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4 A OPERAÇÃO DE SEPARAÇÃO EM LACAN

4.1 As Três Formas de Falta de Objeto

4.1.1 Frustração: a Mãe Simbólica

AGENTE FALTA OBJETO

Mãe simbólica Frustração imaginária Seio real

O processo de frustração está presente na primeira idade da vida, e pode ser definindo como um “... conjunto de impressões reais, vividas pelo sujeito num período de desenvolvimento em que sua relação com o objeto real está centrada habitualmente na imago dita primordial do seio materno...” (Lacan, 1956-57/1995, p.62). O seio materno representa aqui a via da alimentação que, juntamente com o Outro Primordial, irá erogeneizar a região oral da criança.

A partir da definição de frustração, pode-se observar que esta operação aparece nas primeiras relações entre a mãe e a criança. A mãe, enquanto Outro Primordial, precede à criança, estando já inserida no mundo da linguagem. Por isso, o agente na frustração é simbólico. Ele vai permitir a relação da criança com o objeto de satisfação, que para a criança é real.

A frustração é justamente a ausência do objeto real, que é dependente do agente simbólico. É o agente quem vai, através do discurso, introduzir a criança no universo humano e, também, frustrá-la pelas presenças e ausências. Esta ambivalência marcará a periodicidade de carências e, por ser articulada tão precocemente pela criança, no registro do apelo ao Outro, traz-lhe “... a primeira constituição do agente da frustração, que é originariamente a mãe” (Lacan, 1956-57/1995, p. 67).

É pelo apelo, na forma de vocalizações primárias, que a criança chama o objeto materno quando da sua ausência e também o rejeita na sua presença. Daí, tem-se a base, a condição fundamental, para a possibilidade de se articular a relação real com a simbólica (Lacan, 1956-57/1995). O jogo simbólico do fort-da será o precursor desta articulação, quando a ambivalência da presença e da ausência é ativada pela criança.

Para Freud, o fort-da tem relação com a repetição da ação por parte da criança Para Lacan, há relação com a frustração e com os primeiros indícios da entrada no campo da linguagem. Soler (1994) faz referência ao jogo do fort-da, de modo que, para a criança, este “... permite ver o efeito de perda conectada à simbolização primordial” (Soler, 1994, p. 2).

Em seu texto “A metáfora paterna – Nome-do-Pai – A metonímia do desejo”, Dor (1989/2003) traz o papel do jogo do fort-da como “... a ilustração mais explícita da realização da metáfora do Nome-do-Pai no processo de acesso ao simbólico na criança, ou seja, o controle simbólico do objeto perdido...” (Dor, 1989/2003, p. 89).

Na frustração, quem representa a simbolização é o agente mãe. Lacan então acrescenta que “... por trás da mãe simbólica está o pai simbólico” (Lacan, 1956- 57/1995, p. 225), que intervém neste momento do Édipo sobre a mãe, enquanto lei, a lei Nome-do-Pai.

No caso do pequeno Hans, é possível verificar a presença deste pai simbólico, ao qual Lacan se referiu na passagem acima. O nascimento de sua irmã desperta nele o grande enigma do nascimento dos bebês. Quanto a este enigma, ele irá chegar à conclusão de que o pai não só tinha algo a ver com o nascimento, mas que o ‘pipi’ tinha algo a ver com isso, tendo que ser inclusive um ‘pipi’ maior do que o dele para fazer isso (Freud, 1909/1980). E Hans conclui realmente que o seu pai tem participação no nascimento de sua irmã.

Neste momento, é importante frisar que a instância paterna aqui aparece de forma velada, ou seja, através da lei do símbolo e da própria castração materna (Lacan, 1957-58/1999), mesmo que não seja reconhecida ainda pela criança. Na verdade, é através da fala da mãe que a função do pai, como representante do desejo da mãe, será reconhecida. “Isso não impede que o pai exista na realidade mundana, ou seja, no mundo, (...) Por causa disso, a questão do falo já está colocada em algum lugar da mãe, onde a criança tem de situá-la” (Lacan, 1957-58/1999, p. 200).

Nesta etapa, encontra-se o que Lacan chamou de primeiro tempo do Édipo. A criança se identifica especularmente com o objeto de desejo da mãe, que é o falo. A criança

para agradar a mãe, procura ocupar o lugar do falo, enquanto equivalência falo-filho. Vale lembrar que, neste momento, a criança ainda não tem a mesma noção de falo que tem a mãe, enquanto representante da falta.

Então, Lacan (1956-57/1995) se questiona de quando e como a criança percebe a falta nela e no Outro Primordial. A sua resposta traz à tona o estádio do espelho e a relação especular da criança com a imagem do outro.

É com relação a esta imagem que se apresenta como total, não apenas preenchedora, mas fonte de júbilo em razão da relação específica do homem com sua própria imagem, que este realiza que algo pode lhe faltar. É na medida em que o imaginário entra em jogo que, (...) algo pode faltar imaginariamente. (Lacan, 1956-57/1995, p. 179).

A falta apresenta-se para a criança, então, pela via do imaginário. E a frustração também é desta ordem. Logo, Lacan vai explicar, no “Seminário 4” (1956-57/1995), que a operação de frustração passa por um dano imaginário, por se tratar de algo que é desejado pela criança e não obtido, o apelo da criança está no nível de uma exigência sem lei e sem nenhuma possibilidade de satisfação.

Na verdade, a mãe faz uma alternância nas suas respostas, respondendo ou não aos apelos infantis. Desta maneira, a criança fica assujeitada aos caprichos do Outro Primordial frente aos seus apelos, em razão da onipotência materna (Quinet, 2003). Em sua onipotência ilimitada, é a mãe quem frustra a criança. Isto é possível porque os objetos que, até então, correspondiam aos objetos de satisfação, entraram no circuito da ambivalência e passaram a valer como objetos de dom.

Do que se trata o dom ? Conforme Lacan (1956-57/1995) o dom implica um ciclo de troca de maneira primitiva para com a criança, em que “o dom surge de um mais- além da relação objetal” (Lacan, 1956-57/1995, p. 185), como símbolo de amor que pode se dar ou não, diante do apelo da palavra.

O que acontece então, se a mãe não responde ao apelo da criança ? Lacan (1956- 57/1995) ao se fazer este mesmo questionamento, conclui que acontece uma inversão de posições. Ou seja, a mãe passa do nível simbólico para o real, e o objeto, que se apresentava como real, ocupa a posição simbólica.