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A luta pela terra no território brasileiro: notas históricas sobre a resistência e a

Fotos 98 e 99 – Camponesa assentada tecendo uma rede PA Padre Ezequiel – Mirante da

4.1 A luta pela terra no território brasileiro: notas históricas sobre a resistência e a

O latifúndio representa uma ferida crônica no processo de formação do território brasileiro. Do momento em que o primeiro invasor europeu aportou por aqui foi estabelecido um regime expropriatório e violento de controle sobre a posse da terra, o que certamente incluiu suas riquezas naturais e sua gente. Os índios foram os primeiros a conhecer os

civilizados métodos europeus de colonização. Foram insistente e recorrentemente desterritorializados: de suas terras, de sua cultura, de sua vida. Em uma disputa desigual por seu território originário, foram quase dizimados. Entraram, também, nesse moinho, escravos africanos que, expropriados precocemente de sua liberdade, estiveram sempre muito distantes da constituição de um território próprio. Também aos imigrantes europeus que chegaram como mão-de-obra substitutiva ao trabalho escravo, já a partir de meados do século XIX, foi negada a possibilidade de acesso à terra de trabalho.

Contraditoriamente, no entanto, a excludente dinâmica latifundiária gerou, também, os elementos para a consolidação da classe camponesa brasileira, assim como de suas diversas formas de resistência. Nesse sentido, da mesma forma como a expropriação representada pelo latifúndio tem sido uma constante durante todo o processo de formação do Brasil, também foi

constante a luta de resistência dos grupos sociais violentados no campo. Portanto, a luta pela terra é tão representativa de nosso país como o é o latifúndio. A luta pela terra assumiu, no entanto, perspectivas diferentes em cada região brasileira, assim como em cada momento histórico vivido pelo país.

O momento originário de tal processo foi, sem dúvida, o encontro entre europeus e a população autóctone, já nos primeiros anos da invasão. Os colonizadores, que traziam em sua bagagem a civilização e os primeiros pacotes apresentados pelo capitalismo em formação, destruíram a forma de organização pré-estabelecida pela sociedade indígena em terras brasileiras, dizimando, muitas vezes, etnias inteiras. Como bem escreveu Oliveira (2001, p. 11), “[...] o território capitalista brasileiro foi produto da conquista e destruição do território indígena. Espaço e tempo do universo cultural índio foram sendo moldados ao espaço e tempo do capital”.

A invasão européia sobre as terras brasileiras consubstanciou, precocemente, o inicio da luta desigual pela terra no país. As diversas etnias indígenas passaram, então, a lutar para manter sua histórica relação com a terra e o ambiente, assim como sua forma de produzir e viver.

A luta entre europeus e índios caracterizou a primeira luta entre desiguais no território brasileiro. A luta do capital em processo de expansão, desenvolvimento, em busca de acumulação, ainda que primitiva, e a luta dos filhos do sol em busca da manutenção do seu espaço de vida no território invadido. [...] A marca contraditória do país que se desenhava podia ser buscada na luta pelos espaços e tempos distintos e pelos territórios destruídos/construídos. (OLIVEIRA, 2001, p. 11, grifos do autor).

No âmbito de sua compreensão de mundo, as sociedades indígenas construíram, também, suas formas de resistência ao avanço do colonizador, buscando, em sua estreita relação com o ambiente, a estratégia para sobrevivência. Se considerada a amplitude da ação colonizadora, no entanto, a resistência indígena em raros momentos representou um real obstáculo aos interesses de ocupação econômica do espaço, pois sua principal estratégia constituiu-se, recorrentemente, na fuga para terras a oeste. Um dos raros momentos em que a resistência indígena esteve mais organizada foi, provavelmente, a luta das populações amazônicas durante a Cabanagem, incluindo aí não somente os índios como uma população mestiça camponesa.

A essência da ação cabana, iniciada em 1835, alicerçava-se em um movimento generalizado, popular e patriótico, contra um poder estatal comumente visto como unívoco e repressor (RICCI, 2008). O movimento foi composto por uma diversificada gama de

sociedades indígenas e por grupos camponeses mestiços que viviam em todo o vale amazônico. Alguns autores sustentam que, em grande parte, os cabanos eram trabalhadores ligados de alguma forma à terra, seja por meio da coleta das drogas do sertão ou por pequenas plantações desenvolvidas às margens dos rios amazônicos.

