)

João Nepobuceno Ceballo Foz do rio Parecis 3.391

Afonso José dos Santos Vale do rio Jaru 11.980

Júlio Pantoja Vale do rio Jaru 12.000

Stofen, Sechenack, Muler & Cia. Vale do Guaporé e Mequéns 12.552

Matos Levy & Cia. Vale do rio Jaci-Paraná 21.600

Ricardo Catanhede Vale do rio Jamari e Jaru 22.924

Jovino Fernandes de Lemos Vale do rio Jamari 31.500

V. Arruda & Cia. Vale do rio Guaporé 43.200

GAINSA Vale do rio Guaporé 275.000

Santos & Cia. Vale do rio Guaporé 600.000

Ramon Chaves Vale do rio Guaporé 724.000

Assenci & Cia. Vale do rio Machado 1.084.627*

Total 2.842.774

Fonte: Neves; Lopes (1979); Meireles (1983); Perdigão; Bassegio (1993); Lima (2001). Org.: Murilo M. O. Souza, 2010.

* Esta é a área declarada pelos requerentes, em 1964, no IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária). O INCRA não reconheceu toda essa extensão como sendo de posse da Colonizadora CALAMA S.A., que se apresenta como sucessora da Assenci & Cia.

Essas são apenas as áreas cedidas ou vendidas, nas primeiras décadas do século XX, com títulos legais de ocupação, definitivos ou provisórios. Teixeira (1996) ressalta, no

23 Lembramos que em 1891, com a primeira constituinte republicana, o controle das terras devolutas passou ao

entanto, que a grande maioria dos seringais foi constituída a partir do apossamento de terras devolutas, pois a imensidão de terras supostamente livres possibilitou aos seringalistas se estabelecerem sem qualquer preocupação de ordem fundiária. O autor ressalta, ainda, que as terras devolutas situadas entre dois seringais titulados eram, normalmente, apossadas pelos proprietários confrontantes. Por isso, a partir dos anos 1960, muitas empresas reivindicavam extensões de terra bastante superiores àquelas para as quais detinham títulos legais.

Para ocupar produtivamente os latifúndios, que congregavam os seringais, migraram para as terras rondonienses, assim como para os seringais amazônicos de forma geral, milhares de sertanejos desterritorializados no nordeste. Como foi destacado historicamente, nos discursos acadêmicos e políticos, esses camponeses fugiam das recorrentes secas que assolaram vários estados daquela grande região. Por outro lado, é necessário destacar que fugiam também de uma estrutura agrária oligárquica excludente, que negava o direito à terra aos povos sertanejos. Basta para confirmar esta lógica que nos lembremos do massacre dos camponeses de Canudos entre 1896 e 1897.

De acordo com Perdigão e Bassegio (1992), durante o primeiro ciclo produtivo da borracha, entraram nos seringais amazônicos entre 300 e 500 mil migrantes provenientes dos estados nordestinos. Essa população espalhou-se nos vales dos rios amazônicos de uma forma geral. Parte destes migrantes, principalmente após passarem por outros estados amazônicos, territorializou-se no estado de Rondônia.

Não existem dados exatos sobre a quantidade de seringueiros que chegaram às terras rondonienses durante o primeiro ciclo da borracha, mas os dados do censo de 1920 acusam uma população total de 36.044 habitantes na região compreendida pelo espaço do atual estado, incluída a região de Humaitá, distribuídos principalmente ao longo dos rios Madeira (entre Humaitá e Abunã), Ji-Paraná ou Machado (entre Calama e Tabajara) e Jamari (entre sua foz no rio Madeira e Ariquemes). Sendo as áreas compreendidas, basicamente, por seringais, supõe-se que grande parte desta população estivesse composta por seringueiros migrados nas décadas anteriores (MESQUITA; EGLER, 1979).

Essa massa sertaneja, imersa nos rios da Amazônia rondoniense, representou a frente de expansão que estranhou, inicialmente, a população indígena territorializada no estado. Foram esses camponeses sertanejos, e não os proprietários seringalistas, que mataram e

morreram na disputa por territórios com os índios. “Pela primeira vez, em Rondônia, os

grandes colocaram o pequeno contra o pequeno, ou seja, migrante contra índio”

da fronteira rondoniense. Para além do embate com as populações indígenas, o seringueiro foi privado de sua liberdade pelo sistema do barracão, onde foi feito escravo de suas dívidas,

construídas pelo próprio seringalista durante os períodos chuvosos.

A partir de 1912, quando coincidentemente foi finalizada a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, ligando Porto Velho a Guajará-Mirim, inaugurou-se também a derrocada da economia gomífera na região amazônica. Mas a crise se aprofundou, de fato, depois de 1920, tanto que, como indicam Mesquita e Egler (1979), o censo de 1940 revela uma população total de 32.591 habitantes. Ou seja, uma baixa populacional de 9,6% relativa ao censo de 1920. Isso indica, principalmente, uma evasão de seringueiros, entre os quais muitos retornaram para seus estados de origem ou migraram para regiões onde a produção de borracha ainda apresentava um relativo espaço para receber seringueiros, como o estado acreano, por exemplo.

A crise econômica da borracha foi amenizada no período entre 1943 e 1945, durante o governo Getúlio Vargas. A partir da assinatura dos Acordos de Washington, em 1942, o Brasil criou o Batalhão da Borracha e a CAETA (Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia), que arregimentou, basicamente, camponeses excluídos no Nordeste para produzirem borracha para o exército americano (PERDIGÃO; BASSEGIO, 1992). Somente para Rondônia foram enviados mais de cinco mil sertanejos para retomar a produção gomífera. Esse surto de apoio governamental e produção de borracha, no entanto, durou pouco tempo. Com o fim da guerra, o fornecimento de borracha se normalizou e os soldados da borracha foram esquecidos nas matas rondonienses.

Ao contrário dos seringueiros do primeiro ciclo produtivo, os Soldados da Borracha não retornaram aos seus estados de origem. Uma parte permaneceu nas matas, extraindo borracha em pequenas quantidades e praticando uma agricultura de subsistência. Como nos

explicou o ex-presidente da Associação dos Seringueiros de Rondônia24, isso ocorria através

do pagamento de renda da produção ao proprietário das terras. Com a crise produtiva, os seringalistas perderam o interesse em explorar suas lavouras de seringueira, realizando assim essa forma de arrendamento aos antigos seringueiros. Muitos seringueiros, contudo, passaram a viver como posseiros em seringais abandonados.

Outra parte dos Soldados da Borracha, após uma longa luta de entidades representativas de apoio aos seringueiros, recebeu lotes em assentamentos especificamente criados para estes grupos, já na década de 1980. Porém, como nos relatou um antigo

seringueiro25, que hoje vive na periferia de Ariquemes, onde antigamente funcionava uma sede de seringal, às margens do rio Jamari, muitos daqueles que receberam lotes em áreas de assentamento venderam seus títulos, alguns por já estarem muito velhos, outros por não se adaptarem ao trabalho fora da lógica do seringal e alguns, ainda, pelo fato de suas terras não possuírem uma localização exata, dificultando o acesso. Essa venda levou a um processo de reconcentração de terra em algumas regiões. No atual município de Cujubim/RO, por exemplo, apenas um latifundiário/madeireiro, de acordo com informações da CPT, tem a posse de 120 lotes em um projeto de assentamento de Soldados da Borracha.

Com o fim da guerra, a diminuição da demanda pela borracha rondoniense e, consequentemente, a crise econômica no território, entre as décadas de 1940 e 1950 houve, ainda, uma tentativa do Governo Vargas, no âmbito da Marcha para Oeste, de criar colônias agrícolas com trabalhadores vindos de outras regiões do país, especialmente dos estados nordestinos. Esse foi o caso da colônia do Iata, criada em 1948, no município de Guajará- Mirim, com o assentamento de aproximadamente quatro mil camponeses cearenses. De forma geral, os colonos plantavam mandioca para fabricação de farinha, arroz, milho e feijão. Além do Iata, foram criadas no período as colônias de Candeias (1948), Treze de Setembro (1954) e Paulo Leal (1959), tendo surgido espontaneamente, ainda, a colônia do Beiradão, localizada entre Porto Velho e o distrito de Calama (MESQUITA; EGLER, 1979).

O desenvolvimento dos assentamentos não ocorreu como o governo esperava, especialmente em decorrência da pequena extensão dos lotes, de 25 hectares, instalados em áreas com solos de baixa fertilidade. Os motivos do fracasso das colônias, no entanto, como destacaram Perdigão e Bassegio (1992), ocorreu principalmente devido à falta de uma política agrícola mais ampla, que oferecesse aos colonos os recursos necessários para cultivar a terra, transportar e comercializar a produção. Somente a colônia Treze de Setembro, composta por imigrantes japoneses, tendo apoio de seu consulado, conseguiu atingir um relativo desenvolvimento econômico e social.