[...] os cabanos eram trabalhadores ligados à terra ou por meio de plantações e gado, ou como coletores dos mais diversos produtos da mata ou da floresta ou dos rios. Em geral havia uma associação dessas atividades, em um regime econômico que estava muito longe de se assemelhar àquele da monocultura escravista e agroexportadora do Nordeste açucareiro ou do café do Sudeste brasileiro. Tratava-se de uma economia diversificada, em que ganhavam relevo tanto produtos de exportação, como as madeiras, o cacau, a castanha ou o látex, quanto variados produtos que serviam de abastecimento e subsistência em todo o interior da Amazônia e nas grandes cidades. (RICCI, 2008, p. 158).

Embora o foco na discussão sobre o movimento cabano tenha ocorrido em torno da configuração política do Estado brasileiro, situando o processo de resistência como luta contra a independência do Brasil, devemos considerar que a Cabanagem foi o resultado dialético da violência colonizadora na região amazônica. Tal movimento foi gerado, ao mesmo tempo, a partir do desejo de manutenção de práticas e saberes indígenas incrustados não somente nessas sociedades como também em larga parcela da população mestiça territorializada no vale dos diversos rios amazônicos. No mesmo sentido, Silveira (1994) ressalta que a luta cabana foi construída basicamente a partir da disputa dos cabanos do interior pela posse da terra. Portanto, a resistência esteve calcada, em verdade, na luta pela manutenção/construção de um território cabano ou caboclo, indígena e mestiço, em contraposição ao modelo

civilizatório imprimido pelos colonizadores, baseado na violência e na expropriação durante vários séculos.

O fato é que a Cabanagem representou, para a população amazônica, um estilo de resistir, uma maneira de enfrentar a voracidade dos colonizadores e das elites regionais. Depois de 1836, contudo, foram enviados do Rio de Janeiro pelo menos 2.500 homens bem armados para dar início à pacificação. Essa repressão prolongou-se até 1839, quando os principais focos da resistência cabana foram destruídos. Uma população indígena e cabocla, que superava 30 mil pessoas, foi exterminada e sua forma de viver e produzir destruída, fato que teve resultados catastróficos para todo o vale amazônico (SOUZA, 1994).

A repressão ao movimento cabano, nas palavras de Souza (1994, p. 124, grifos do

autor), gerou um silêncio que “[...] matou no nascedouro a cultura solidária, meio portuguesa e meio indígena, que era a civilização caboca, e permitiu o surgimento de uma cultura

pragmática e alienada” que, por sua vez, foi construída, de acordo com Silveira (1994), nas bases da expansão e consolidação de um regime latifundiário em toda a região amazônica. Desde então, cresceram, paralela e contraditoriamente, o domínio do latifúndio e a resistência de grupos indígenas e mestiços. A luta pela manutenção ou recuperação dos territórios indígenas tradicionais persiste ainda no século XXI, envolvendo uma rarefeita, porém diversa sociedade indígena.

Para além dos índios, foram também escravizados e expropriados grupos africanos tangidos para o território brasileiro como mercadoria. Desterritorializados precocemente no continente africano e escravizados em terras brasileiras, os negros africanos fizeram da luta pela liberdade também uma luta pela terra e constituição de um território livre. A luta ocorreu por meio da fuga e estabelecimento de Quilombos em diferentes cantos do país e momentos históricos, transcorrendo todo o período de duração do sistema escravista.

A resistência representada pelo Quilombo dos Palmares ficou eternizada, mas as áreas de resistência negra espalharam-se por todo o território brasileiro, compondo um elemento importante na configuração cultural e territorial da cidade e do campo brasileiro.

Na Colônia e no Império, de norte a sul, de leste a oeste pulularam os quilombos. Os exemplos dessa realidade são inumeráveis. A toponímia nacional registra vários acidentes geográficos que foram tardiamente ocupados, possivelmente habitados inicialmente por quilombolas. [...] do começo ao fim da escravidão, em todas as partes em que brotava a agricultura e a escravidão, logo apareciam os quilombos enchendo as matas e pondo em alvoroço os senhores de terra. (FIABANI, 2005, p. 264).

As comunidades formadas em torno de áreas libertas aprenderam a conviver com diferentes ambientes, transitando entre a extração de produtos naturais e a produção agrícola para auto-consumo. Mário Maestri e Adelmir Fiabani ressaltam a importância dos quilombos

horticultores, constituídos em algumas regiões do país. Nessas áreas, compostas por grupos que variavam de dezenas a milhares de famílias, eram constituídas “[...] comunidades de trabalhadores escravizados fugidos aos quais, eventualmente, se juntavam nativos, libertos, homens livres pobres” (MAESTRI; FIABANI, 2008, p. 64), onde se produzia comunitariamente milho, mandioca, entre vários outros gêneros alimentícios. Os autores destacam, ainda, que além da produção para o auto-consumo do grupo, parte da produção, em alguns casos, era comercializada com o mundo escravista. Isso ocorria, especificamente, no sentido de aquisição de objetos não produzidos nos quilombos como, por exemplo, armas, chumbo, pólvora e tecidos.

É certo que as comunidades quilombolas tinham como objetivo primordial a manutenção da liberdade dos escravos fugidos. Por outro lado, é também correto afirmar que no âmbito dos quilombos foram desenvolvidas práticas camponesas de sobrevivência e reprodução social. E foi a partir da forma de organização que esses grupos conseguiram resistir em várias partes do território brasileiro, desde que, recorrentemente foram caçados e atacados pelos jagunços das fazendas escravistas e por contingentes oficiais. Com o fim do

sistema escravista, em 1888, “[...] as comunidades remanescentes de quilombos dissolveram-

se, metamorfosearam-se e confundiram-se nas populações de caboclos e de posseiros

(MAESTRI; FIABANI, 2008, p. 66, grifos dos autores).

A partir do contexto de resistência nas comunidades quilombolas, muitos grupos territorializaram seu modo de vida e produção. Somente na última década, contudo, tais grupos estão tendo os direitos sobre suas terras tradicionais reconhecidos. No noroeste de Minas Gerais, nos estados do Mato Grosso, Goiás, Maranhão, Pará, entre outros, estudos antropológicos têm legitimado o direito quilombola sobre a terra. No estado de Rondônia, em específico, foi reconhecido e demarcado o território da comunidade quilombola de Jesus, em outubro de 2009. No entanto, existem ainda seis outros grupos reivindicando a demarcação de suas terras. Esses grupos são remanescentes dos quilombos formados no vale do rio Guaporé, sobretudo durante o século XVIII.

Outro momento da luta de resistência pela terra, embora existam controvérsias quanto ao caráter camponês da comunidade constituída em torno de Antônio Conselheiro no sertão baiano, é representado pela Guerra de Canudos. Como relata Martins (1983), após peregrinar por vários estados nordestinos desde a década de setenta do século XIX, Conselheiro estabeleceu-se em uma fazenda abandonada no sertão baiano, próximo ao rio Vaza Barris, chamada Canudos. Aí fundou um povoado, Belo Monte, que chegou a congregar mais de 30 mil moradores, em sua maioria, sertanejos expropriados pelo poder dos grandes coronéis e, muitas vezes, do próprio Estado.

A história de Canudos foi reconstruída a partir da figura messiânica do Beato Conselheiro, tendo seus seguidores assumido características demasiadamente baseadas no fanatismo religioso. Essa vertente de análise foi apoiada também na compreensão de que o grupo constituía um foco de resistência à República recém instituída. E, dessa forma, fatores que comandavam a exclusão de larga parcela da população sertaneja, como a concentração de poder e de terras nas mãos dos coronéis, foram negligenciados. Nas palavras de Lima (2008,

p. 242): “Canudos, ao não se enquadrar na hierarquia clientelística latifundiária, tornou-se uma ameaça de sustentação do regime, o coronelismo”.

Apoiado em informações do período, especialmente aquelas levantadas em campo pelo jornalista e escritor Euclides da Cunha, Martins (1983, p. 53) ressalta, também, sobre o movimento de resistência estabelecido em Belo Monte, que “[...] tudo indicava que era um movimento marcado por critérios de justiça que se contrapunham à justiça parcial e de classe dos coronéis”. Isso indica que esses sertanejos buscavam, independentemente do que os movia, a constituição de um território livre do jugo dos coronéis, onde pudessem construir seu território de produção e vida.