A criação das colônias promoveu um leve crescimento da população na região, juntamente com uma migração mato-grossense incipiente que entrava pela picada aberta pelo Marechal Rondon durante os trabalhos de instalação da linha telegráfica, no trajeto da qual já estavam formados alguns núcleos de povoamento nos antigos postos telegráficos, como Vilhena e Pimenta Bueno. Nesse contexto, durante a década de 1940, com a chegada dos soldados da borracha, os agricultores das colônias agrícolas e a migração pela picada de

Rondon, especialmente para trabalhar em pequenas lavras de minério, o censo de 1950 apontou uma população total no território de 49.725 habitantes.

É nesta década, contudo, em 1950, que a região sofrerá um aumento mais significativo de sua população, principalmente devido à descoberta das lavras de diamante e cassiterita em diferentes pontos do estado. A principal lavra de diamante estava localizada no rio Pimenta Bueno, ao sul do território. Teixeira (1996) ressalta que a população do local, entre 1951 e 1952, passou de, aproximadamente, 200 pessoas para mais de 1000 habitantes, a grande maioria envolvida com a mineração de diamantes.

No que se refere à exploração da cassiterita, de acordo com Mesquita e Egler (1979), nas regiões onde a produção era maior, como nos vales dos rios Jacundá, Preto, Machadinho, Massangana e Jamari, a população praticamente duplicou durante a década de 1950. Somente ai, o contingente populacional saltou de 10 mil habitantes, aproximadamente, para mais de 18 mil pessoas. Assim, o censo de 1960 já indicava uma população total de 85.504 habitantes, entre os quais, 23.658 eram migrantes, em sua maioria, provenientes da própria região amazônica e com destino às lavras de cassiterita.

A atividade mineradora, destacadamente a extração de cassiterita, cresceu durante toda a década de 1960. Somente o então distrito de Ariquemes, de acordo com Teixeira (1996), congregou uma população de 10 mil garimpeiros nesse período. A chegada de garimpeiros de outros estados amazônicos já era constante e, com a abertura da BR 364, que, em meados desta década, foi aberta ao tráfego, intensificou-se o fluxo proveniente do território mato- grossense. No mesmo sentido, já entravam, no mesmo período, algumas levas de camponeses, promovendo uma rarefeita colonização espontânea.

Entre outras questões, a valorização do território pelas lavras de cassiterita e, principalmente, a abertura da BR 364, deu início a uma corrida especulatória com relação às terras do território rondoniense. Como constatou Brasil (2002), a década de 1960 assinalou o início da especulação imobiliária nas terras rondonienses. Até então os títulos definitivos e concessões estavam engavetados, pois, o que tinha valor eram as seringueiras e não a terra em si. Dessa forma, após o golpe de 1964 e a abertura da rodovia, uma grande quantidade de empresas e particulares procurou garantir suas posses com base nos documentos obtidos no período produtivo da borracha, cobrando efetivamente seu direito sobre a posse das áreas.

Esse processo gerou, entre outros problemas, uma intensa ação de grilagem, com a recorrente invasão de terras tradicionalmente indígenas. Muitos títulos definitivos ou provisórios adquiridos nas décadas anteriores foram vendidos ou assumidos por empresas

colonizadoras que buscaram, já a partir de 1964, tornar estas áreas maiores do que realmente eram. Uma das empresas particulares ao iniciar um processo de colonização no estado, como mostra Neves e Lopes (1979), foi a Colonizadora Calama S.A., que se dizia sucessora da Assenci & Cia. Esta empresa tinha o título, outorgado em 1910, que lhe garantia a posse da Gleba Pirineus que, segundo declaração feita pela proprietária ao Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), teria área total de 1.084.627 hectares.