Entre 1896 e 1897, Canudos tornou-se um dos maiores símbolos da resistência camponesa no território brasileiro. Os camponeses que seguiram Antônio Conselheiro suportaram, com base em sua organização estratégica, mais de um ano de ataques constantes por parte do exército. Por fim, a mobilização de metade do exército nacional, além dos jagunços dos coronéis, deixou mais de cinco mil camponeses mortos. Vale ressaltar que, apesar da representatividade do caso, tanto o coronelismo como a resistência camponesa cresceram no Nordeste nos anos posteriores.

Semelhante exemplo ocorreu no caso do Contestado, entre os estados de Santa Catarina e Paraná. Na análise de Martins (1983), foi a maior guerra popular, uma guerra camponesa, da história contemporânea do Brasil. Entre 1912 e 1916, o conflito envolveu 20 mil rebeldes e metade dos efetivos do exército brasileiro, deixando um saldo de pelo menos três mil mortos. A perspectiva sob a qual ocorreu o conflito, de expropriação da classe camponesa, reflete em muito vários outros ocorridos na história brasileira. Entendido pelo Estado, assim como ocorreu com Canudos, como uma ação messiânica apoiada na figura do curandeiro José Maria, a revolta foi, em verdade, um movimento camponês de posseiros em luta pela manutenção de sua terra de trabalho. Sobre o histórico sistema de posse na região do Contestado, Carvalho (2008, p. 283) diz o seguinte:

O apossamento de terras parece ter sido a forma recorrente de apropriação territorial na região. Como o Contestado era uma região de fronteira em expansão, era comum o estabelecimento de posses por pequenos agricultores, antes da chegada dos grandes fazendeiros e da administração pública. [...] diretamente relacionada a este processo de ocupação estava a tentativa de garantir a sobrevivência realizando múltiplas atividades que iam desde a roça cabocla, passando pela coleta de erva- mate até o aproveitamento das florestas da região.

Essa conformação camponesa, baseada na posse da terra ou constituída no direito

considerados intrusos ou invasores. Isso ocorreu, mais destacadamente, a partir da concessão de larga quantidade de terras, na região, à empresa Brazil Railway Company, construtora da ferrovia conhecida como São Paulo - Rio Grande. A mesma empresa constituiu, ainda, uma subsidiária, a Southern Brazil Lumber and Colonization, para explorar as terras próximas à ferrovia, explorando a madeira e desenvolvendo projetos de colonização com a venda de terras. Cabe ressaltar que a empresa, além de contar com as terras marginais à ferrovia, havia comprado mais de 230 mil hectares de terra próximo aos municípios de Três Barras e Calmon. E já entre os anos de 1908 e 1912, foi iniciada a demarcação das terras, com a conseqüente expulsão dos camponeses posseiros (CARVALHO, 2008).

Nesse contexto, passaram a ser impostas, portanto, novas formas de relação com a terra e com o ambiente, que atingiam diretamente o modo de viver dos camponeses da região. Isso foi, certamente, o principal estopim para a deflagração da revolta do Contestado. E foi em defesa da manutenção de sua tradicional forma de produzir e viver que os camponeses de toda a região organizaram-se em torno da figura simbólica do monge José Maria, tendo como objetivo específico a defesa de seu território.

O início desse processo ocorreu quando posseiros expulsos de suas terras se reuniram em torno de José Maria, em 1912, na localidade de Perdizes Grandes, em Santa Catarina, para discutir os problemas causados pelas empresas colonizadoras. O principal coronel desta região, Francisco de Albuquerque, preocupado com as conseqüências deste encontro, denunciou o monge ao governador acusando-o de ter proclamado a monarquia nos sertões de Taquaruçu, em Santa Catarina. Com a denúncia, José Maria teria atravessado a fronteira para o estado do Paraná, acampando na localidade de Irani, juntamente com um grupo de posseiros (MARTINS, 1983).

A força militar do estado do Paraná organizou rapidamente um contingente para atacar os camponeses acampados em Irani. Já no primeiro ataque, José Maria foi morto, mas a luta dos camponeses seria recomposta em vários outros redutos e duraria quase quatro anos, envolvendo mais de vinte mil posseiros. Por fim, em 1916, os camponeses revoltosos foram destroçados pelo exército brasileiro, que mobilizou quase metade de seu contingente para combater os posseiros. O episódio demonstra não somente o poder dos coronéis apoiados pelo Estado, como também a capacidade de resistência do campesinato.

Até meados do século XX, muitos conflitos com base na resistência camponesa aconteceram pontualmente em todo o país. Contudo, é a partir daí que, de fato, serão iniciadas organizações mais contundentes de defesa dos direitos da classe dos agricultores familiares

camponeses. São exemplos concretos deste processo, a Guerrilha de Porecatu, no Paraná; o conflito de Trombas e Formoso, em Goiás; e o ressurgimento das Ligas Camponesas no nordeste. Todos esses focos de resistência tiveram, em maior ou menor proporção, a influência do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que, depois da Ditadura Vargas, em 1945, passou a rearticular a luta operária e camponesa.

A Guerrilha de Porecatu pode ser situada em um contexto mais amplo de conflitos que vinham ocorrendo no estado do Paraná entre os últimos anos da década de 1940 e a primeira metade da década seguinte. Em verdade, o estado foi palco de agressões contra grupos camponeses e, conseqüentemente, tornou-se campo fértil para a organização da luta pela terra. Em Jaguapitã, por exemplo, como relata Martins (1983), 1.500 famílias que ocupavam área de terra devoluta, em 1946, foram violentamente despejadas em favor de grandes fazendeiros da região, fato que ocasionou a formação de grupos armados entre os agricultores camponeses que resistiram durante meses em suas terras ou atacando as grandes fazendas vizinhas. O governo do Paraná, para por fim ao conflito, prometeu dar terras aos posseiros no vale do rio Paranavaí, promessa nunca cumprida.

No caso de Porecatu, o governo estadual anunciou a instalação de um projeto de colonização no norte do Paraná, o que fez com que muitos camponeses expropriados em outras partes do estado abrissem suas posses na região. Clodomir de Morais resume bem o contexto do conflito.

A guerrilha de Porecatu apareceu em 1950, na margem esquerda do curso médio do rio Paranapanema, que divide São Paulo e Paraná. A área conflitada começa no município de Porecatu (Paraná). Originou-se de um processo de litígios sangrentos entre posseiros e latifundiários, que disputavam vastas áreas de novas fronteiras agrícolas do Norte do Paraná, penetradas por imigrantes gaúchos e nordestinos. [...] Jacinto, um artesão rural e migrante nordestino, que acompanhou de perto os mais importantes conflitos da área, dirigiu o levante armado dos camponeses de Porecatu e organizou um forte movimento de apoio guerrilheiro no outro lado do rio Paranapanema.(MORAIS, 2006, p. 25).

Foi importante no desenrolar do conflito, também, a figura de José Billar, que se tornou um dos principais chefes guerrilheiros no embate de Porecatu. O acesso ao armamento para o conflito foi possibilitado pelas várias regionais, do Paraná e de São Paulo, do Partido Comunista Brasileiro. No entanto, foi também o partido que, já nos primeiros meses de 1951, a partir da constatação de que não havia condições históricas para a deflagração de uma luta armada no país, quem promoveu a dissolução da guerrilha, que se estenderia pontualmente por mais alguns meses.

No mesmo período do conflito paranaense, estava em gestação outro processo de resistência camponesa, no estado de Goiás, que ficou conhecido como Trombas e Formoso.

O território livre de Formoso foi uma área de quase 10 mil quilômetros quadrados em Goiás. Os posseiros dali, sob a liderança do camponês José Porfírio, resistiram aos latifundiários. Em choques armados contra estes e contra as forças policiais que apoiavam os latifundiários, os camponeses de José Porfírio saíram vitoriosos, proclamando território livre a área localizada entre o rio Tocantins e seu afluente, o rio Formoso. Além disso, elegeram as autoridades da área (prefeitos, vereadores e juízes) e se negaram a pagar tributos a Goiás. (MORAIS, 2006, p. 26).

Nesse contexto, os posseiros desenvolveram uma espécie de autogestão da região

libertada. Foi criado, para isto, um sistema de autofinanciamento, com o atendimento às necessidades médico-hospitalares, promoção de lazer e a defesa da região contra os ataques