Em 1964 esta firma iniciou a colonização da Gleba, com base em anteprojeto de loteamento, abrindo lotes e picadas de penetração. Até abril de 1967 havia efetuado promessas de venda a terceiros de cerca de 1.400 lotes, entre 25 e 200 hectares. Os primeiros colonos que ela levou para Vila Rondônia, provenientes do Paraná, não receberam da firma qualquer tipo de apoio; tanto no aspecto sanitário, quanto no econômico. Sem qualquer assistência, essas famílias viram-se impossibilitadas de ocupar seus lotes, por falta de acesso aos mesmos; tampouco dispunham de recursos financeiros para retornar aos municípios de origem. (NEVES; LOPES, 1979, p. 97).

Outro caso semelhante foi protagonizado pela Colonizadora Itaporanga, que se apropriou de uma extensa área na região de Pimenta Bueno, onde pretendia assentar famílias de colonos provenientes do centro-sul. A empresa não somente se apossou de terras devolutas de forma ilegal, como também realizou o assentamento de colonos em áreas já destinadas à reserva indígena, como mostra o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito que analisou a questão da terra no estado rondoniense.

Os primeiros migrantes viram-se atraídos pelos planos e promessas dessas colonizadoras não oficiais. Exemplo dessa situação foi o da empresa colonizadora Itaporanga que apropriou-se de 1.300.000 ha de terras indígenas e se propôs a revendê-las em lotes de 50 ha, o que redundou na diminuição do Parque Aripuanã e, posteriormente, na fundação de um vilarejo, hoje a cidade de Espigão do Oeste. (BRASIL, 2002, p. 409).

Como vemos, considerando que o estado de Rondônia tem uma área de, aproximadamente, 24 milhões de hectares, apenas duas empresas estavam com a posse de quase 10% das terras rondonienses. E, certamente, não foram as únicas empresas a se apropriarem de terras de forma ilícita durante a década de 1960. Apenas em 1967, o governo criou um órgão para discriminar e regularizar as terras com títulos definitivos ou provisórios, fato que, por sua vez, não conseguiu disciplinar o processo de apossamento ilegal de terras, pois persistem ainda no século XXI.

Esse tipo de ação, a grilagem de terras, gerou uma pressão intensa sobre a população indígena e sobre os posseiros territorializados em todo o estado, indicando, antecipadamente, um prenúncio do que seria a colonização oficial a partir da década de 1970. As populações

indígenas sofreram diretamente o peso do avanço sobre as terras do estado rondoniense. Durante a elaboração do relatório da CPI da terra, em 2002, foram levantados alguns dos crimes praticados contra as sociedades indígenas por grileiros de terra. Foi representativo, nesse contexto, o ataque contra os índios Cinta-Larga no Parque Indígena do Aripuanã.

Um caso histórico foi protagonizado pela firma de borracha Arruda e Cia. A área ao longo do Parque Aripuanã era o habitat tradicional dos Cinta-Larga. Esses índios, em 1963, foram literalmente massacrados pelos funcionários da Cia. O incidente ficou conhecido como o massacre do Paralelo Onze. Um avião foi alugado para atacar as aldeias dos índios. Foram jogados pacotes de açúcar nos pátios e em seguida o avião deu vários rasantes dinamitando suas casas. Não se sabe exatamente quantos índios morreram. (BRASIL, 2001, p. 410).

Certamente não foi um caso isolado. Etnias inteiras desapareceram durante a década de 1960. Os índios Jaru, por exemplo, que habitavam a região central do estado, vivendo no vale do rio Machado, foram completamente exterminados pelo avanço da apropriação de terras, não havendo notícia de sobreviventes desse grupo (LEONEL, 1995). Conforme avançava a grilagem de terras, outras etnias foram empurradas para as regiões localizadas mais a oeste no estado, tendo que reconstruir constantemente seus territórios.

O mesmo ocorreu com posseiros, seringueiros que ainda viviam nas matas, entre vários outros grupos sociais amazônicos. Portanto, quando se iniciou, em 1970, a colonização dirigida no estado, o processo de apropriação privada das terras do território e os conflitos já haviam sido deflagrados. Assim, resumidamente, o substrato encontrado pelos militares em Rondônia em nada fazia jus ao que imaginavam, ou seja, um espaço vazio a ser ocupado produtivamente pela colonização. As terras do território rondoniense já acumulavam várias camadas, onde estavam sepultados índios, seringueiros, quilombolas, garimpeiros, posseiros, entre vários outros, que já viviam nesse espaço ou avançaram em busca de um espaço para se viver. É certo, porém, que os militares conseguiram deixar o quadro ainda mais violento e excludente, como veremos seqüencialmente.